Contas do estado melhoram, mas equílibrio financeiro ainda é uma meta distante demais para o funcionalismo público
Um ano depois de assumir o estado com um déficit orçamentário de quase R$ 1,5 bilhão, o resultado financeiro no início do segundo ano de mandato do governo popular é exemplar. O rombo orçamentário foi praticamente reduzido à metade – R$ 757,5 milhões – enquanto o déficit no fluxo de caixa (o movimento do que entra e sai do Tesouro) encolheu 70%. Adiferença negativa entre o volume de receita e de despesa, que era de R$ 1 bilhão em janeiro do ano passado, despencou para R$ 293 milhões em dezembro último.
Pena que o reconhecimento pelos resultados alcançados – que ainda assim deixam o estado em situação financeira difícil – sucumbiu a um grave erro político. O pacote encaminhado à Assembléia Legislativa no final do ano, que associava medidas impopulares, como o aumento de impostos e abono salarial, a métodos questionáveis de negociação, como a convocação extraordinária do Legislativo, foi rejeitado pela sociedade e esmagado pelos votos da oposição. O episódio fez com que o governo petista se visse embretado entre a austeridade imposta pela crise financeira do estado e a pressão do funcionalismo – liderado pelo magistério estadual, que deu a Olívio Dutra um prazo de dois meses para a apresentação de uma proposta salarial. O prazo vence no início de março e, até lá, o governo faz as contas para apresentar uma sugestão convincente. Além dos professores, ela deve contemplar também os salários mais baixos do quadro geral.
De onde sairá o dinheiro que vai sustentar o aumento na despesa, o secretário da Fazenda, Arno Augustin, não diz. Mas dá pistas sobre as alternativas que conta para incrementar o fluxo de caixa a médio prazo. A alteração da Lei Kandir, que transforma o seguro-receita (variável) em fundo de compensação aos estados (fixo), se sair, garantirá ao Rio Grande do Sul um repasse aproximado de R$ 300 milhões este ano, reduzindo a sangria da lei à metade. Se o Senado aprovar a redução no comprometimento da receita líquida com a dívida, dos atuais 16% para 9% ou 11%, outros R$ 500 milhões deixarão de sair do Tesouro estadual em 2000.
O secretário da Administração e Recursos Humanos, Jorge Buchabqui, vai mais longe. “Apresentaremos uma proposta concreta ao magistério e ao quadro geral. Mas exigiremos como contrapartida o apoio a projetos de recuperação financeira do estado”, antecipa. Ele cita o subteto salarial e o aumento da contribuição previdenciária como prováveis condicionantes. E Augustin não descarta uma nova tentativa de aprovação do aumento seletivo do ICMS, o imposto estadual que incide sobre consumo de serviços e mercadorias.
Segundo Buchabqui, com exceção do imposto, as demais medidas são de pouco impacto no caixa, mas de efeito moralizador significativo. No caso da fixação de um subteto de R$ 7 mil – ele admite uma elevação do limite até R$ 9 mil – a economia será de R$ 40 milhões mensais. A questão previdenciária ainda está indefinida, mas o corte das pensões às filhas solteiras, já efetivado, promoverá uma economia mensal de R$ 1 milhão. Já o aumento seletivo do ICMS engordaria a receita mensal do estado em até R$ 180 milhões (já descontados os 25% dos municípios) através da elevação das alíquotas do imposto incidentes sobre energia elétrica, telecomunicações, combustíveis, bebidas e cigarros.
Augustin ressalta ainda outra fonte de recursos, ainda que incertos: o encontro de contas com o governo federal. Na contabilidade gaúcha, os créditos junto à União somam R$ 8 bilhões. Os mais bem encaminhados são o repasse de R$ 150 milhões à Caixa Estadual – Agência de Fomento, os US$ 75 milhões de dólares do Eximbank japonês (dependem de autorização do Tesouro Nacional e do Senado), as carteiras imobiliárias da extinta Caixa Econômica Estadual, de R$ 1 bilhão, e do IPE, de R$ 350 milhões (ambos são valor de face), R$ 100 milhões em atraso da Lei Kandir e R$ 200 milhões por serviços prestados pelo Departamento Estadual de Portos e Canais (Deprc).
Nem tudo significa dinheiro em caixa. Conforme o secretário da Fazenda, parte pode ser revertida em abatimento de dívida e formação de um fundo de Previdência. Pelos cálculos de Buchabqui, o equilíbrio nessa área, com desafogo do Tesouro estadual, exigiria a formação de um fundo de R$ 3,5 bilhões, dos quais até R$ 2 bilhões teriam de vir de aportes federais ou do governo estadual. Sem definição desse aporte, diz ele, fica difícil estabelecer uma alíquota de contribuição razoável para os servidores. “Não há alíquota capaz de cobrir o custeio. Teria que superar 20%”, argumenta.
As últimas negociações em Brasília indicam que a economia obtida numa possível redução da dívida seria obrigatoriamente canalizada para os fundos estaduais. Conforme o secretário da Fazenda, mesmo que o dinheiro seja vinculado à Previdência, a economia na despesa da dívida será benéfica. “Como os inativos já representam metade da folha, qualquer economia é significativa”, explica. À espera do que está por vir, o governo faz as contas do que já obteve. O balanço geral do estado, publicado no último dia 31 de dezembro, revelou que a despesa com custeio caiu 10% em termos nominais, enquanto a arrecadação cresceu 10,2% no ano passado em comparação com o ano anterior. “Administramos 1999 com o custeio de 1995, ou seja, gastamos 25% a menos do que o governo Antônio Britto em 1998. Esse ano, repetiremos o padrão”, assegura Buchabqui.
A austeridade, entretanto, foi prejudicada pelo pagamento da dívida mobiliária, 37,7% maior do que no ano anterior. Em 1999, o Rio Grande do Sul pagou R$ 753,3 milhões à União. Ainda assim gastou R$ 150 milhões a menos do que o previsto, devido à mudança no conceito de receita líquida e ao adiamento para maio da penalização financeira pela manutenção do Banrisul como banco público.
Embora não tenha absorvido a totalidade dos déficits primário (receita menos despesas) e orçamentário (inclui operações financeiras e pagamento da dívida), cobertos nos anos anteriores pela receita extra das privatizações, o governo ostenta como vitória o aumento nos gastos da área social, que em valores nominais superaram os investimentos feitos no primeiro ano do governo anterior. Na saúde, o crescimento foi de 185%. Na agricultura, de 81,2%. Na Educação, 71,4%. Transporte, 44,7%. E Segurança, 44,3%.