JUSTIÇA

Polícia Federal busca militares e advogado suspeitos de venda ilegal de presentes dados ao governo Bolsonaro

Os alvos são o ex-ajudante de ordens e o pai dele, general do Exército Mauro Lourena Cid; o tenente Osmar Crivelatti e o advogado Frederick Wassef
Por Gilson Camargo e Marcelo Menna Barreto / Publicado em 11 de agosto de 2023
Polícia Federal busca militares e advogado suspeitos de venda ilegal de presentes dados ao governo Bolsonaro

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O general do Exército, Mauro Lourena Cid, o filho dele, Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e o advogado do ex-presidente, Frederick Wassef, alvos de operação da PF

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A Polícia Federal deflagrou nesta sexta-feira, 11, a Operação Lucas 12:2, que tem o objetivo de esclarecer a atuação de associação criminosa constituída para a prática dos crimes de peculato e lavagem de dinheiro por militares ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Estão sendo cumpridos quatro mandados de busca e apreensão, dois em Brasília/DF, um em São Paulo/SP e um em Niterói/RJ.

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General fotografou escultura para oferecer a comprador e seu rosto saiu refletido na foto

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Os alvos são o tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Mauro Cesar Barbosa Cid, que já está preso preventivamente desde maio deste ano; o pai do militar, general do Exército Mauro Cesar Lourena Cid; o tenente do Exército Osmar Crivelatti, que também foi ajudante de ordens do ex-presidente; e o advogado Frederick Wassef, que já defendeu Bolsonaro e familiares em diversos processos na justiça.

O grupo é acusado de vender ilegalmente nos Estados Unidos os presentes dados ao governo por delegações estrangeiras.

Na prática, os envolvidos enviavam os bens junto com delegações brasileiras para serem desviadas para Miami, nos EUA.

Na Flórida, as joias e demais objetos do Estado eram vendidos com a intermediação do general Mauro Lourena Cid.

O advogado dos Bolsonaro, Frederick Wassef, foi envolvido porque foi acionado às pressas para recompra um relógio Rolex que, sob determinação do TCU, deveria ser encaminhado ao Patrimônio da União, não ao acervo pessoal do ex-presidente como originalmente estava listado.

Algumas dessas remessas, segundo apurou a investigação, teriam sido feitas no avião presidencial.

Milícias digitais na mira da PF

Formalmente, de acordo com a PF, os investigados incorreram em crimes de peculato e lavagem de dinheiro.

“Eles são suspeitos de utilizar a estrutura do Estado brasileiro para desviar bens de alto valor patrimonial, entregues por autoridades estrangeiras em missões oficiais a representantes do governo, por meio da venda desses itens no exterior”, resume o inquérito.

Os valores obtidos com essas vendas foram convertidos em dinheiro em espécie e ingressaram no patrimônio pessoal dos investigados, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores.

As ações ocorrem no âmbito do inquérito policial que apura a atuação do que se convencionou chamar milícias digitais em tramitação perante o Supremo Tribunal Federal.

O nome da operação incorpora o versículo Lucas 12:2, da Bíblia: “Não há nada escondido que não venha a ser descoberto, ou oculto que não venha a ser conhecido”.

Lavagem de dinheiro

O ministro da Justiça, Flavio Dino, comentou a operação da PF em rede social. “Há muitos estudos que mostram que compra e venda de joias é um caminho clássico de corrupção e lavagem de dinheiro. Muitos veem como um crime ‘seguro’, que ficará escondido para sempre. Por isso, é essencial sempre investigar o assunto, quando há indícios de ilegalidades”, explicou.

Camelô quatro estrelas

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General do Exército, Mauro Lourena Cid, acusado de vender joias e relógios do Estado em Miami

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O general do Exército Mauro César Lourena Cid, pai do ex-ajudante de ordens Mauro Cesar Lourena Cid foi colega de Bolsonaro na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), nos anos 1970.

No governo de Bolsonaro Cid pai ocupou cargo federal em Miami ligado à Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex).

De acordo com a PF, ele era encarregado de negociar nos EUA as joias e demais bens recebidos pelo Estado brasileiro em visitas oficiais e também presenteados por delegações estrangeiras.

