A primeira experiência de política nacional de habitação foi feita pelo governo Dutra (1946-1951) com a Fundação da Casa Popular. Havia uma preocupação dos conservadores com a forte influência do Partido Comunista nos grandes centros urbanos, após a derrocada do Estado Novo. Eles acreditavam que o proletário com casa própria tenderia a se comportar como um burguês, favorecendo uma certa estabilidade social.
Em 1953 houve uma tentativa de transformar a Fundação em banco hipotecário, tornando a política habitacional auto-sustentável. Mas a proposta só foi adiante no período Jânio Quadros, quando as bandeiras das reformas sociais empolgavam setores cada vez mais amplos das camadas populares. Ficava patente a mesma visão ideológica de cooptação herdada do governo Dutra. “O status de proprietário dá ao trabalhador um senso elevado de responsabilidade”, rezava o documento que propunha a criação do Instituto Brasileiro de Habitação (IBH). “De revoltado contra a ordem social, o beneficiário passará a ser um sustentáculo dela, um homem que acredita na ascensão social.”
A política habitacional voltaria a ser contemplada no Plano Trienal elaborado pelo então ministro do Planejamento, Celso Furtado, para o governo João Goulart. Em 1963, Jango propôs ao Congresso uma reforma urbana, primeiro passo para a formulação de um programa de crédito voltado à população de baixa renda. O golpe de 1964 abortou qualquer chance de mudanças nessa área. As preocupações ideológicas manifestadas nos períodos Dutra e Jânio ressurgiram com maior intensidade no regime militar.
O então ministro do Planejamento do general Castelo Branco, economista Roberto Campos, sustentava que “o proprietário da casa própria pensa duas vezes antes de se meter em arruaças ou depredar propriedades alheias e tornar-se um aliado da desordem.” O Banco Nacional da Habitação (BNH) foi criado cinco meses após o golpe de 64, como órgão central de um sistema de financiamento que incluía o setor de saneamento. Junto com o BNH, foi criada a correção monetária para as prestações, com o objetivo de manter o sistema auto-sustentável.
CORRUPÇÃO – Um ano mais tarde, em setembro de 1966, o BNH se tornaria o gestor dos recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Enfrentaria, também, seu primeiro escândalo de corrupção, após a intervenção na Cooperativa Habitacional da Guanabara. Nos anos seguintes, as relações de interesse entre diretores do banco e a iniciativa privada se tornariam cada vez mais estreitas, enquanto o déficit habitacional se expandia de maneira assustadora.
À medida que crescia a atuação do banco, a execução dos programas passava para a iniciativa privada – e muitos de seus diretores também. Oficiais da reserva, da primeira geração de tecnocratas do BNH, abriram seus próprios negócios. Em 1971, o banco enfrentava sua primeira crise, por conta de créditos mal concedidos e da alta inadimplência. Surgiam novas denúncias de favorecimento a empresários, mas ninguém foi punido; apenas alguns diretores acabaram substituídos.
De 1974 a 1980, o banco colocou em prática um modelo que autorizava os agentes financeiros a operar em faixas livres, com juros liberados. Na prática, isto significou a sangria dos recursos do FGTS para o financiamento de construções para as classes média e alta. Ao final do regime militar, o BNH contabilizava a construção de 4,3 milhões de moradias, número inferior à própria estimativa de déficit habitacional do primeiro governo fardado, da ordem de 5 milhões de unidades.
No governo Figueiredo, o sistema quase explodiu, quando o Decreto Lei 2.045 determinou a correção dos salários no limite de 80% do INPC, enquanto as prestações tinham correção plena. Nesse período, cresceu a mobilização popular, com campanhas pelo boicote ao pagamento das prestações em todo o país. O esquema adotado pela ditadura, de atrelar o trabalhador ao compromisso com a casa própria e, assim, provocar a almejada estabilidade social, havia falhado em todos os seus aspectos.
INADIMPLÊNCIA – A crise econômica e o desemprego aumentaram os saques do FGTS e da Caderneta de Poupança, as duas principais fontes de recursos do sistema. Em 1984, pressionados por um reajuste de 190% nas prestações, 53% dos mutuários deixaram de pagar suas parcelas. O estoque de unidades produzidas e não comercializadas fez com que também os construtores protestassem contra o arrocho salarial.
O Sistema Financeiro da Habitação (SFH) decidiu então criar um subsídio para as prestações e o Plano de Equivalência Salarial (PES), que garantia reajustes proporcionais aos salários. No governo de José Sarney, a inflação chegou a níveis inacreditáveis e os salários ganharam um mecanismo de correção automática, o que levou ao aumento imediato das prestações. A situação piorou com o fim do subsídio, que jogou o reajuste para próximo dos 300% ao ano.
Ocupações históricas em Alvorada
A falência do sistema de habitação tornou a ocupação de áreas e construções prontas ou inacabadas uma alternativa para milhares de sem-teto. Na verdade, a violência que se verificou no mês passado, na desocupação do conjunto habitacional Fazenda da Juta, em São Paulo, faz parte desta crise desde os anos 80. O dia 11 de abril é um marco na história das ocupações urbanas no Rio Grande do Sul. Nesta data, em 1987, duas mil famílias entraram num conjunto habitacional erguido pela extinta Companhia de Habitação do Estado (Cohab), no município de Alvorada. Foi o estopim de uma explosão cujo rastilho se espalhou por outras cidades da região metropolitana de Porto Alegre e encerrou dois meses depois, a 12 de julho, com a tomada do residencial Umbú, também em Alvorada, por outras 1.700 famílias.
“O país vivia, na época, uma conjuntura sócio-econômica turbulenta. A economia decretava o fracasso do Plano Cruzado. O valor dos aluguéis explodia, os salários não acompanhavam a inflação e o desemprego crescia. Vinha à tona o escândalo da corrupção que provocou a falência do Banco Nacional de Habitação (BNH), criado pelo regime militar”, lembra o vereador Dorvalino Santana Alvarez, 34 anos, líder do PT na Câmara Municipal de Alvorada. Ele foi um dos primeiros a ocupar um imóvel no hoje Conjunto 11 de Abril.
O ambiente político de retorno à democracia estimulava o surgimento de movimentos populares. As ocupações de fazendas pelos sem-terra denunciavam a situação de miséria no campo. Nas grandes cidades, a proliferação das favelas escancarava a exclusão crescente dos trabalhadores urbanos. Milhares de famílias não tinham onde morar, enquanto o estoque de 30 mil moradias prontas não encontrava compradores. A situação continua igual, com a diferença de que hoje não existem grandes conjuntos habitacionais para serem ocupados, como o 11 de Abril e o Umbú.
Alvorada retrata essa escassez. No início deste ano, 140 pessoas ocuparam uma das últimas nesgas de terra disponíveis na cidade. O terreno, pertencente à prefeitura, é contíguo ao cemitério municipal São José Operário e está destinado à sua ampliação. Nas mais de 60 vilas, metade delas irregulares, vive 28% da população. Pelo menos 12 mil famílias moram em subabitações e duas mil em situação de risco. Não há praças e áreas de lazer. A falta de espaço está impedindo a prefeitura de receber investimentos do governo do estado para a construção de 700 lotes urbanizados.
Segundo a Secretaria do Planejamento e Habitação, a cidade tem uma taxa de crescimento populacional de 4% ao ano – a maior do estado – e um total de 6.500 famílias em situação de indigência. O município ocupa o 15º lugar em índice de desenvolvimento urbano, entre os 22 da região metropolitana, conforme levantamento da Metroplan.