JUSTIÇA

STF estende proteção da Lei Maria da Penha a gays, travestis e mulheres trans

Decisão atende ação movida por entidades que representam famílias transhomoafetivas e população LGBTI+ e exige criação de lei específica
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 28 de fevereiro de 2025
STF estende proteção da Lei Maria da Penha a gays, travestis e mulheres trans

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Enquanto a lei não for criada, o STF determinou a aplicação das medidas protetivas da Lei Maria da Penha, sem alterar penalidades ou criar agravantes para os agressores

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por unanimidade, que homens LGBTI+ em relações homoafetivas e mulheres trans terão direito às medidas protetivas da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) em casos de violência doméstica.

A decisão responde ao Mandado de Injunção MI 7452 que foi movido pela Associação Brasileira de Famílias HomoTransAfetivas (Abrafh) e pela Aliança Nacional LGBTI+. A corte reconheceu a necessidade de uma legislação específica para esses grupos.

Enquanto a lei não for criada, o STF determinou a aplicação das medidas protetivas da Lei Maria da Penha, sem alterar penalidades ou criar agravantes para os agressores. O ministro relator Alexandre de Moraes destacou que a Constituição exige a proteção de todas as famílias, incluindo as formadas por casais homoafetivos.

“A Constituição garante a todos o direito à segurança e à dignidade. Há uma responsabilidade do Estado em assegurar a proteção no ambiente doméstico para todas as formas de entidades familiares”, afirmou Moraes.

Inspirada em vítima de violência doméstica

A iniciativa do processo foi motivada pela luta do psicoterapeuta americano que vivia no Brasil, Andrew Cicchetti. Ele – que já havia sido um dos responsáveis pelo reconhecimento da homotransfobia como crime de racismo no Brasil – sofreu violência doméstica em uma relação homoafetiva e procurou o advogado constitucionalista Paulo Iotti para representá-lo juridicamente.

A parceria culminou em ação no STF. Iotti celebrou a vitória e dedicou o resultado à memória de Cicchetti. “Ele enfrentou essa dor e transformou sua experiência em uma luta por justiça. Essa decisão é um legado dele para a comunidade LGBTI+ no Brasil”, frisou o advogado. Cicchetti morreu em 2024.

Proteção ampliada para mulheres trans

A decisão do STF também reforçou a inclusão de mulheres trans e travestis nas proteções da Lei Maria da Penha, reafirmando sua identidade de gênero e combatendo a transfobia no sistema de justiça.

Para a advogada Tatiana Naumann, especialista em atendimento a vítimas de violência doméstica, a ampliação da lei é essencial. “Ao reconhecer a vulnerabilidade de casais homoafetivos masculinos e de mulheres trans, o STF reafirma o compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana e com a erradicação de todas as formas de discriminação”, pontuou.

Tatiana também destacou que o preconceito estrutural dificulta o acesso de muitas vítimas à Justiça. “Negar medidas protetivas a essas populações seria compactuar com um cenário de exclusão e desproteção inaceitável”, afirmou.

“Plena inclusão”, diz Toni Reis

Para Toni Reis, presidente da ABRAFH e da Aliança Nacional LGBTI+, a decisão corrige uma lacuna histórica no direito brasileiro.

“A partir de agora, temos respaldo constitucional para registrar queixas em casos de violência doméstica. Se um casal homoafetivo está em união estável ou casamento e um dos cônjuges sofre violência, ele poderá buscar proteção legal”, explicou.

Reis reforçou que a decisão do STF respeita o princípio da igualdade garantido pela Constituição. “Todos devem ser iguais perante a lei, sem discriminação. Essa decisão, perfeitamente constitucional, nos torna plenamente incluídos”, concluiu.

“A Lei Maria da Penha é um instrumento de defesa das mulheres – todas as mulheres. O reconhecimento dessa realidade pelo STF traz mais esperança para um país que ainda luta para erradicar a violência de gênero”, finalizou Tatiana.

O que muda na prática?

O Brasil possui 391 mil lares formados por casais homoafetivos, segundo o Censo de 2022. Foi um aumento expressivo comparado aos 59 mil registrados em 2010.

Com a decisão do STF, vítimas de violência doméstica em relações homoafetivas, mulheres trans e travestis passam a ter direito a:

  • Medidas protetivas de urgência, como afastamento do agressor;
  • Apoio psicossocial e jurídico especializado;
  • Atendimento prioritário em delegacias da mulher;
  • Maior respaldo para responsabilizar os agressores.

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