JUSTIÇA

Congresso acaba com as saídas temporárias de presos em feriados

Com 314 votos na Câmara e 52 no Senado, parlamentares derrubaram veto que mantinha “saidinha” prevista na Lei de Execução Penal
Por Gilson Camargo / Publicado em 29 de maio de 2024
Congresso acaba com as saídas temporárias de presos em feriados

Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

Para a maioria dos parlamentares, prevaleceu a suposição de que os presos beneficiados “podem” cometer delitos. Decisão deve congestionar ainda mais o judiciário e agravar a situação de encarceramento

Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ

O Congresso Nacional decidiu, na noite de terça-feira, 28, acabar com a possibilidade de saídas temporárias de presos para visitar a família e para participar de atividades que contribuem para o convívio social. Essas duas possibilidades de saída temporária de presos em feriados e datas comemorativas haviam sido restauradas na Lei de Execução Penal (Lei 7.210, de 1984) por um veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (VET 8/2024), que foi derrubado em sessão com senadores e deputados federais.

A derrubada do veto se deu por 314 votos a 126 na Câmara, com duas abstenções; e por 52 votos a 11 no Senado, com uma abstenção. Agora, os trechos que haviam sido vetados serão promulgados e passarão a fazer pare da Lei 14.843, de 2024, que trata da saída temporária dos presos.

A lei tem origem no PL 2.253/2022, aprovado pelo Senado em fevereiro. Os dispositivos vetados pelo Executivo ocorreram nos trechos mais significativos sobre a saída temporária de presos, que retiravam totalmente a possibilidade de que o preso visitasse a família e realizasse atividades sociais. O governo argumentou que a proibição era inconstitucional por afrontar a família e o dever do Estado de protegê-la.

Com a queda do veto, volta a valer o sentido original do texto aprovado no Congresso: o benefício da saída temporária será concedido aos detentos em regime semiaberto apenas se for para cursar supletivo profissionalizante, ensino médio ou superior.

Relator do projeto no Senado, Flávio Bolsonaro (PL-RJ) usou o caso de um sargento da PM de Minas Gerais que foi morto por assaltantes para defender o fim da “saidinha”.

Baixo percentual de delitos

Congresso acaba com as saídas temporárias de presos em feriados

Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Para o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), autor do projeto, o fim das saídas vai congestionar o Judiciário com questionamentos e não vai acabar com o problema da criminalidade

Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

O deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), autor da proposição, defendeu a manutenção do veto. O texto que havia sido proposto por ele não acabava totalmente com as saídas temporárias, apenas impunha restrições ao benefício. Para ele, o fim das saídas vai congestionar o Judiciário com questionamentos e não vai acabar com o problema da criminalidade no país.

“Vamos recorrer aos dados. Eu gosto de pegar o estado de São Paulo porque é emblemático e tem melhores estatísticas do que outros estados: na saída de Natal em 2023, foram 34 mil presos que tiveram direito à saída temporária. Desses, 1,7 mil não retornaram no prazo. Muitos, depois, retornaram, mas só 81 cometeram algum tipo de delito, não necessariamente gravoso, ou seja: 0,23%”, argumentou.

O condenado em regime semiaberto, em que o preso fica em colônia agrícola ou local semelhante, tinha o direito de pleitear cinco saídas por ano, de até sete dias cada uma. Para isso, o preso precisava ter cumprido alguns requisitos, como ter bom comportamento, ter cumprido no mínimo 16,6% da pena (se for sua primeira condenação) ou 25% (se reincidente). A autorização era feita pelo juiz de execução penal, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária.

“Ter o contato com a família. É disso que se trata: o ‘beneficiado’ por este dispositivo já está no regime semiaberto e pode ter o seu contato com a família”, disse o líder do governo, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), ao encaminhar o voto pela manutenção do veto.

O deputado Chico Alencar (PSol-RJ), afirmou que, dos 835 mil apenados no país, apenas 182 mil teriam direito ao benefício das saídas temporárias. Para ele, acabar com esse benefício é deixar ainda mais caótica uma situação que já é difícil.

“É um absurdo, é querer agregar caos ao caos que já é o sistema penitenciário brasileiro. É cruel, é de uma crueldade incomum. Eu fico com dificuldade de entender como aqueles que sempre propagam os valores cristãos da fraternidade, da igualdade, da justiça, da busca da paz, defendem essa medida”, criticou o deputado.

Ao defender a manutenção do veto, e, consequentemente, das saídas de presos nos feriados, a deputada Érika Kokay (PT-DF) lembrou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou 98% do projeto aprovado pelo Congresso, que impôs várias restrições às saídas. A permissão para as saídas possibilitada pelo veto, disse a deputada, vale para um percentual reduzido dos presos e serve para que visitem as famílias e também para que participem de atividades religiosas, por exemplo.

Manipulação

O professor Marcos Rolim, doutor em Sociologia e membro fundador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lembra que a saída temporária beneficiava apenas os presos do semiaberto, ou seja: aqueles que já estão, diariamente, na rua, trabalhando, e que se recolhem ao presídio à noite. “O projeto de lei vende a ideia de que, agora, os presos não mais poderão sair, o que é uma manipulação da opinião pública. A saída temporária assegurava apenas a chance de, em algumas datas significativas, como o Natal, por exemplo, que os presos do semiaberto ficassem alguns dias em suas casas com seus familiares”.

Segundo Rolim, “foi essa possibilidade que a direita brasileira, acompanhada vergonhosamente por alguns parlamentares da esquerda, fulminou”. Ele ressalta que os estudos mostram que quanto mais os apenados se relacionam com seus familiares, maores são as chances de ressocialização. “O Poder Público deve, portanto, facilitar o convívio dos condenados com seus familiares e não dificultar essa interação. Proibir a saída temporária de presos que já estão no semiaberto é medida inócua e demagógica proposta apenas para “lacrar” nas redes sociais”, avalia.

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