MOVIMENTO

As sementes da discórdia

Da Redação / Publicado em 28 de abril de 1999

Governo gaúcho quer transformar o estado em zona livre de alimentos geneticamente modificados (transgênicos), enquanto a União pretende liberar comercialmente a soja de laboratório ainda este ano. Cientistas não sabem os efeitos sobre o organismo humano e animal desses produtos, que podem revolucionar as lavouras do século 21

O debate está aberto. Em todo o mundo, ambientalistas, empresas de biotecnologia, produtores rurais e governos discutem a viabilidade de comercializar plantas modificadas geneticamente em laboratório. De um lado, o aumento na produtividade – com a perspectiva de utilização intensiva de agrotóxicos (devido à resistência das plantas) – anima os agricultores. Pode significar mais comida no mundo e mais dinheiro no bolso de quem planta. De outro, os riscos à saúde humana e ao meio ambiente que essas culturas podem provocar ainda não foram devidamente avaliados.

No Brasil, desde 21 de fevereiro de 1997, 626 testes com sementes transgênicas já foram aprovados pela CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia que cuida de regulamentação desses produtos. Em 748 dias (até 12 de março passado), a média foi de quase uma nova experiência aprovada a cada dia. Só no Rio Grande do Sul foram autorizados 57 testes, dos quais 54 de milho, um de soja, um de arroz e um de fumo.

A maioria das experiências vem sendo realizada pela norte-americana Monsanto, holding que controla as empresas Cargil, Agroceres, Braskalb e Monsoy. O único alimento transgênico que pode ser comercializado no país é a soja Roundup Ready (RR), que ainda precisa registro no Ministério da Agricultura. O grão é resistente a um herbicida à base de glifosate. Mas os ambientalistas estimam que deve haver, apenas no Rio Grande do Sul, 300 mil hectares de plantações clandestinas de sementes transgênicas.

Preocupado com a falta de controle e com a carência de informações sobre seus efeitos, o governo gaúcho editou um decreto em março exigindo que todas as experiências de produtores com transgênicos sejam comunicadas à Secretaria de Agricultura. “É preferível uma atitude rigorosa agora para podermos liberar os produtos num segundo momento, isso se as pesquisas mostrarem que não há risco à saúde da população”, justifica o secretário José Hermetto Hoffman (Agricultura).

O governo gaúcho apertou o cerco aos transgênicos porque nenhuma investigação até agora comprovou se o consumo de produtos modificados geneticamente afeta ou não a saúde de pessoas e animais. E, por outro lado, desconfia-se que a patente desses produtos agrícolas – de alta tecnologia – pode criar uma relação econômica de dependência entre multinacionais e produtores. “Numa estrutura agrícola familiar como a nossa, apostar nessa relação significa correr o risco de concentrar cada vez mais a produção de alimentos”, explica o agrônomo Sebastião Pinheiro, diretor da Uita (União Internacional de Trabalhadores na Agricultura).

Um parecer da CTNBio, no entanto, diz que a soja da Monsanto não apresenta riscos à saúde “além dos inerentes à parcela da população que tem reações adversas ao consumo da soja em geral”. O documento é baseado nas pesquisas da própria multinacional. A soja está presente, direta ou indiretamente, entre 60% e 70% da alimentação humana na forma de óleos e outros derivados. Além disso, é um dos principais componentes de rações de alimentação animal.

Na Assembléia Legislativa gaúcha, dois projetos estão protocolados sobre o assunto. Na prática, a proposta de Elvino Bohn Gass (PT) transforma o Rio Grande do Sul em zona livre de organismos geneticamente modificados para fins de alimentação. Isso exclui os chamados “transgênicos do bem”, utilizados principalmente na medicina. A insulina sintética, por exemplo, é um desses transgênicos. O deputado federal Pompeu de Matos (PDT) tem um projeto semelhante, que estende a restrição a todo o país. Já o deputado estadual Alexandre Postal (PMDB) protocolou uma proposta que exige a rotulagem dos produtos que contêm ou são essencialmente transgênicos.

André Abreu, coordenador de biotecnologia da AgrEvo (outra empresa que realiza testes com transgênicos no Brasil), diz que a companhia pretende comercializar milho modificado geneticamente já no ano que vem. “Os testes têm quase dez anos nos Estados Unidos, onde a comercialização é livre”, tranqüiliza. Abreu diz que a produtividade obtida é capaz de baratear o produto no mercado devido ao aumento da oferta.

O maior projeto da AgrEvo no Brasil envolve sementes transgênicas de arroz. As experiências estão sendo realizadas na sede do Irga (Instituto Riograndense de Arroz), em Cachoeirinha. Segundo Valmir de Menezes, pesquisador do Irga, a pesquisa está no estágio inicial. Os cientistas querem observar como o arroz transgênico se cruza com uma semente normal para descobrir se as propriedades genéticas de resistência se transferem. Em quatro meses a pesquisa estará concluída.

Para os ambientalistas, as conseqüências dos transgênicos ainda são imprevisíveis. “Ninguém é contra as pesquisas. Mas não concordamos com a aplicação em escala comercial de cultivos agrícolas que ainda não oferecem segurança ao homem”, diz Marijane Lisboa, do grupo ambientalista Greenpeace. Ela cita uma pesquisa do cientista inglês Arnold Pustazi, que alimentou ratos com batatas transgênicas e constatou a diminuição do volume de seus cérebros e uma redução na resistência a determinadas doenças. Por enquanto, é a pesquisa mais citada sobre os efeitos da modificação genética em animais.

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