Golpistas e arsenais em mãos civis: os novos desafios da segurança pública
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O número de casos de violência política e eleitoral no Brasil em 2022 foi 400% maior do que o registrado em 2018. Em um recorte do período eleitoral até o primeiro turno – entre 1º de agosto e 2 de outubro de 2022 –, foram registrados 121 casos de violência política contra agentes políticos.
A média foi de dois casos por dia. Os dados são da segunda edição da pesquisa Violência Política e Eleitoral no Brasil, produzida pelas organizações de direitos humanos Terra de Direitos e Justiça Global, prenunciando o que viria a acontecer no país neste início de ano.
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Após as eleições, com a vitória do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a consequente derrota de Jair Bolsonaro (PL), que tentava a reeleição, apoiadores do situacionista montaram acampamentos nas proximidades de quartéis em várias cidades do país, passaram a bloquear estradas e rodovias, queimaram carros e ônibus e até tentaram um atentado com dinamite próximo ao aeroporto de Brasília.
Uma semana após a posse do presidente eleito, no dia 8 de janeiro, cerca de 4 mil pessoas, apoiadoras do candidato derrotado, realizaram uma caminhada também em Brasília, em uma manifestação que terminou com a invasão e depredação do Palácio do Planalto e das sedes do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal. Os atos foram considerados terroristas e golpistas.
Diante desses fatos anteriores e posteriores às eleições e à posse, especialistas no assunto apontam a segurança pública como uma das áreas mais sensíveis e um dos maiores desafios para o novo governo. Além de voltar-se a problemas habituais, como o combate ao crime organizado e vigilância das fronteiras, a segurança pública no governo Lula tem que se manter atenta à violência política e a tentativas de golpe.
“Penso que a segurança pública é um dos maiores desafios, mas não me parece que esse seja o entendimento do governo federal. O fato de Lula ter recuado da proposta defendida na campanha de criação do Ministério da Segurança Pública sugere que o tema seguirá sendo tratado como se fosse responsabilidade básica dos estados, o que significa que a União seguirá tendo um papel inexpressivo. Se for isso, trata-se de um erro grave de avaliação”, analisa Marcos Rolim, jornalista, sociólogo, professor universitário e consultor em segurança pública.
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Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, sociólogo, professor universitário e especialista em segurança pública, concorda que houve uma mudança de estratégia.
“Parece que foi revertida a proposta de criação de um ministério autônomo, porque se ouviu que o Ministério da Justiça no governo Lula, diante das ameaças golpistas, da contaminação das polícias e também das Forças Armadas, seria um ministério estratégico.
Ou seja, o ministério seria o anteparo a todos esses grupos golpistas encastelados dentro dessas instituições”, avalia.
Para o ex-diretor do Departamento de Políticas, Programas e Projetos da Secretaria Nacional de Segurança Pública, consultor em segurança e diretor executivo do Instituto Cidade Segura, Alberto Kopittke, para combater as ameaças de golpe, a nova realidade requer debates e um processo de renovação na segurança pública e nas Forças Armadas.
“É preciso discutir uma doutrina civil, constitucional, legalista, as Forças Armadas e, também, é necessária uma depuração. Não há uma transição democrática sem depuração do Estado”, recomenda.
No episódio do Capitólio (invasão da sede do Poder Legislativo dos Estados Unidos por apoiadores do ex-presidente Donald Trump, em janeiro de 2021), vários generais se manifestaram em favor da democracia. Aqui no Brasil, isso não ocorreu, contrapõe Kopittke.
“O maior problema deste clima insurrecional é não poder discutir uma política pública de segurança pública com calma, de forma organizada.
Questão importante que acaba secundarizada. Ainda mais que ainda não se conseguiu formar uma agenda de combate ao crime organizado. Agora, a situação piorou”, alerta.
Câmaras de eco golpistas e armas
Foto: Igor Sperotto
Para Rolim, as ameaças de golpe decorrem principalmente de um processo de radicalização e de manipulação executado por meio das redes sociais.
