“Dona Iara mora em uma chácara, perto de Chapecó. No porão de sua casa tem um graxaim. O marido dela é daqueles que usa guaiaca, criado no campo desde guri. Eles têm fama de caipiras, mas fazem um pirão de se lambuzar. Isso sem falar no doce de maracujá da dona Iara, também muito bom”.
Foi muito difícil ler o texto acima? As palavras grifadas dificultaram o entendimento? Evidentemente que não. O texto apenas faz lembrar que muito do que se fala no Rio Grande do Sul não é originário da língua portuguesa ou de outras descendências européias, mas de idiomas indígenas. Maracujá, por exemplo, é do Guarani; guaiaca é do Quíchua (criado pelos Incas, por volta do século X, formado por várias línguas indígenas); guri e gambá são do Tupi; e por aí vai.
A verdade é que no Brasil ainda são faladas 180 línguas indígenas. O número pode até espantar, mas quando os portugueses chegaram aqui – há quase 500 anos – havia cerca de 1.300 línguas nativas para um universo de seis a dez milhões de índios. A maioria delas se perdeu sem qualquer registro histórico.
É fácil explicar o sumiço dos dialetos indígenas. Dados do Ministério da Educação (MEC), por exemplo, estimam que a população silvícola no país não chegue a 300 mil pessoas. No Rio Grande do Sul, a Secretaria Estadual de Educação (SEC) utiliza como referência uma média de 15 mil índios. E aprender a escrever na própria língua – o que é uma garantia de preservação cultural – é uma novidade para essa população.
A escola indígena brasileira começou a tomar forma na década de 70, mas só na Constituição de 1988 é que foi reconhecido aos índios o direito à prática de suas formas culturais, o uso de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. E somente em 1991 é que um decreto atribuiu ao MEC a competência de coordenar as ações referentes à educação indígena em todos os níveis e modalidades de ensino, atividade até então da Fundação Nacional do Índio (Funai).
De acordo com Iara Alvarez, responsável pelo setor de educação na Funai em Passo Fundo, apenas em 1995 – com a criação do Núcleo de Educação Indígena do Rio Grande do Sul – a preservação das línguas indígenas passou a ser uma realidade. O Núcleo é composto por professores e organizações indígenas e, desde 1996, vem realizando cursos de capacitação de docentes.
O estado tem 36 escolas – que oferecem apenas da 1ª à 4ª séries do ensino fundamental – exclusivamente para a população kaingang e guarani, concentradas na região norte do Rio Grande do Sul. Os guarani são em número bem menor e, até o ano passado, foram resistentes às escolas. “Mas agora eles querem pois precisam entender os documentos dos brancos”, analisa Suzana Tolio, do Núcleo de Educação Indígena em Porto Alegre. No ano passado, 3.878 crianças indígenas foram atendidas pelas escolas.
Do total de escolas, somente duas são guarani. Outras duas estão em construção “Está sendo feito um trabalho muito bonito nessas escolas. A secretaria tem ido lá na reserva, que é para dar oportunidade ao cacique, para as lideranças e os mais velhos discutirem, não ficarem alheios”, informa Suzana. Dos 206 professores dessas escolas, apenas 70 são índios.
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