Nova queda de braço pela assinatura da privatização da Corsan esquenta o clima político no Estado
Foto: Corsan/Divulgação
Foto: Corsan/Divulgação
Um dia depois do presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Alexandre Postal, dar sinal verde para assinatura do contrato de privatização da Corsan, a conselheira Ana Cristina Moraes, relatora do processo que investiga possíveis irregularidades na venda da estatal voltou a fechar a porta para a conclusão no negócio entre o Governo do Estado e o Grupo Aegea.
ATUALIZAÇÃO: Na tarde desta sexta-feira, 7, o presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE), o conselheiro Alexandre Postal, liberou de novo a assinatura do contrato de compra e venda da Corsan ao suspender a segunda decisão da conselheira-substituta Ana Cristina Moraes, para a efetivação da privatização. Postal atendeu a pedido o governo estadual feito pela manhã. A assinatura do contrato deve ocorrer às 18 horas desta sexta, conforme o Palácio Piratini. Na sequência, o Ministério Público de Contas pediu nova liminar.
Na quinta-feira, a conselheira do TCE, por sua vez, em sua decisão acatou pedidos do Ministério Público de Contas (MPC), que em uma tacada só não só reiterou pedido da quebra de sigilo sobre o processo de privatização da Corsan, como também pediu nova cautelar para barrar a assinatura do contrato de desestatização e recorreu da decisão do Presidente do Tribunal de Contas que havia liberado assinatura do contrato.
O pedido foi encaminhado na quinta-feira, 6, à Relatoria do processo que envolve a privatização pelo procurador-geral do MPC, Geraldo da Camino. Ele pede que nova cautelar suspenda assinatura de contrato até o julgamento do processo, marcado para o próximo dia 18 de julho no pleno do TCE.
Em documento endereçado ao presidente do tribunal, Alexandre postal, Da Camino destacou que o Presidente do TCE por estar na mesma faixa hierárquica da conselheira e relatora substituta, e em não se tratando de caráter de urgência, não cabia a medida utilizada. Leia a íntegra do documento.
A decisão da relatora foi resposta dura à decisão unilateral do presidente Alexandre Postal do Tribunal de Contas (TCE) de suspender a cautelar do Ministério Público de Contas (MPC) que impedia assinatura do contrato que conclui o processo de privatização da Corsan. A decisão de postal, atendeu os interesses do governo, mas feriu as suscetibilidades não apenas dentro do TCE como entre o TCE e o MPC.
“A relevância e a repercussão da matéria versada no presente processo (…) reclamam que seja aguardado o desfecho definitivo de mérito, onde serão enfrentados todos os pontos ainda controvertidos no presente processo pela Primeira Câmara deste Tribunal de Contas”, despachou a conselheira. Leia o despacho.
TJRS
Em decisão também na quinta-feira, 6, o relator Marcelo Bandeira Pereira, Desembargador do 11º Grupo Cível, determinou que o Estado do Rio Grande do Sul apresentasse manifestação, em 72 horas, no mandado de segurança impetrado pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgoto do Estado (Sindiágua).
A medida judicial foi interposta contra a autoridade coatora, o Presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE), conselheiro Alexandre Postal, que revogou a medida cautelar que impedia a assinatura de contrato de compra e venda da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan). Havia informações da assessoria do TJRS de que uma decisão do desembargador seria anunciada ainda nesta sexta, o que não ocorreu até o fechamento desta matéria.
Jogada ensaiada?
A decisão monocrática do presidente Postal foi lida nos bastidores como uma jogada ensaiada com o governo estadual para criar um vácuo jurídico, que permitisse a assinatura do contrato. As suspeitas ficaram mais fundadas com a presença, em Porto Alegre, do alto escalão da Aegea.
Para botar ainda mais calor no debate jurídico em torno do impasse da assinatura do contrato, na manhã desta sexta, 7, o Governo do Estado pediu, via requerimento, que Alexandre Postal derrubasse a nova limitar que freia a assinatura. O que acabou ocorrendo.
No meio e em paralelo a esta queda de braço, deputados da oposição colhem apoio na Assembleia Legislativa para realização da CPI para investigar possíveis irregularidades no processo de privatização, como por exemplo vazamento de dados sigilosos que dariam vantagens aos compradores e o preço abaixo do valor por que a empresa teria sido vendida.
Alexandre Postal, atual presidente do TCE, é ex-deputado Estadual do MDB e indicado ao TCE pelo seu partido, que é a legenda do atual vice-governador do Estado, Gabriel Souza. A proximidade com o governo Leite também envolve laços familiares, uma vez que Postal tem um irmão indicado para a diretoria do Banrisul.
Mandado de segurança
O Sindiágua, por meio protocolou na manhã de ontem, 6, um mandado de segurança com pedido de tutela de urgência no Tribunal de Justiça (TJRS). A medida visa informar a Justiça sobre as irregularidades cometidas pelo governador Eduardo Leite e pelo Presidente do Tribunal de Contas RS (TCE), Alexandre Postal.
Para a Sindicato, a anulação da permissão para a assinatura do contrato de venda da Corsan se faz necessária por que a medida adotada pelo Presidente do TCE não encontra amparo no Regimento Interno da Casa. E também por que o correto seria permitir à área técnica do TCE uma análise sobre os fatos novos elencados no último Parecer do Ministério Público de Contas.
O caso está com o desembargador Marcelo Bandeira Pereira, do TJ-RS, que até o fechamento desta matéria ainda ainda não havia acolhido nem rejeitado o pedido. Porém, no final da tarde de quinta-feira deu 72 horas para o governo se manifestar, pois segundo ele, não havia nenhum indicativo claro de intenção do Governo leite em assinar o contrato nesta sexta-feira.
