Fazia algum tempo que os sindicalistas não encontravam terreno tão fértil para estacionar seu caminhão de som. Nos últimos dois meses, a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, se tornou cenário do renascimento dos movimentos de massa no país, num processo detonado pela Marcha dos Cem Mil. A área virou um estacionamento rotativo à disposição de várias categorias e estará ocupada também em outubro. Os dias não têm sido tranqüilos para o presidente Fernando Henrique Cardoso, que viveu um setembro especialmente conturbado com a popularidade em baixa, duras negociações salariais em andamento, novas marchas a caminho e o fantasma de uma greve geral rondando seu gabinete.
Não está claro se a baixa popularidade de FHC inflacionou os protestos ou se eles são uma das causas da fraca cotação presidencial – ou, ainda, se as duas coisas ocorreram juntas. A ordem não parece ser muito importante. “Há um conjunto de motivos que permite a retomada dos movimentos populares”, avalia o presidente da CUT (Central Única dos Trabalhadores) gaúcha, Chico Vicente. Para o dirigente, este renascimento tinha atingido mais cedo o Rio Grande do Sul e, a partir da Marcha dos Cem Mil, conquistou o país. Vicente considera que a combinação das crises política e econômica foi importantes para levar os brasileiros à rua. O sindicalista lembra que em 1997 e 1998 houve um recorde negativo de mobilizações. Neste período, o Brasil viveu o menor número de greves das duas últimas décadas, com 620 e 550 paralisações (respectivamente) a cada ano.
Mesmo se não for a causa principal, os sindicalistas consideram que a baixa estima do povo por seu presidente ajuda nas mobilizações. “Ela (a reprovação de FHC) cria uma condição melhor de luta política”, afirma o diretor de imprensa do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, Juberlei Bacelo. Envolvidos em seu dissídio, os quase 400 mil bancários brasileiros começaram no fim de setembro uma campanha publicitária para auxiliar a batalha pelo reajuste. Além da mídia, o esforço incluía paralisar agências de alguns bancos e distribuir bananas, fruta que simboliza as reivindicações deste ano.
Engrossando o contingente de trabalhadores que pediam reajuste no mês passado, os pe-troleiros também aguardavam o desfecho de suas negociações. Mesmo escaldados por cem demissões depois da greve que promoveram em 1995, eles decidiram participar da paralisação geral marcada pela CUT para 10 de novembro em todo o país. “Este segundo semestre está sendo interessante em termos de mobilização”, observa o presidente do Sindicato dos Petroleiros do Estado, Cesar Przygodzinski. O desfecho de grandes dissídios, como os de bancários e petroleiros, provoca reflexos que ultrapassam seus contracheques. “Se a Petrobrás ceder um aumento real, isto poderá gerar efeito cascata em outras categorias”, prevê o sindicalista.
Até mesmo trabalhadores que estão com seu futuro sala-rial resolvido decidiram se juntar aos protestos. Os metalúrgicos, cuja data-base é 1º de maio, já fecharam seu dissídio e, mesmo assim, estarão na Marcha Popular pelo Brasil. O movimento deverá fincar suas bandeiras em Brasília no dia 7 de outubro, onde encontrará outra coluna de caminhantes. No dia 6, está prevista a chegada à cidade da Marcha em Defesa e Promoção da Educação Pública.
Not available
Not available
Com amplas pretensões, a Marcha Popular buscou sensibilizar as comunidades por onde passou (saiu do Rio de Janeiro no dia 26 de julho) em busca de mudança no modelo econômico nacional. “Nós trocamos a pedagogia do discurso pela pedagogia do exemplo”, descreve Enio Bohnenberger, integrante da direção nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e coordenador da iniciativa. Em cada povoado, a marcha apresentava seus objetivos em conversas com a população. Bohnenberger identifica no Plano Real um combustível que ajuda a explicar o ressurgimento da mobilização de massas. “Nós tínhamos o mito do Plano Real e da estabilidade, que desabaram.” Para ele, o povo está “acordando da anestesia”. Os caminhantes percorreram 1.580 quilômetros em 73 dias, desde a saída no Rio de Janeiro.
No caso dos trabalhadores em educação, a Marcha pretende ampliar os recursos do setor a pelo menos 10% do PIB (Produto Interno Bruto) na próxima década e garantir vagas nas escolas a todas as crianças brasileiras. As duas marchas servem de aperitivo para os protestos de outubro. No dia 12 será realizado o Grito Latino-americano contra a Exclusão Social na cidade de Foz do Iguaçu (PR). O ato, explica Vicente, pede a moratória do pagamento da dívida externa e será simultâneo em vários países latinos. Além disso, servirá como critica à chamada Rodada do Milênio, realizada pela OMC (Organização Mundial do Comércio) e que os sindicalistas apelidaram ironicamente de “roubada do milênio”. Nela, os 132 países que integram a OMC discutirão regras para o comércio no planeta. A rodada será alvo de outra manifestação no dia 30 de novembro, que vai atingir diversas cidades, inclusive Brasília.
Not available
Not available
No dia 28 de outubro será a vez de os metalúrgicos gaúchos darem sua cota de mobilização na defesa de uma proposta nacional da categoria: a redação de um contrato único de trabalho do setor de autopeças. Os trabalhadores, explica o vice-presidente da Federação dos Metalúrgicos do Estado, Paulo Érico Alves, montaram uma agenda de protestos, que deflagra um “festival de greves” no setor. Eles começaram a ação no dia 23 de setembro, no Rio de Janeiro. Os outros Estados envolvidos são Minas Gerais (30/9), Paraná (14/10), Santa Catarina (21/10), Rio Grande do Sul (28/10) e São Paulo (7/11).