JUSTIÇA

Porto Alegre e mais seis prefeituras pagaram o triplo por telas interativas  

Levantamento do TCE-RS aponta gasto de R$ 32 mil com cada lousa eletrônica, enquanto preço de mercado é de R$ 10 mil. Total gasto, em 51 municípios diferentes, chega a R$ 152 milhões
Por Elstor Hanzen / Publicado em 15 de janeiro de 2025
Porto Alegre e mais seis prefeituras pagaram o triplo por telas interativas  

Foto: Rodger Timm / PMPA

Treinamento de professores da rede municipal de Porto Alegre para uso das telas interativas, realizado pela Smed, em 2023

Foto: Rodger Timm / PMPA

Porto Alegre, São Leopoldo, Cachoeirinha, Capão da Canoa, Gravataí, Rolante e Santa Cruz do Sul são investigadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) pela aquisição de telas interativas com possível superfaturamento e direcionamento de licitação.

A empresa fornecedora das lousas digitais em todos os processos é a Smart Tecnologia em Comunicações de Lajeado. Das sete prefeituras gaúchas, apenas Gravataí e São Leopoldo realizaram certames próprios, as demais foram feitas por meio de adesão à ata de registro de preço, uma forma de “carona” em processos licitatórios já vigentes a fim de acelerar o processo de aquisição.

A Smart comercializa as telas por R$ 32 mil cada, enquanto o preço de custo dos equipamentos levantado pela auditoria da Corte é de R$ 10 mil. Nas estimativas mais “conservadoras” – aquelas em que os valores orçados são os mais altos entre os possíveis – de equipamentos semelhantes, o preço comercializado não passa de R$ 25 mil cada nos casos auditados. Conforme estimativas do TCE-RS, o total gasto na compra de telas interativas foi de R$ 152 milhões em 51 municípios diferentes, de 2019 a novembro de 2022.

O TCE-RS informou ao Extra Classe que outras prefeituras que não foram apontadas agora ainda podem vir a ser questionadas, já que as auditorias trabalham por amostragem.

Telas interativas sem internet

Telas interativas são um tipo de lousa digital que substitui as tradicionais, e a conexão à internet permite o melhor aproveitamento do dispositivo. Contudo, em uma das inspeções realizadas pelo Tribunal em uma das cidades, em nenhuma das escolas visitadas a internet estava funcionamento bem.

Além disso, foi constatado que os professores e diretores aprenderam, sozinhos, a manipular os equipamentos, baixando aplicativos, mesmo o serviço de treinamento estando incluso no contrato.

Em muitos desse lugar, segundo o TCE, sequer havia banheiros funcionado nas escolas nas quais os equipamentos tecnológicos foram direcionados. Segundo apontado pelo Tribunal, o atendimento de necessidades básicas pelos alunos da rede municipal ainda carece de atenção e investimento, como no caso dos banheiros. Além disso, a demanda de lousas poderia ser atendida com equipamentos mais simples e baratos.

