JUSTIÇA

MPT resgata 18 argentinos escravizados na colheita da uva em São Marcos, na Serra Gaúcha

Operação dos fiscais do trabalho e da PF flagra mais um caso de trabalho escravo envolvendo a região vinícola do RS, desta vez, escravizados são argentinos
Por Gilson Camargo / Publicado em 1 de fevereiro de 2024
MPT resgata 18 trabalhadores escravizados na colheita da uva em São Marcos, na Serra Gaúcha

Foto: MPTRS/ Divulgação

Trabalhadores trazidos ilegalmente da Argentina e submetidos a trabalho escravo na colheita da uva em São Marcos ficavam em alojamento em condições degradantes na fazenda invadida pela força-tarefa

Foto: MPTRS/ Divulgação

Dezoito trabalhadores argentinos foram resgatados de condições análogas à escravidão em uma propriedade rural de São Marcos, na Serra Gaúcha, na noite de quarta-feira, 31.

Um dos resgatados é um adolescente de 16 anos de idade, em atividade proibida, segundo a legislação brasileira. O mais velho tem 61 anos.

O resgate decorre de força-tarefa coordenada pelos auditores-fiscais do trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), acompanhada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) no Rio Grande do Sul e com apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF).

NESTA REPORTAGEM
Os trabalhadores resgatados são homens, com idades entre 16 e 61 anos, provenientes da província de Misiones, na Argentina.

O arregimentador dos trabalhadores, também argentino, foi conduzido à delegacia da Polícia Federal (PF) de Caxias do Sul e preso em flagrante pelos crimes de redução à condição análoga a de escravo e de tráfico de pessoas (artigos 149 e 149-A do Código Penal).

As vítimas foram trazidas ao estado para trabalhar na colheita da uva em propriedades de São Marcos e região. A produção local era comprada por empresas de Santa Catarina e Paraná e destinada ao consumo in natura e à produção de geleias. O MPT não informou o nome das fazendas que estavam explorando o trabalho escravo, nem identificou seus proprietários.

Promessas falsas

MPT resgata 18 trabalhadores escravizados na colheita da uva em São Marcos, na Serra Gaúcha

Foto: MPTRS/ Divulgação

Submetidos a trabalho escravo têm entre 16 e 61 anos

Foto: MPTRS/ Divulgação

O ingresso dos trabalhadores no Brasil ocorreu em Dionísio Cerqueira (SC). Eles foram aliciados mediante falsas propostas de trabalho, moradia e alimentação.

Chegando ao Brasil, a remuneração prometida não correspondia ao efetivamente ajustado, assim como a promessa de moradia.

A fiscalização flagrou os trabalhadores vivendo em alojamentos em condições precárias, superlotados, sem camas suficientes, dormindo em colchões, não havendo também o fornecimento de água encanada para banho e necessidades básicas em uma das casas, além de frestas nas paredes e risco de incêndio pela precariedade das instalações elétricas.

Os resgatados estavam no local há cerca de uma semana. Quando os homens foram encontrados, a colheita em propriedades locais já havia sido concluída.

Segundo a procuradora do MPT em Caxias do Sul e coordenadora regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), Franciele D’Ambros, que acompanhou a força-tarefa, os trabalhadores ingressaram no país em busca de melhores condições de trabalho e de remuneração, diante da grave crise econômica no país vizinho.

O procurador do MPT Lucas Fernandes, que também integra a força-tarefa, ressaltou que o caso sinaliza a necessidade de constante monitoramento da cadeia produtiva da uva, para evitar que situações de violação de direitos humanos, se repitam.

O chefe de fiscalização da Superintendência Regional do Trabalho no RS, Gerson Soares Pinto, explica que o resgate acontece no curso de um operativo de fiscalização na colheita da uva, cujo objetivo é garantir o direito dos trabalhadores safristas.

A coordenadora da fiscalização para combate ao trabalho escravo no RS, auditora-Fiscal do Trabalho Lucilene Pacini, que participou da operação, explica que o resgate aconteceu em decorrência da caracterização do trabalho em condições análogas às de escravo nas modalidades trabalho forçado condições degradantes, além de tráfico de pessoas.

Pós-resgate

O MTE, com apoio do MPT, já adota os procedimentos de pós-resgate: a hospedagem dos empregados em outro local; o cálculo e a cobrança de verbas rescisórias e valores devidos; o encaminhamento do seguro-desemprego para os resgatados e o custeio do retorno do adolescente à sua cidade de origem. As investigações seguem em curso. Como prestaram serviços continuados a propriedades rurais, terão direito ao pagamento de três parcelas do seguro-desemprego.

Vinícolas e trabalho escravo

O resgate foi realizado em decorrência da operação In Vino Veritas (“No vinho está a verdade”), coordenada pelo MTE, acompanhada pelo MPT e com apoio da PRF, para a apuração de eventuais irregularidades trabalhistas no setor vitivinicultor da Serra.

São inspecionados estabelecimentos rurais e vinícolas da região, que concentra a maior parte da produção nacional de uva e vinhos.

O objetivo da operação é garantir o respeito aos direitos dos trabalhadores safristas, tendo em vista a colheita 2024, e verificar as mudanças feitas em toda a cadeia produtiva como resultado de operação realizada há um ano na região, quando foram resgatados 207 empregados de um grupo empresarial responsável pela colheita de três grandes vinícolas de Bento Gonçalves.

As vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton assinaram um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) proposto pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) referente ao caso dos 207 trabalhadores resgatados em Bento Gonçalves em condições análogas à escravidão no dia 22 de fevereiro de 2023. As empresas se comprometeram em pagar R$ 7 milhões por danos morais.

A operação também verifica o cumprimento de termo de ajuste de conduta (TAC), que empregadores firmaram com o MPT em março do ano passado, e apura as mudanças realizadas no setor vitivinicultor após uma série de medidas adotadas pelo poder público, a exemplo de encontros, reuniões e palestras realizadas pelo MTE com entidades e produtores rurais ao longo do ano de 2023; e do pacto, proposto pelo MTE e firmado entre representantes das vinícolas, dos sindicatos dos trabalhadores e do poder público, em maio do ano passado.

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