JUSTIÇA

Decreto antiviolência policial revolta governadores e parlamentares

Novas regras para o uso da força policial em abordagens provoca reação de parlamentares da bancada da bala. Governadores ameaçam ir ao STF
Por Gilson Camargo / Publicado em 27 de dezembro de 2024
Decreto antiviolência policial revolta governadores e parlamentares

Foto: PL/ Divulgação

Bancada da bala, liderada pelo deputado Alberto Fraga, do PL do Distrito Federal (ao centro) está se articulando para derrubar o decretopresidencial que regulamenta o uso de força pelas polícias

Foto: PL/ Divulgação

Parlamentares da chamada bancada da bala estão se articulando para uma reação contra o decreto que o governo federal publicou na véspera do Natal para regulamentar o uso da força durante operações policiais no país. As novas regras para o uso da força policial nas abordagens foram criadas em meio a diversos episódios de abuso das polícias em São Paulo e no Rio de Janeiro.

A mobilização é liderada pelo deputado federal Alberto Fraga (PL-DF), que apesar do recesso da Câmara dos Deputados, vem conversando com outros parlamentares para definir a estratégia a ser adotada para impor alterações nas regras estabelecidas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP)  em relação à abordagem policial e cumprimento de mandatos de busca e apreensão.

O decreto prevê a criação do Comitê Nacional de Monitoramento de Uso da Força, instância que deverá fiscalizar a adoção das regras e a conduta das corporações.

O Congresso está de recesso. A matéria só seria analisada por senadores e deputados no início da próxima legislatura.

Apesar disso, o texto provocou a reação de deputados e senadores que já se articulam para tentar derrubar o decreto.

O senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR) apresentou um projeto de decreto legislativo para tornar o decreto sem efeito. O parlamentar afirma que as regras definidas pelo Ministério da Justiça avançam sobre a competência do Legislativo e por isso não poderiam permanecer.

“Acredito que a segurança pública, como questão de Estado, deve ser tratada com um amplo debate no Congresso Nacional, e não de forma unilateral por decretos. Precisamos garantir a autonomia dos estados e evitar que a segurança pública seja usada como moeda de troca política”, defendeu.

Governadores, agentes da segurança pública e políticos de direita tamém se insurgiram contra o texto do Planalto.

Os governadores do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil) e do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB) criticaram o decreto e ameaçaram ir ao STF.

“Nós do Rio vamos entrar imediatamente com uma ação no STF para cassar esse absurdo. Por fim, espero que a população cobre dos responsáveis por esse decreto quando bandidos invadirem uma residência, roubarem um carro ou assaltarem um comércio”, reagiu Castro.

“A segurança pública deve ser construída com base na colaboração, no respeito às diferenças regionais e no fortalecimento das capacidades locais, e não por meio de uma estrutura centralizada que limita a eficiência e amplifica a burocracia”, diz a Carta de Florianópolis, assinada por Jorginho Mello (SC), Cláudio Castro (RJ), Tarcísio de Freitas (SP) Romeu Zema (MG), Renato Casagrande (ES) e Ratinho Júnior (PR).

Decreto antiviolência policial revolta governadores e parlamentares

Foto: Redes Sociais/ Reprodução

Juliana foi ferida durante uma abordagem policial e está hospitalizada na Baixada Fluminense

Foto: Redes Sociais/ Reprodução

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski chamou a atenção para as ações violentas das polícias em todo o país. Ele lembrou que uma jovem foi baleada na cabeça durante uma abordagem por um policial rodoviário federal na véspera do Natal, no Rio.

A regulamentação do texto deverá ocorrer em até 90 dias, mas poderá ser antecipado para janeiro por decisão do ministro após o caso. A vítima é Juliana Leite Rangel, 26 anos. está internada no Hospital Municipalizado Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, onde passou por cirurgia.

“A força letal não pode ser a primeira reação das polícias. Só podemos usar a força letal em última instância. É preciso que a abordagem policial se dê sem qualquer discriminação contra o cidadão brasileiro”, alertou Lewandowski.

Após a edição do decreto, o Ministério divulgou nota explicando que a definição do uso da força “somente poderá ser empregado quando outros recursos de menor intensidade não forem suficientes para atingir os objetivos legais pretendidos”. Pelo texto, o emprego de arma de foto deve ser “medida de último recurso”. Sempre que o uso da força resultar em ferimento ou morte, a ocorrência deverá ser detalhada nos termos que serão determinados pelo Ministério para evitar omissões ou adulteração de evidências.

Violência policial

O secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, afirmou que o decreto que o governo federal publicou esta semana para regulamentar o uso da força durante operações policiais não dificulta o enfrentamento à criminalidade no Brasil.

“Muitas vezes o policial entra na comunidade é recepcionado com tiro de fuzis. Então ele vai precisar usar arma de fogo, essa é uma realidade que se faz presente na rotina das nossas forças de segurança. Não queremos inibir, pelo contrário, o policial tem que atuar sempre mostrando a força. A gente só precisa graduar e aplicar de forma correta”.

Sarrubbo disse em entrevista à EBC que o decreto é resultado de um debate que contou com a participação de representantes estaduais e das forças de segurança de todo o país, bem como de organizações da sociedade civil e especialistas, além de atualizar normas já existentes.

“A portaria anterior, de 2010, falava apenas de proibição de disparos de advertência. Agora, em 2024, a gente efetivamente proíbe o uso de armas de fogo contra pessoas desarmadas, evitando, por exemplo, o que aconteceu recentemente em São Paulo, em que um estudante de medicina estava em um surto psicótico, desarmado, e foi alvejado por um policial militar”.

De acordo com o secretário, a maioria das forças policiais já atua de forma compatível com a gravidade da situação, respeitando procedimentos operacionais.

Uma novidade é a obrigatoriedade de os policiais receberem, anualmente, capacitação sobre o uso de instrumentos não letais.

Ele anunciou que o Ministério da Justiça e Segurança Pública prepara uma compra de armas não letais para suprir parte da demanda das forças policiais do país.

Fórum de Segurança

Em meio à repercussão do decreto presidencial que regulamenta o uso gradativo da força durante operações policiais, publicado esta semana, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), entidade da sociedade civil que colaborou na formulação da norma, destaca que a medida reproduz diretrizes de tratados internacionais assinados pelo Brasil há décadas e já constava em outros textos legais em vigor no país.

É o caso, por exemplo, do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) desde 1979, da Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes da ONU (1984) e dos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei (1990), também da ONU.

Em 2010, seguindo esses preceitos, o governo brasileiro editou a Portaria Interministerial 4.226/2010, que estabelece diretrizes sobre o uso da força pelos agentes de segurança pública. Já em 2014, com a Lei 13.060, o Estado brasileiro passou a disciplinar o uso dos instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança em todo o território nacional.

“Assim, a publicação do Decreto 12.341/2024, editado pelo governo federal, regulamenta normas já existentes há uma década e coloca o Brasil em conformidade com os instrumentos legais internacionais dos quais o Brasil é parte e signatário”, diz o FBSP, em nota pública divulgada na quinta-feira, 26.

De acordo com o decreto, o uso de arma de fogo deve ser feito como medida de último recurso, de forma a prevenir situações de violência policial e abusos de conduta por parte dos agentes de segurança pública. Segundo a norma, armas só poderão ser usadas quando outros recursos de “menor intensidade não forem suficientes para atingir os objetivos legais pretendidos”.

Um dos pontos da norma trata, por exemplo, do não uso de armas contra pessoas desarmadas em fuga, inclusive em veículos que desrespeitem bloqueios, desde que não ofereça risco aos agentes de segurança e terceiros.

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