JUSTIÇA

Mais nove são resgatados do trabalho escravo na Serra gaúcha

Um brasileiro e oito argentinos cumpriam jornadas de 12 horas na colheita da uva em Flores da Cunha, segundo flagrante do ano na Serra
Por Gilson Camargo / Publicado em 6 de fevereiro de 2025
Mais nove são resgatados do trabalho escravo na Serra gaúcha

Foto: MPT/ Divulgação

Entre os nove resgatados, oito eramargentinos, no segundo flagrante deste ano envolvendo exploração de trabalhadores portenhos na colheita da uva na Serra

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No início de fevereiro, uma força-tarefa de auditores fiscais do trabalho e policiais militares e federais resgatou nove trabalhadores mantidos em condições de trabalho análogas à escravidão em uma propriedade rural de Flores da Cunha, onde viviam em alojamentos precários, sem alimentação adequada e eram submetidos a jornadas de mais de 12 horas diárias. O dono da viticultura foi preso em flagrante e conduzido à Delegacia da Polícia Federal em Caxias do Sul. O MPT manteve o nome dele em sigilo. Detalhe, além de produzir uvas, ele atuava como “gato” no aliciamento de trabalhadores para outras propriedades da região que exploram o trabalho escravo.

De acordo com o Ministério Público do Trabalho, nos últimos quatro anos em todo o país foram firmados 1.728 Termos de Ajuste de Conduta (TAC) para combater o trabalho escravo e o tráfico de pessoas e garantir os direitos de trabalhadores resgatados. No mesmo período, a instituição ajuizou 360 ações civis públicas sobre o tema. Só no RS nesses quatro anos foram ajuizados 695 ações, firmados 111 TAC e resgatados 671 trabalhadores escravizados.

O último resgate ocorreu em uma propriedade rural produtora de uvas de Flores da Cunha, na Serra Gaúcha, que tem sido uma das regiões do estado com maior incidência na exploração de mão de obra escrava. Dos nove trabalhadores resgatados, oito eram argentinos, no segundo flagrante deste ano envolvendo a escravização de trabalhadores portenhos em território gaúcho. A ação foi realizada por uma força-tarefa composta por Auditores-Fiscais do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Polícia Federal e Brigada Militar, após o registro de uma ocorrência junto à Brigada Militar na madrugada do dia 2 de fevereiro.

Mais nove são resgatados do trabalho escravo na Serra gaúcha

Foto: MPT/ Divulgação

Trabalhadores foram atraídos com falsas promessas e submetidos a alojamentos, alimentação e condições de trabalho precários

Foto: MPT/ Divulgação

Acionada pela Polícia Federal, a equipe do MTE realizou uma inspeção no local e constatou que os trabalhadores estavam alojados em uma casa de madeira precária, com frestas, telhado danificado e fiação elétrica exposta. Todos eram homens, com idades entre 19 e 29 anos, e haviam sido recrutados para a colheita da uva por um produtor rural que, além de possuir parreirais próprios, atuava como intermediador de mão de obra para outras propriedades da região.

Os trabalhadores relataram que foram contratados sob a promessa de pagamento de um valor semanal acima da média da região, além de alimentação e alojamento. No entanto, ao iniciarem as atividades, perceberam que o valor pago por quilo de uva colhida era muito inferior ao combinado, mesmo cumprindo jornadas exaustivas de 12 horas diárias. O pagamento, que deveria ser realizado aos sábados, estava atrasado há duas semanas. Além disso, a alimentação só era fornecida caso houvesse trabalho, e um dos trabalhadores, mesmo ferido na mão, continuava trabalhando para não ficar sem comida. Sem recursos financeiros, o grupo não tinha meios de deixar a propriedade ou retornar ao país de origem. Diante das falsas promessas e das condições degradantes de trabalho, ficou caracterizada a submissão a condições análogas à escravidão.

O Ministério do Trabalho e Emprego o notificou o empregador a efetuar o pagamento das verbas salariais e rescisórias e a inscrição no CPF e a emissão das Carteiras de Trabalho para os trabalhadores argentinos, permitindo a formalização do vínculo empregatício e o acesso ao seguro-desemprego, que prevê três parcelas de um salário mínimo. A assistência social do município de Flores da Cunha forneceu alojamento para os trabalhadores resgatados. Esse é o segundo resgate ocorrido na safra da uva em menos de uma semana. No dia 28 de janeiro, Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, outros quatro trabalhadores argentinos foram resgatados em São Marcos (RS).

Combate ao trabalho escravo no país

Mais nove são resgatados do trabalho escravo na Serra gaúcha

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Só em 2024, o MPT firmou 478 TAC, ajuizou 103 ações em quase 200 força-tarefas e resgatou mais de 2 mil trabalhadores escravizados

Foto: MPT/ Divulgação

Somente em 2024, o MPT firmou 478 TAC resultantes da participação em forças-tarefas, do encerramento de inquéritos civis ou de acordos em ações civis públicas. Nesse período, o MPT ajuizou 103 ações, participou de 197 forças-tarefas e firmou 184 TACs durante essas operações. Além disso, foram resgatados mais de 2.000 trabalhadores em 2024 conforme dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Segundo a vice-coordenadora de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conaete) do MPT, Tatiana Bivar Simonetti, o total de TACs firmados com empregadores mostra que a atuação institucional no combate a essa prática se estende a atividades como apuração de denúncias, abertura de inquéritos civis e ajuizamento de ações civis públicas.

De acordo com o coordenador nacional da Conaete, Luciano Aragão Santos, a fiscalização de cadeias produtivas tem sido uma das estratégias da instituição para avançar no combate a essa prática no Brasil. “O MPT faz o rastreamento de empresas que têm se beneficiado do trabalho escravo no fornecimento de matéria-prima. O objetivo é que elas façam o monitoramento de sua cadeia produtiva por meio de processos e mecanismos eficazes para que o seu produto final seja livre de trabalho escravo”, explicou o coordenador nacional da Conaete.

Parte dos dados registrados pelo MPT é resultante da Operação Resgate IV, que ocorreu entre julho e agosto de 2024 e retirou 593 trabalhadores de condições de trabalho escravo contemporâneo. Este número é 11,65% maior do que o de resgatados da operação realizada em 2023 (532). Ao todo, mais de 23 equipes de fiscalização participaram de 130 inspeções em 15 estados e no Distrito Federal. Essa ação conjunta de combate ao trabalho escravo e tráfico de pessoas no Brasil é resultado do esforço de seis instituições: Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Polícia Federal (PF) e Polícia Rodoviária Federal (PRF).

Números de atuação do MPT no Combate ao Trabalho Escravo 

Forças-tarefas – dados nacionais
2024 – 197
2023 – 262
2022 – 210
2021 – 162

TAC números nacionais gerais
2024 – 478
2023 – 577
2022 – 371
2021 – 302

TAC firmados durante ações de forças-tarefas
2024 – 184
2023 – 290
2022 – 232
2021 – 195

Ações civis públicas – dados nacionais
2024 – 103
2023 – 108
2022 – 77
2021 – 72

Denúncias no RS
2024 – 207
2023 – 282
2022 – 123
2021 – 83

Ações ajuizadas no RS
2024 – 207
2023 – 282
2022 – 123
2021 – 83

TACS firmados no RS
2024 – 30
2023 – 51
2022 – 17
2021 – 13 

Número de resgatados no rio grande do sul
2024 – 91
2023 – 348
2022 – 156
2021 – 76

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