As prefeituras

  • Em Capão da Canoa, a prefeitura fez duas aquisições de telas em dez meses. Na primeira, foram 23, adquiridas por mais de R$ 730 mil. Uma nova compra, de 230 lousas, foi feita por R$ 7,3 milhões. Segundo o TCE, as compras apresentam possíveis irregularidades como aquisição de bem em desacordo com as necessidades do município e pagamento sem prestação do serviço. O tribunal aponta para um possível prejuízo de quase R$ 3 milhões. O relatório sugere a responsabilização de três agentes públicos, além da Smart.
  • Em Rolante, a prefeitura comprou 27 telas, em 2021, por R$ 864 mil. Entre os desvios indicados pelo TCE, está ausência de planejamento e de pesquisa de mercado; subutilização dos recursos presentes nas telas; aquisição em desacordo com as necessidades do município e adesão em desacordo com as especificações da ata de registro de preços. O prejuízo estimado é de quase R$ 300 mil.
  • Em Cachoeirinha, foram 321 telas adquiridas em 2022 por pouco mais de R$ 10 milhões. À época, a superintendência da prefeitura chegou a alertar o prefeito, Cristian Wasem (MDB), não recomendando a compra e indicando pregão mais vantajoso. A falta desse parecer favorável é apontado como uma das irregularidades pelo TCE, bem como a ausência de vantagem na adesão à ata e sobrepreço. Em março de 2024, a PF cumpriu nove mandados de busca e apreensão na sede da prefeitura.
    O que diz a prefeitura: As telas interativas, adquiridas em 2022, foram objeto de pedidos de esclarecimento pelo TCE no mesmo ano, referentes à legalidade e aos procedimentos de compra, que foram realizados por meio de adesão a uma ata de registro de preços. Em resposta ao pedido de informações do TCE, a prefeitura de Cachoeirinha apresentou toda a documentação necessária, que foi analisada e resultou na liberação da compra e do pagamento em 2023. A aquisição seguiu a adesão a uma ata de registro de preços organizada por um consórcio de municípios do Vale do Taquari, um procedimento previsto na Lei de Licitações.
  • De 2021 a 2022, a prefeitura de Santa Cruz do Sul adquiriu 185 lousas digitais por R$ 4,4 milhões, com um superfaturamento de, ao menos, R$ 2 milhões. Foram responsabilizados agentes públicos e a Smart.
    O que diz a prefeitura: Aguardamos os desdobramentos legais, ao passo que reiteramos o compromisso com a plena lisura na realização e condução de procedimentos licitatórios e na transparência da divulgação dos atos públicos.
  • A prefeitura de Gravataí fez duas compras de telas. A primeira, por meio de licitação própria, no final de 2019. A ata previa a compra de cem equipamentos, no valor de R$ 3 milhões. A disputa teve a participação de duas empresas. A Smart Tecnologia em Comunicações venceu. O certame, segundo o TCE, apresenta indícios de simulação de mercado. Ao menos dez cidades “pegaram carona” na ata de Gravataí. Em 2021, o município fez nova compra, dessa vez, por meio de adesão a ata de registro, adquirindo 582 lousas digitais por R$ 18 milhões. Tanto em 2019 quanto em 2021, os possíveis desvios incluíram direcionamento da contratação e sobrepreço, resultando em um suposto prejuízo de mais de R$ 7 milhões. O que diz a prefeitura: A prefeitura de Gravataí apresentou defesa e esclarecimentos ao TCE. No documento, refutou as alegações, justificando os valores praticados com base em pesquisas de mercado e especificações técnicas exigidas para os equipamentos.
  • O caso da prefeitura de São Leopoldo envolve a compra de 303 telas interativas em setembro de 2022. A prefeitura realizou ata própria, na qual Porto Alegre pegou “carona” via adesão. Os valores envolvidos nas transações realizadas entre São Leopoldo e a empresa Smart Tecnologia estão na casa dos R$ 11 milhões, mas a equipe de auditoria ainda calcula o prejuízo envolvendo um possível sobrepreço. O tribunal também aponta indícios de favorecimento à Smart e ilegalidade na liquidação de despesas e decorrentes desembolsos.
    O que diz a prefeitura: A Secretaria de Educação encaminhou um pedido à Procuradoria Geral do Município e para o gabinete do Prefeito para abrir uma sindicância interna investigativa para apurar os fatos.
  • A prefeitura de Porto Alegre adquiriu, no final de dezembro de 2022, 188 telas interativas, ao custo de R$ 6 milhões. Os auditores encontraram irregularidades na compra, como a ausência de estudo técnico prévio, limitação e fragilidade da pesquisa de preço e falha em demonstrar que a solução registrada era a mais vantajosa. Apesar de indicar possível sobrepreço na aquisição, o documento não citou valores até que o processo da prefeitura de São Leopoldo, autora da ata à qual a Smed aderiu, seja concluído. No entanto, sugeriu a responsabilização de duas ex-servidoras; da secretária de Educação e do prefeito, responsável pela delegação à Smed da adesão à ata de registros, apesar da “falta de capacidade técnica do órgão”.
    O que diz a Prefeitura de Porto Alegre: A Secretaria Municipal de Educação (Smed) afirma que não há qualquer irregularidade apontada por órgãos de controle a respeito deste tipo de aquisição no município.

Na mídia

O Extra Classe tentou contato de diversas formas com a Smart Tecnologia em Comunicações para receber uma posição atualizada sobre as investigações, mas não obteve retorno. O número oficial no site, (51) 3840-0070, está temporariamente fora de serviço.

Em nota ao jornal Correio do Povo, no dia 13 de janeiro, a Smart afirmou que “A empresa Smart Tecnologia reafirma seu forte compromisso com a ética, integridade e transparência, permanecendo à disposição para prestar os devidos esclarecimentos aos órgão de controle”. Também disse “reafirmar o posicionamento compartilhado em nota anterior datada de 05/02/2024, informamos que a empresa prestou todos os esclarecimentos solicitados, assim como seu contraponto e material probatório que elucida as questões e dúvidas e equívocos de avaliação do Serviço de Auditoria do TCE/RS”.

Já em 2023, a empresa fez uma série de divulgações pagas em veículos de imprensa, como nesta em GZH, o que chamou de “Sala de aula do futuro: websérie “Conectando Saberes” aborda tecnologias inovadoras”.

*Com informações do jornal Correio do Povo

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