STF está corrigindo um erro com a imposição de outro na contribuição sindical, afirma jurista
Foto: Memorial da Democracia/ Reprodução
O julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o retorno da contribuição assistencial de trabalhadores não sindicalizados caminha para uma decisão favorável que tira o movimento sindical de um processo de asfixia financeira iniciado em 2017 no governo Michel Temer, com a aprovação da reforma trabalhista.
Para o advogado Luís Carlos Moro, apesar do processo ser para “consertar um erro notório”, a solução apontada cria um instituto de direito que não existe.
Outro ato, na opinião do jurista, no histórico da jurisdição da Corte sobre o sindicalismo que “é o de uma interpretação sucessiva desconstitucionalizante do movimento”, afirma.
Secretário-geral da Associação Americana de Juristas (AAJ) e presidente da delegação brasileira da Associação Luso-brasileira de Juristas do Trabalho (Jutra) Moro sustenta que o voto do ministro Luís Roberto Barroso é contraditório.
Ele entende que o chamado “direito de oposição”, que estabelece que o trabalhador decide se quer pagar ou não a contribuição sindical, conflita com o conceito de sindicato que é o de um ente coletivo
Direito de voto, não de veto
Foto: Arquivo Pessoal
“Não é admitido um veto a uma decisão coletiva; você quer se opor, vá na assembleia”
“O problema da estruturação lógica do voto é que se atribui ao indivíduo um poder de vetar uma deliberação que é coletiva. Vamos transportar isso para outro ente coletivo. Sobre uma deliberação de um condomínio, por exemplo. Se define uma taxa e vem um condômino e diz que quer exercer o seu direito de oposição. O que que acontece com os condomínios?”, indaga Moro.
De acordo com o jurista, isso não pode ocorrer simplesmente porque “entes coletivos se expressam coletivamente”.
“Não tem como alguém dizer que vai se beneficiar de tudo o que tem de bom de uma negociação feita por seu sindicato e não querer pagar a contribuição social ou assistencial. Aí se quebra o conceito de coletividade. Você fratura o sindicato”, alerta.
O jurista é taxativo: “Não é admitido um veto a uma decisão coletiva; você quer se opor, vá na assembleia e vote contra. Você tem o direito de votar e ser votado. O direito é de voto, não de veto. Estão dando direito de veto”, reclama.
Visão preconceituosa contribuição sindical
“A contribuição patronal que está no artigo 580 da CLT continua com a redação de 1976”
Moro destaca um ponto que revela o grau de hipocrisia dessa discussão. “Ninguém sequer pensa em atribuir às empresas o direito de veto das deliberações tomadas nas assembleias patronais. Se tivermos, por exemplo, também o direito de oposição nas representações patronais, você vai ver o tamanho da encrenca que pode ser criada no sistema S”, adverte.
Para ele, o movimento trabalhista no Brasil é ainda visto com o preconceito do século 19 e o ministro Barroso tem “severas dificuldades de compreensão do fenômeno sindicato”.
Um exemplo crasso é que, se a Lei 13467/2017 destruiu os princípios de contribuição para as entidades dos trabalhadores, “com relação à contribuição patronal que está no artigo 580 da CLT a gente continua com a redação de 1976”, aponta o jurista.
A lógica dos defensores da reforma trabalhista de Temer é a que todos os “males estavam concentrados exclusivamente na representação dos trabalhadores”, interpreta.
Patronal não é sindicato
“O sindicalismo patronal, por si uma excrecência que não existe em lugar nenhum, se manteve com alíquotas ampliadas”, registra o jurista ao explicar que para o direito internacional a palavra sindicato tem um viés e no direito brasileiro, outro.
“Quando a Organização Internacional do Trabalho (OIT) fala de sindicato, fala de trabalhadores; quando fala de representação patronal, usa o termo organização. Não estou negando o direito de associação patronal, só estou dizendo que associação patronal é tudo, menos sindicato”, expõe.
Constituição distorcida
“Estão acabando com as liberdades sindicais, com a ideia de unicidade que bem ou mal é aquela que está assentada na Constituição”
A Constituição brasileira determina que o país se rege pelo princípio da Autonomia Sindical de uma forma muito clara, lembra Moro.
Ele ressalta que a Carta assegura a liberdade sindical ao estabelecer que a assembleia geral é responsável por fixar a contribuição (inciso 4° do artigo 8°) que deverá ser descontada em folha para o custeio do sistema confederativo de representação dos trabalhadores, independente da contribuição prevista em lei.
“A Constituição assegura pelo menos duas contribuições e o Supremo as matou. A confederativa e a assistencial”, lamenta.
Enfático, o jurista afirma que “na tentativa de consertar males sociais ou sociológicos que existem mesmo como uma tradição no sindicalismo brasileiro”, o STF distorce o conteúdo literal das normas constitucionais.
“Aos pouquinhos, firmam uma jurisprudência que parte de verdadeiros preconceitos contra a atividade sindical. Estão acabando com as liberdades sindicais, com a ideia de unicidade que bem ou mal é aquela que está assentada na Constituição. Ao acabar com a noção de que, dentro da liberdade sindical, cabe ao sindicato fazer ou deixar de fazer, estão destruindo a autoridade das assembleias gerais”, conclui.
Votos contribuição sindical
Foto: Nelson Jr./SCO/STF
Na última sexta-feira, o julgamento no plenário virtual do STF foi suspenso porque o ministro Alexandre de Moraes pediu mais tempo para analisar a matéria. Ele terá 90 dias para devolver o processo.
Além de Moraes, seis ministros ainda não votaram.
Até agora, votaram a favor da contribuição sindical por acordos negociados o relator, ministro Gilmar Mendes, que mudou o voto e acompanhou a posição de Luís Roberto Barroso; Cármen Lúcia, Edson Fachin e Dias Toffoli acompanharam o relator.