Com a escassez e poluição das bacias hidrográficas do mundo, a água já desponta como o bem mais precioso do próximo século. Mais de dez bilhões de litros de rejeitos são lançados todos os dias nas águas brasileiras
“Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo, a água deve ser manipulada com racionalidade, preucaução e parcimônia” Artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos da Água
A poluição da água será o principal problema ambiental do próximo século, gerando escassez, guerras e o aumento das doenças de veiculação hídrica, como a disenteria e o cólera. A previsão não é de nenhum grupo ecológico radical, mas das ONU (Organização das Nações Unidas).
De acordo com os levantamentos das Nações Unidas, quase 300 milhões de habitantes ainda consomem água contaminada nas cidades e mais de um bilhão de pessoas no meio rural. Na América Latina e no Caribe, 30% da população não têm acesso à água potável.
No Brasil, país responsável por cerca de 10% das reservas de água doce do planeta, são lançados diariamente nos rios e arroios dez bilhões de litros de esgoto in natura, segundo as estatísticas da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES). No Rio Grande do Sul, apenas 48 dos 467 municípios trata esses resíduos. E apenas em parte.
Mais de 160 mil gaúchos ainda vivem sem abastecimento regular de água potável, e 151 municípios do Rio Grande do Sul (de um total de 467 cidades), estado considerado modelo nos índices de qualidade de vida, possuem sistemas de tratamento de baixa confiabilidade, de acordo com o diagnóstico apresentado na I Conferência Estadual de Saneamento Ambiental, realizada na Assembléia Legislativa no início de maio.
Em Porto Alegre, um rápido passeio pela avenida Ipiranga é suficiente para perceber a gravidade do problema. O arroio Dilúvio é uma cloaca a céu aberto, contaminado com esgoto, lixo e todo o tipo de poluente.
Segundo o futuro secretário Estadual do Meio Ambiente, Cláudio Langone, a poluição hídrica é o principal passivo ambiental do Rio Grande do Sul. E para despoluir a bacia hidrográfica do Guaíba, formada por 251 municípios e contaminada por milhares de indústrias, serão necessários investimentos de pelo menos R$ 1 bilhão nos próximos 20 anos.
Mas os esgotos, os efluentes industriais e os agrotóxicos não são as únicas fontes de poluição dos rios. As substâncias tóxicas lançadas na atmosfera da Região Metropolitana por fábricas e pelos 700 mil veículos da região também estão contaminando as águas que abastecem a população. Segundo o mais recente estudo do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Ufrgs (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), a chuva que cai em Porto Alegre já não está tão ácida como há dez anos, mas apresenta níveis preocupantes de mercúrio, amônia e fosfato.
O professor Sérgio João de Luca, que iniciou o monitoramento em outubro do ano passado, não sabe porque está chovendo mercúrio na capital gaúcha. A explicação mais provável é de petróleo contaminado, importado pela Refinaria Alberto Pasqualini no ano passado. Mas o pesquisador tem uma certeza: os novos empreendimentos, como as usinas de gás natural e o complexo da GM, vão aumentar a poluição.
Um parlamento para a água
O Rio Grande do Sul tem uma legislação de Primeiro Mundo para os recursos hídricos que, no entanto, ainda não foi implementada. Segundo o futuro secretário Estadual de Meio Ambiente, Cláudio Langone, até o final do governo Olívio Dutra a nova lei estará vigorando.
A Lei 10.350/94, sancionada no penúltimo dia do governo Alceu Collares (1994), institui a outorga e a cobrança pelo uso da água, e também prevê a criação de Comitês de Gerenciamento e Agências de Bacia. A grande novidade é que os recursos hídricos passam a ser vistos como bens econômicos.
Os Comitês devem funcionar como uma espécie de Parlamento da Água, onde 40% dos representantes são usuários, 40% dos assentos pertencem à população e os 20% restantes são dos órgãos públicos. Este plenário irá definir os usos prioritários dos rios e as obras necessárias para a sua conservação. A água terá um custo diferente para os arrozeiros, indústrias e companhias de abastecimento. O espírito da lei, que serviu de modelo para a legislação nacional (Lei 9.433/97), é cobrar mais de quem polui mais. O dinheiro arrecadado será investido em obras de recuperação da própria bacia hidrográfica.