JUSTIÇA

Dino pede vistas e interrompe julgamento sobre responsabilização de veículos de imprensa

Como a matéria teve repercussão geral reconhecida, a tese será aplicada a todos os casos semelhantes nas demais instâncias da Justiça
Por César Fraga / Publicado em 8 de agosto de 2024

Dino pede vistas e interrompe julgamento sobre responsabilização de veículos de imprensa

Foto: Rosinei Coutinho/STF

Foto: Rosinei Coutinho/STF

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), propôs na última quarta-feira, 7, ajustes na tese sobre a responsabilização de veículos de imprensa pela publicação de entrevistas que divulguem mentiras, se não houve o cuidado de verificar sua veracidade.

A tese foi definida pelo Plenário do STF em 2023 e o acórdão publicado em março sob críticas de entidades que representam veículos de imprensa.

Na época, o jurista Lenio Streck disse ao Extra Classe que a decisão “pode sim” cercear a liberdade de imprensa. segundo ele, o STF não deveria legislar. “Esse é um assunto que deve ser decidido a cada caso. E aí tem uma questão: a decisão do STF não ficou clara. Ora, quando temos de discutir para saber o que diz uma decisão do STF é porque não foi uma boa decisão. Por exemplo: entrevistas ao vivo. Um problema que surge disso”, avaliou.

Entenda o caso

A repercussão geral foi baseada no julgamento do caso que envolve uma entrevista publicada pelo jornal Diário de Pernambuco, em 1995, em que o ex-deputado federal pelo PT-SP Ricardo Zarattini Filho (1935-2017) foi acusado por um entrevistado de ter participado de um ataque a bomba em 1966, que deixou 14 feridos dois mortos no aeroporto de Guararapes. Zarattini — pai do atual deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) — era, na época, militante do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR).

A proposta de embargos foi apresentada em recurso em que o jornal Diário de Pernambuco e pede esclarecimento sobre a decisão em que o STF confirmou sua condenação ao pagamento de indenização por divulgar informações falsas. No julgamento, o STF estabeleceu que a empresa só pode ser responsabilizada se ficar comprovado que, na época da divulgação da informação, havia indícios concretos de que a acusação era falsa e que o veículo não tenha cumprido, de forma adequada, seu dever de verificar a veracidade dos fatos e de divulgar esses indícios.

Como a matéria teve repercussão geral reconhecida, a tese será aplicada a todos os casos semelhantes nas demais instâncias da Justiça.

Ajustes necessários

De acordo com o relator, os ajustes são necessários para deixar claro que a responsabilização ocorre em situações concretas, como o conhecimento prévio da falsidade da declaração ou a negligência na sua apuração e divulgação sem resposta da pessoa ofendida. Fachin propôs retirar da tese inicialmente aprovada pelo colegiado a obrigação de remover conteúdo com informações que comprovadamente caracterizem injúria, difamação, calúnia ou mentira.

Em relação às entrevistas ao vivo, o ministro considera que o veículo não pode ser responsabilizado se o entrevistado acusar falsamente alguém de praticar um crime. Para evitar isso, o veículo tem de assegurar o direito de resposta em iguais condições, espaços e destaque.

O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Flávio Dino, que considera necessária uma maior reflexão sobre a retirada de conteúdos comprovadamente falsos.

Julgamento anterior

No julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1075412, o STF estabeleceu que a empresa só pode ser responsabilizada se ficar comprovado que, na época da divulgação da informação, havia indícios concretos de que a acusação era falsa. Outro requisito exigido é a demonstração do descumprimento do dever de verificar a veracidade dos fatos e de divulgar esses indícios.

Liberdade de imprensa

Os recursos foram apresentados pelo Diário de Pernambuco, que é parte no processo, e pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), admitida como terceira interessada. Entre os principais pontos, os embargos buscam aperfeiçoar a redação da tese de repercussão geral, que serve de parâmetro para que as outras instâncias da Justiça resolvam controvérsias semelhantes. A alegação é de que a redação é subjetiva e pode abrir espaço para a aplicação da tese de maneira equivocada e inconstitucional, violando a liberdade de imprensa.

Para a Abraji, seria preciso incluir uma exigência expressa de intenção (dolo) ou negligência grosseira no lugar dos termos “dever de cuidado” e “indícios concretos de falsidade”. A associação também considera necessária uma ressalva que impeça a responsabilização civil de veículos de comunicação por entrevistas e debates transmitidos ao vivo, ainda que tenham sido gravados e possam ser visualizados mais tarde.

Reversão da condenação

Por sua vez, além do aperfeiçoamento da tese, o Diário de Pernambuco busca reverter sua condenação a indenizar o ex-deputado Ricardo Zaratini (já falecido).

A empresa alega que, quando publicou a entrevista, havia três versões para o atentado, uma delas atribuindo a autoria ao ex-deputado, e nenhum “protocolo razoável de apuração da verdade” permitiria ter certeza do acerto ou do equívoco da opinião do entrevistado. Também argumenta que soube da falsidade da acusação apenas dois meses depois, quando o Jornal do Commercio publicou reportagem que identificava fatos novos, analisava documentos e ouvia dezenas de ex-militantes. Alega, assim, que não deixou de observar os deveres de cuidado fixados pelo STF, pois não havia indícios concretos da falsidade da acusação no momento da publicação da entrevista.

Notícias falsas

O relator dos embargos é o ministro Edson Fachin, que proferiu o voto que prevaleceu no julgamento de mérito. Na ocasião, ele observou que a liberdade de imprensa e o direito à informação não são absolutos, o que autoriza a responsabilização posterior em caso de divulgação de notícias falsas.

Na mesma linha, votaram os ministros Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski (aposentado), Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso (presidente) e a ministra Cármen Lúcia. Ficaram vencidos o relator do RE, ministro Marco Aurélio (aposentado), e a ministra Rosa Weber (aposentada).

Como se trata de um recurso contra o resultado do julgamento, os sucessores dos ministros aposentados que participaram da decisão de mérito poderão votar.

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