Inteligência Artificial sem regulação pode ser instrumento contra a democracia, diz Alexandre de Moraes
Foto: Jane de Araújo/ Agência Senado
O grande desafio das instituições no mundo tem sido a criação de mecanismos regulatórios para dar maior transparência na utilização da Inteligência Artificial (IA).
Essa é a visão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. “Esse instrumento importantíssimo pode ser utilizado para atacar a democracia, vide o que aconteceu em 8 de janeiro”, ilustrou o magistrado.
Para Moraes, as Big Techs, conglomerados do mundo digital, foram na ocasião e continuam sendo usadas por grupos extremistas.
Na reflexão feita no encerramento do 14º Encontro Anual da Associação dos Advogados do Estado de São Paulo (AASP), em Campos do Jordão, o ministro do STF deixou claro que a IA é um avanço que veio para ficar.
No entanto, “nós temos que responsabilizar aqueles que deturpam essa utilização; principalmente se for para atacar as instituições, a democracia e o Estado de Direito” ressalva Moraes.
A deturpação apontada acontece no ambiente que faz toda a roda das Big Techs e redes sociais girar: os algoritmos.
São eles que rastreiam toda a vida digital das pessoas e que informam seus hábitos de consumo, busca por produtos, anseios, medos, ideias e até preconceitos para alimentar uma grande indústria que, refuta Moraes, não é apenas um mero depósito de conteúdos.
O real e o digital
O ministro lembra que o que vale para o mundo real vale também para o digital e refuta a argumentação de que as Big Techs seriam meros depósitos de conteúdos. “Não é verdade”, frisa.
“Se você tem um depósito no mundo real, o aluga para um determinado grupo e esse grupo passa a usar esse depósito para o tráfico ilícito de entorpecentes, passa a usar para desova de corpos em homicídios ou ainda como cativeiro para sequestros, você não é responsável porque alugou; você não tem ciência disso. Agora, se você descobre e faz um aditivo contratual para ganhar 10% em relação a isso, se você monetiza a utilização disso, você passa a ser responsável”, compara.
Moraes não poupa críticas a quem ganha dinheiro com discursos de ódio. “As redes sociais, as Big Techs monetizam, ganham em cima do discurso de ódio; ganham em cima do discurso nazista; ganham em cima da misoginia, da homofobia, dos discursos antidemocráticos. Então, elas podem ser responsabilizadas”.
Para o ministro, grupos extremistas têm estudado há anos e utilizado com muita competência estratégias para estimular uma polarização que acaba contaminando toda a sociedade. O objetivo é, de forma progressiva, atacar o que considera três pilares das democracias ocidentais: Imprensa, Eleições livres e Judiciário.
As fakes news, o discurso de ódio e a liberdade
A base do ataque, segundo Moraes, de certa forma é a mesma. A instituição de canais paralelos para disseminar “notícias” fraudulentas, as fake News, e discursos de ódio.
É nesse ambiente que o ministro vê a criação de “verdadeiras milícias digitais” para atuar nas mais diversas bolhas.
“A inteligência artificial foi capturando o que as pessoas gostam, o que as pessoas não gostam, seus preconceitos, suas frustrações, e as mensagens falsas, vão sendo direcionadas milimetricamente a cada um dos grupos, de maneira a cativá-los com uma verdadeira lavagem cerebral mundial. É lamentável que isso ocorra, mas hoje vários grupos não sabem mais o que é notícia verdadeira e o que é falsa. Os meios de comunicação tradicionais, que legalmente têm responsabilidade civil e até criminal, foram equiparados a esses meios fraudulentos”, compara.
Moraes entende ainda que “nunca as redes sociais e a Inteligência Artificial desvirtuaram tanto o termo liberdade, quanto nos últimos tempos”.
A ideia de liberdade dos extremistas, para ele, vem no sentido da atuação franqueada para o descrédito das instituições.
Disseminar que as eleições foram fraudadas é um exemplo. “De forma inteligente, não atacam a democracia. Dizem que o meio pelo qual a democracia se concretiza estava sendo fraudado. Então, se a democracia é falsa, consequentemente, eles precisam estar no poder para garantir a liberdade”, descreve Moraes.
“Isso foi feito na Polônia, na Hungria, se tentou na Itália, nos Estados Unidos e no Brasil. Não se atacou, repito, a democracia. Porque isso não dá Ibope. Se atacou o instrumento pelo qual se concretiza a democracia”, conclui.