JUSTIÇA

Mais de 48 milhões não têm acesso à Defensoria Pública

No Rio Grande do Sul a Justiça Federal possui 25 subseções e apenas cinco unidades de Defensoria Pública; pessoas vulneráveis economicamente vivem sem defesa do estado
Por César Fraga / Publicado em 9 de outubro de 2023

Mais de 48 milhões não têm acesso à Defensoria Pública

Foto: Pedro França/Agência Senado

Foto: Pedro França/Agência Senado

Cerca de 48,6 milhões de pessoas precisariam, mas não possuem acesso à assistência jurídica fornecida pela Defensoria Pública no Brasil. A informação consta na Pesquisa Nacional da Defensoria Pública, documento que integra a “Global Access to Justice Project” e que consolida números sobre a assistência da Defensoria Pública no Brasil. Conforme dados divulgados em agosto, os números absolutos são ainda piores. Pelo menos 83 milhões (41% da população) estão potencialmente à margem do sistema de justiça federal. Há apenas um defensor público federal para cada 331.239 habitantes.

Na tarde desta segunda-feira, 9, os dados do site da pesquisa ainda estavam sendo atualizados e indisponíveis. O Extra Classe obteve acesso aos arquivos em PDF tanto da pesquisa completa, quanto da cartografia com o mapeamento dos resultados pesquisados.

O estudo considera que o Brasil possui mais de 44 milhões de habitantes economicamente vulneráveis. Pessoas que vivem com renda de até três salários mínimos e não têm condições de contratar advogado para defender direitos.

A presidente da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadef), Luciana Dytz, lamenta que grande parte da população brasileira está potencialmente à margem do sistema de justiça e impedida de reivindicar seus próprios direitos. “O dado é preocupante e precisa de mudanças já. Sem defensoria não há cidadania”, declarou.

Para ela, a pesquisa reforça a necessidade de interiorização e valorização da carreira para que mais brasileiros possam ser atendidos e tenham acesso à uma justiça plena e efetiva nas esferas judicial e extrajudicial.

Luciana lembra que, apesar de a Emenda Constitucional 80 de 2014 prever que, até 2022, deveria haver implantação de uma unidade da DPU em cada cidade onde houver subseções da Justiça Federal, ou seja, onde houver juízes federais deveria haver um defensor federal, essa realidade só acontece em 27% das localidades, o que configura um estado de coisas inconstitucional por omissão do Estado Brasileiro, não omissão da Defensoria.

Ela cita como exemplo a disparidade entre as 25 subseções da Justiça Federal para apenas cinco unidades da Defensoria Pública da União (DPU) no Rio Grande do Sul, seu estado de origem.

O estado tem subseções da Justiça Federal em Bagé; Bento Gonçalves; Cachoeira do Sul; Canoas; Capão da Canoa; Carazinho; Caxias do Sul; Cruz Alta; Erechim; Gravataí; Ijuí; Lajeado; Novo Hamburgo; Palmeira das Missões; Passo Fundo; Pelotas; Porto Alegre; Rio Grande; Santa Cruz do Sul; Santa Maria; Santa Rosa; Santana do Livramento; Santiago; Santo Ângelo e Uruguaiana. Por outro lado, somente Bagé, Canoas, Pelotas, Porto Alegre, Rio Grande, Santa Maria e Uruguaiana têm unidades da defensoria.

“Temos um enorme contingente de pessoas que ficam à margem da justiça ou que precisam se deslocar por distâncias enormes em busca de um defensor público. E isso é muito difícil porque o público-alvo da defensoria é composto por pessoas extremamente carentes”.

Prevista na Constituição, a assistência gratuita da DPU esbarra em dificuldades orçamentárias para a interiorização, observa da presidente.

“A DPU teve um orçamento aprovado no ano passado, para atender o Brasil inteiro, na ordem de R$ 670 milhões. Menor do que os orçamentos somados de Grêmio (R$ 340,1 milhões) e Internacional (R$ 466,6 milhões) previstos para o ano de 2023. Para se ter uma ideia, nosso orçamento anual é menor que do Flamengo (R$ 1,77 bilhão), do Palmeiras (R$ 856 milhões), do Corinthians (R$ 779,1 milhões) e pouco maior que do São Paulo (R$ 657,2 milhões)”.

Luciana destaca ainda que o único caminho para que a Defensoria melhore sua situação seria a um projeto de Estado para aumentar o orçamento da DPU, atingida pelo teto de gastos e pelo arcabouço fiscal.

“A Defensoria da União nasceu com a Constituição Federal de 1988, nossa constituição cidadã, e somente foi instalada efetivamente em 1994, com baixo orçamento e subordinada ao Ministério da Justiça. Apenas em 2013 a Defensoria Federal alcançou, através do Congresso Nacional, a autonomia necessária para gerir seu orçamento e coordenar sua atuação, o que era absolutamente necessário, pois litiga contra o Estado Federal e protege os vulneráveis, igualando-se, quanto à autonomia e ao reconhecimento constitucional, ao Judiciário e ao Ministério Publico Federal, com orçamentos muito superiores que o da Defensoria”.

A presidente lembra que, a partir daí, abriu-se uma nova perspectiva de atuação da Defensoria. “Com a autonomia e o sonho de levar justiça para todos, a DPU iniciou um plano de interiorização a partir de 2014, para, em 10 anos, estar em todos os locais com justiça Federal, iniciando com os locais com menor IDH ([indice de desenvolvimento humano)”, mas ressalta que nem tudo saiu como o esperado.

“Infelizmente, em 2016, com o Teto de Gastos (EC 95), tal sonho não pode virar realidade, pois o congelamento do recente orçamento autônomo da DPU se deu sem que fossem destinados à DPU valores para o crescimento e a interiorização previstos na EC 80/2013. Nâo é possível interiorizar totalmente a DPU com o orçamento atual, que é menor, a titulo de exemplo, que o de muitos times de futebol brasileiros. Em 2023, o orçamento da DPU continuou engessado no novo arcabouço fiscal (PLP 93/2023), ou seja, nada mudou”.

Luciana Dytz afirma que a Defensoria segue lutando para estar onde o povo está. “Atingimos milhões de pessoas que não seriam atingidas na estrutura atual através de ações coletivas de impacto maior e de itinerantes e grupos de trabalho que se deslocam para atender a população mais carente e invisibilizada. Também buscamos ampliar a assistência através de projetos de lei que visam com criatividade alcançar ao menos na área criminal os mais pobres e também reduzir a evasão na carreira que busca valorização”.

Em agosto passado, a Anadef encaminhou nota ao presidente Lula para substituir a ministra Rosa Weber por uma defensora pública no Supremo Tribunal Federal. Leia nota.

Para a defensora, a DPU precisa ser considerada uma carreira de Estado e a percepção de que o povo brasileiro é o principal destinatário da defensoria. “O acesso à justiça e a interiorização da DPU deve ser um projeto de Estado, não de Governo. Não seria caro em termos financeiros à União encampar junto com a DPU e com o Congresso Nacional o plano de interiorização. Sem defensoria não há cidadania no país”, completou a presidente.

A coleta de informações da pesquisa foi feita atuação conjunta de 3.134 defensores públicos e 2.588 servidores da Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos estados.

 

 

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