Processo contra Ligia Bahia reforça guinada ideológica do Conselho Federal de Medicina
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Processo da CFM contra médica e professora da UFRJ que criticou cloroquina, antivacina e ataque ao aborto legal gera onda de solidariedade
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Processo de calúnia e difamação movido pela direção do Conselho Federal de Medicina (CFM) contra a professora titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ligia Bahia, não só tem gerado uma onda de solidariedade à médica, que é reconhecida por sua defesa do Sistema Único de Saúde (SUS) e por análises críticas sobre a mercantilização da saúde no Brasil. Aumentaram os questionamentos à autarquia federal de direito público que, na opinião de críticos, tem se desviado de suas funções e se partidarizado em alinhamento com a extrema direita brasileira.
Se em 2013 a entidade se retirou de todas as Câmaras, Comissões e Grupos de Trabalho dos ministérios da Saúde e da Educação por discordar da implementação do programa Mais Médicos e vetos à lei do Ato Médico, na pandemia ela mostrou o que pode ter de pior.
Seu presidente à época, o cirurgião-geral Mauro Ribeiro chegou a ser indiciado na CPI da Covid por crime que contribuiu no processo de desinformação que levou milhares de pessoas à morte. Foi Ribeiro que entregou ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) um parecer favorável à prescrição de hidroxicloroquina – medicamento sem eficácia contra a covid-19.
Ribeiro não só continua no CFM após as eleições de agosto de 2024, agora no cargo de Tesoureiro, como colaborou com a ascensão de uma bancada que se autointitulava a “única chapa de direita para o CFM”.
Negacionismo toma conta da entidade
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Para agradar ao chefe, o cirurgião Mauro Ribeiro deixou a ética médica de lado e foi apoiar a prescrição de medicamentos sem eficácia quando era presidente da CFM
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Agora, a nova composição do CFM reforça um perfil ainda mais conservador e alinhado a pautas negacionistas. Aos mais de 60% dos conselheiros reeleitos, somaram-se novos membros ainda mais à direita, que terão influência direta sobre normas médicas.
Um exemplo, a resolução de março de 2024 que dificulta o acesso ao aborto legal, proibindo a assistência fetal em gestações acima de 22 semanas. A decisão foi elogiada pela ala bolsonarista do Congresso e anexada ao Projeto de Lei que buscava equiparar o aborto tardio ao homicídio.
Entre os 27 conselheiros, pelo menos nove se destacam por posturas conservadoras, negacionistas ou extremistas. Além de Ribeiro, Francisco Cardoso, infectologista ultraconservador condenado por difamação e conhecido por ataques homofóbicos; e Raphael Parente, ginecologista que se opõe ao aborto mesmo nos casos previstos na legislação brasileira.
Outros nomes polêmicos incluem Rosylane Nascimento, que celebrou os atos golpistas de 8 de janeiro e Emmanuel Fortes, articulador da proteção de médicos que receitavam remédios sem eficácia contra a covid-19.
A nova gestão também conta com defensores da autonomia médica para prescrição do tratamento precoce e o negacionismo antivacina, como Estevam Rivello que participou em uma mesa no Senado para debater a recomendação da vacina contra a covid-19 em crianças de até quatro anos. Todos os presentes na sessão foram contra a inclusão dessa faixa etária no Calendário Nacional de Vacinação Infantil.
O “crime” de Ligia Bahia
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Foto: Marco Fernandes/ Adufrj/ Divulgação
Entidades destacaram que as declarações de Ligia Bahia (foto) refletem consensos científicos amplamente reconhecidos
Foto: Marco Fernandes/ Adufrj/ Divulgação
A médica sanitarista está sendo processada pelo CFM devido a declarações dadas em entrevista ao canal do Instituto Conhecimento Liberta (ICL) no Youtube.
No programa, Ligia criticou a postura do CFM em relação à vacinação contra a covid-19, o apoio da entidade ao uso da cloroquina no tratamento da doença e ao posicionamento contrário à legislação que permite o aborto em caso de gestação de mulheres vítimas de estupro.
A alegação do CFM para a processar é que suas declarações seriam “acusações infundadas”, fruto de “proselitismo ideológico” e “discurso de ódio”.
A entidade quer uma retratação pública da médica, além da proibição de novas manifestações consideradas ofensivas e uma indenização de R$ 100 mil.
De imediato, entidades científicas como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) manifestaram apoio a Ligia. As entidades destacaram que as declarações refletem consensos científicos amplamente reconhecidos e que o processo movido pelo CFM representa um afastamento dos princípios da ciência e da liberdade de expressão.
Na última semana, se uniram na corrente de solidariedade à médica a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Associação Brasileira de Saúde Pública (Abrasco) e personalidades como a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz.
“A Ligia tem uma atuação histórica de maior relevância. Foi uma das delegadas da histórica 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986), evento que marcou a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Em 2019, quando médicos estrangeiros do programa Mais Médicos deixaram o país, Ligia foi uma das principais vozes em defesa deles, alegando que em vários estados ficaram sem médicos. Quem sai chamuscada é uma entidade própria que rompe assim com seus valores mais básicos que devem ser a verdade científica e o aprimoramento da saúde pública”, declarou Lilia a respeito da sanitarista e seus detratores.