Oposição e pedido de CPI da Corsan
A bancada do PT na Assembleia Legislativa anunciou que também ingressou com medida cautelar, junto ao Tribunal de Justiça, pedindo a suspensão da assinatura até a sessão do Pleno do TCE, dia 18 de julho. A bancada do PT ingressou com duas ações judiciais para barrar a assinatura enquanto não houver a conclusão dos trâmites processuais no Tribunal de Contas do Estado.
A primeira é uma ação cautelar na justiça alegando que a decisão do presidente do TCE, Alexandre Postal, de revogar a medida cautelar que estava em vigência, foi ilegal, afinal não havia nenhum elemento que justificasse uma decisão excepcional como a que foi adotada por ele. Aliás, já estava prevista para o dia 18 de julho uma sessão do pleno do TCE para tratar do caso. No mesmo sentido, a bancada também ingressou no TCE com um pedido reconsideração da decisão proferida por Postal
Deputados da oposição, já na quarta-feira, foram taxativos em seus pronunciamentos na tribuna sobre o caso. Zé Nunes (PT) tratou do processo de venda da Corsan, cujo processo está sob sigilo e “envolto em suspeitas”, conforme avaliou. Referiu à discrepância na definição do preço da companhia e defendeu a criação de CPI na Assembleia para investigar e apurar eventuais irregularidades.
Já a deputada Stela Farias (PT) classificou como “escândalo e farra com dinheiro público para facilitar a venda”, assunto que está bloqueado pela mídia. Apontou que a venda da Corsan não beneficiou apenas o consórcio vencedor, mas diversas consultorias privadas que receberam recursos públicos, como Alvarez e Marçal, Consultoria e Engenharia Ltda, que recebeu R$ 6,6 milhões, a PricewaterhouseCoopers Brasil Ltda, que recebeu R$ 5,4 milhões e outros 14 escritórios de consultoria. Antecipou que a bancada do PT vai encaminhar pedido de informação com base na Lei de Acesso à Informação para acessar o processo, que está sob sigilo.
Faltam cinco votos para a instauração da CPI. Caso ocorra, mexerá com a sucessão ao Palácio Piratini. Há quem avalie que o PL, partido que apoia a privatização da Corsan, mas que tem interesses próprios na próxima eleição, só aguarda a assinatura entre Governo e Aegea para aderir a CPI para criar desgaste ao governador Eduardo Leite e cacifar eventual candidatura do seu partido.
Bancada petista se manifestou em coletiva
Em entrevista coletiva na tarde de ontem, os deputados Luiz Fernando Mainardi, Miguel Rossetto, Zé Nunes, Stela Farias e Pepe Vargas detalharam as medidas e trouxeram outros elementos que geram suspeitas no processo de privatização da Corsan que, conforme os parlamentares, está repleto de questões nebulosas. “Qualquer assinatura de contrato antes da decisão sobre o caso no pleno do TCE é ilegal e imoral. Estamos ingressando com ações no sentido de proteger o patrimônio do Estado”, afirmou Miguel Rossetto.
O deputado Mainardi criticou o fato do presidente do TCE revogar a cautelar sem exigir o levantamento do sigilo de parte do processo. “Estamos sendo tolhidos do exercício da nossa atividade parlamentar. E não só nós. Os órgãos de fiscalização do Estado estão sendo, no meu entendimento, cooptados por um grande esquema. Talvez a palavra certa seja corrupção”, ressaltou o parlamentar ao lembrar que mesmo quem teve acesso aos documentos sigilosos não pode falar publicamente sobre eles.
Mainardi e Rossetto também contestaram a informação dada pelo Chefe da Casa Civil, Arthur Lemos, de que o sigilo do processo esteja relacionado com informações estratégicas da Corsan. Na verdade, o que está sob sigilo são estudos que balizaram a precificação da empresa. Rossetto afirmou que o valuation — avaliação de empresas — da Corsan no processo de privatização foi impreciso e inconsistente. Também destacou posicionamentos do próprio TCE e do Ministério Público de Contas (MPC) contra a venda. Rossetto afirma que a decisão do presidente do TCE é um “deboche” e não leva em conta as análises apontadas pelos órgãos de fiscalização, presentes em milhares de páginas: “Em uma noite o presidente do Tribunal de Contas anula esse trabalho de um ano, de 20 mil páginas. Isso é um deboche à instituição Tribunal de Contas e ao povo gaúcho”.
Já o deputado Zé Nunes, que junto com Miguel Rossetto e Jeferson Fernandes teve acesso à íntegra do processo, tornou público o flagrante conflito de interesse e a possibilidade de fornecimento de informações privilegiadas ao citar a contratação de duas consultorias. A Alvarez & Marsal prestou serviços simultaneamente para a Corsan e para a AEGEA em análises que serviram como base para a definição do preço de venda da companhia. Já o escritório CMT Advocacia, também contratado com dispensa de licitação, presta serviço para a Corsan mesmo tendo entre os seus sócios um irmão e um primo de André Bicca, diretor da AEGEA.
Outro elemento utilizado pela bancada do PT para mostrar o erro na avaliação da Corsan foi a não previsão do aumento de receita com a elevação da tarifa que passou a vigorar em julho de 2022, mais de cinco meses antes do leilão. O reajuste foi de 12,65% no ano passado. O que representaria um aumento de arrecadação de cerca de R$ 400 milhões, somente em 2022.