Na prática, aponta a investigação, ele teria vendido relógios, joias e outros bens que pertenciam ao patrimônio público. Um relógio de luxo da marca Patek Philippe e um Rolex de ouro nem chegaram a ser catalogados. Foram vendidos no câmbio negro em Miami por R$ 68 mil.

No inquérito de 105 páginas da PF, são descritas nuances do amadorismo ou certeza de impunidade dos envolvidos ao comercializar os itens.

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Palmeira folhada a ouro recebida por Bolsonaro em congresso empresarial árabe virou prova contra o general

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Um dos trechos descreve que o general enviou a um interessado a foto de uma escultura dentro de uma caixa de vidro.

De posse da foto, não foi difícil para os agentes identificar o rosto de Lourena Cid refletido no vidro. A estatueta foi o único bem que ele não conseguiu vender, pois trata-se de uma joia fajuta, apenas folhada a ouro.

No desespero para a recompra de joias que o TCU determinou que fossem encaminhadas ao patrimônio da União, os envolvidos chegaram a criar um grupo de whattsap chamado Kit Ouro Branco.

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Lá, a PF encontrou mensagens desesperadas para que a recompra do Rolex fosse feita antes do TCU derrubar a decisão do ministro Augusto Nardes que deu tempo à operação ao definir Bolsonaro como fiel depositário das joias.

Tudo começou com a apreensão do kit que estaria entrando irregularmente por comitiva do Ministério de Minas e Energia sob a justificativa de que se tratava de um presente para a ex-primeira dama Michele Bolsonaro.

As investigações levantaram até os valores que entravam na conta bancária do militar. Um acordo de cooperação entre o STF e o judiciário dos EUA seria tentado para quebrar o sigilo bancário dele.

Até onde a PF apurou, a lojinha do general rendeu mais de R$ 1 milhão à quadrilha. No inquérito, há a transcrição de um diálogo de Mauro Cid que coloca Bolsonaro na cena do crime: “MAURO CID, apesar de já saber que FREDERICK WASSEF já estava nos Estados Unidos, diz: “liga para o PR”, se referindo ao ex-Presidente da República, JAIR BOLSONARO”.

Cid e a fúria na caserna

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Suspeitos criaram até um grupo de whattsapp para venda de joias

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Em maio, quando o filho dele foi preso numa operação que apura fraude em dados de vacinação contra covid-19, o general surtou.

Aos gritos, disse na caserna que não admitia que o filho fosse abandonado e foi visto no Quartel General do Exército Forte Caxias, no DF, tentando aliviar a barra do ex-ajudante de ordens.

Lourena, que dirigiu o Departamento de Educação do Exército passou para a reserva em 2019 para assumir o cargo na Apex no governo Bolsonaro.

Os Cid já estão na terceira geração de militares. O pai do ex-ajudante de ordens Mauro Cid é filho do coronel do Exército Antônio Carlos Cid.

Lavagem de dinheiro

O advogado da família Bolsonaro Frederick Wassef, que defendeu o ex-presidente em processos na justiça e escondeu Fabrício de Queiroz no caso das Rachadinhas, é investigado por participar na outra ponta do esquema. Ele entrou na transação com a incumbência de recomprar parte dos itens vendidos por Mauro Cid para devolvê-los ao Tribunal de Contas da União. Foi nessa manobra que as joias passaram a ser investigadas

O mandado contra Wassef levou a unidade tática da PF e um Grupo de Pronta Intervenção (GDI) a dois endereços do advogado, no bairro do Morumbi, na capital paulista e em Atibaia, mas ele não foi encontrado.

Em razão do cargo

O inquérito policial das milícias digitais perante o STF,  é categórico na página 89:

“A análise contida na RAPJ2673382/2023 identificou indícios de que JAIR MESSIAS BOLSONARO, MARCELO CAMARA, OSMAR CRIVELATTI, MAURO CESAR BARBOSA CID, MARCELO DA SILVA VIEIRA e outras pessoas ainda não identificadas “atuaram para desviar presentes de alto valor recebidos em razão do cargo pelo ex-Presidente da República e/ou por comitivas do governo brasileiro, que estavam atuando em seu nome, em viagens internacionais, entregues por autoridades estrangeiras, para posteriormente serem vendidos no exterior Identificou-se, em acréscimo, que os valores obtidos dessas vendas eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-Presidente da República, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem localização e propriedade dos valores”.

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