“São o desfecho previsível do processo de radicalização produzido pela extrema-direita no Brasil, a exemplo do que ocorre em muitos outros países já há alguns anos. Esse processo implicou em uma espécie de lavagem cerebral de milhões de pessoas que passaram a viver em bolhas da Internet, onde se produziu o fenômeno das ‘câmaras de eco’, em que todas as pessoas repetem afirmações e valores na mesma direção, sem contraditório. Essas pessoas estão sendo instigadas ao ódio pela disseminação massiva de mensagens falsas há muitos anos”, constata.
O consultor em segurança e diretor do Instituto Cidade Segura aponta o ex-presidente Jair Bolsonaro como principal responsável pela situação. “Desde que assumiu como presidente, Bolsonaro passou a atacar as instituições e dissimular o discurso de ódio, sem nenhuma punição”, lembra. Para o especialista, nesse contexto, os episódios de 8 de janeiro não foram inéditos. “Se não tivessem o apoio de militares, seriam uma manifestação política”, deduz Kopittke.
O apoio dos militares, repara ele, é o que faz ter um caráter de insurreição. “Mas não é novo. Isso ocorreu na Proclamação da República, para derrubar Getulio Vargas, no movimento que provocou a Legalidade e no início da ditadura. É uma técnica desestabilizadora que vem sendo usada no Brasil há mais de um século”, contextualiza.
Recolhimento de armas
Foto: Igor Sperotto
Em relação à situação anterior ao governo Bolsonaro, o governo Lula recebe uma herança considerada indesejada. Entre dezembro de 2018 e o primeiro semestre de 2022, ou seja, no período pós-eleição de Jair Bolsonaro e três anos e meio de seu governo, a quantidade de armas registradas no país saltou de 350.638 para 1.006.735, um aumento de 187%.
O crescimento teve como base os decretos presidenciais que facilitaram o acesso a armamentos, como a flexibilização da aquisição e do registro de armas de fogo, inclusive algumas até então de uso restrito das Forças Armadas e das polícias. E o aumento nos limites de registros: 60 armas de fogo para atiradores (30 de calibre restrito), 30 para caçadores (15 de calibre restrito) e sem limites para colecionadores.
O primeiro passo já foi dado com as medidas anunciadas pelo governo federal que impedem a sequência desse processo insano de compra de fuzis e de montagem de arsenais nas mãos de civis.
“O ponto a ser equacionado é qual a política a ser adotada quanto a esses arsenais e armas antes restritas, mas que foram adquiridas legalmente. Penso que o governo deveria lidar com esse tema sem tomar qualquer medida compulsória, para evitar a judicialização e mesmo a resistência armada de alguns proprietários. O melhor caminho parece ser o de uma política de ‘payback’, oferecendo um valor razoável pelas armas adquiridas para aqueles que quiserem participar desse esforço. Essas armas seriam, então, encaminhadas pelo governo às polícias”, sugere Rolim.
Foto: Joedson Alves/ ABr
Já Ghiringhelli propõe um aumento e uma transferência da responsabilidade pelo controle dos cadastros. “Primeiro, é necessária a derrubada desses decretos. É fundamental que haja também uma política de recolhimento de armas que estejam irregulares. Isso já está sendo encaminhado por meio de uma proposta do recadastramento, que seria obrigatório. Mas também é necessário que se pense quais seriam os mecanismos para efetivar isso. Pelo que se sabe, as Forças Armadas não têm grande disposição para isso, e então é preciso que se crie uma outra estrutura, na minha opinião, vinculada à Polícia Federal”, sugere.
Por fim, Rolim avalia que as velhas e as novas questões envolvendo direta ou indiretamente pautas relativas à segurança pública requerem uma maior participação do governo federal.
“Todos os desafios na área da segurança pública demandam uma presença efetiva da União, como, aliás, ocorre nas democracias mais consolidadas”, compara.
Conforme Rolim, isso envolve a criação de novas instituições, como uma Academia Nacional de Polícia, capaz de formar as futuras lideranças policiais; um Instituto Nacional de Pesquisas, para sistematizar os dados na área da segurança, impulsionar pesquisas e construir procedimentos operacionais unificados, e uma Inspetoria Nacional de Polícia, para cumprir um papel centralizado de correição e controle de qualidade do trabalho policial. golpistas e armas, golpistas e armas, golpistas e armas, golpistas e armas, golpistas e armas, golpistas e armas