Algumas observações assustadoras
Agência Estado
As comemorações dos 500 anos do Brasil se transformaram em violência contra manifestantes que queriam protestar em Porto Seguro. Os excessos policiais foram vistos no mundo todo, manchando ainda mais uma festa que já iniciou errada. Dois professores relatam aqui o cerco a que foram submetidos depois de uma viagem de 56 horas e muita expectativa
Nós, meros mortais, viajamos a Porto Seguro com alguns objetivos em nossa mente. Uma viagem rodoviária longa e cansativa, mas necessária para alcançarmos nossos objetivos. Foram 56 horas de expectativas para fazer nosso protesto contra um evento, segundo a nossa ótica, vergonhoso. Uma mentira, já que foram milhões de reais gastos para uma festa enquanto o povo se esconde nas vielas do esquecimento e da miséria.
Ao chegar, porém, começamos a vivenciar alguns momentos impares, como a ostentação do poder, a violência dos direitos dos cidadão e o mau uso do poder público, estes exemplos de nossas observações assustadoras. A imponência por parte do governo e o receio de um confronto armado forçou-o a uma posição única na repressão à manifestação, legitimamente convocada por parte dos movimentos sociais e entidades de classe do país.
A manchete de um jornal de circulação na Bahia foi taxativa: “Um clima de guerra no Sul da Bahia”. Esse clima foi produzido pelas ações imperativas da polícia desde a chegada dos manifestantes nas proximidades de Porto Seguro, como a de um fiscal do DNER que nos preveniu sobre o que nos aguardava na cidade: entre os perigos tradicionais das grandes comemorações, havia um contigente de 12 mil policiais para nossa “proteção”. As professoras Solange Pinheiro e Ieda Barros Rodrigues, por exemplo, passaram maus momentos na barreira antes de chegar à cidade: foram constrangidas ao terem revistadas suas malas, além de passarem 36 horas sem alimento e água. As pessoas do grupo que as acompanhava também ficaram sem banho depois de uma viagem de 56 horas.
Nós, que ficamos em Porto Seguro, não pudemos usar camisetas da CUT nem adesivos ou botons que identificassem a opção política, sob pena de sermos agredidos ou “conduzidos” ao coronel. Nossos colegas em Cabrália passaram pelas bombas de gás e pelo terror e medo de balas perdidas. Havia crianças, índios, mas não importava quem eles estavam reprimindo a mando do senhor FHC. Havia também fragatas de guerra, helicópteros, armas pesadas e soldados sem identificação, mostrando realmente o propósito pelo qual estavam ali.
Durante três dias vivenciamos uma volta ao passado da ditadura militar, da posição imperialista do poder e do poder que corrompe a essência do ser humano. Nossos objetivos foram alcançados? Sim, já que mostramos ao mundo o fiasco produzido pelo próprio governo nas comemorações dos 500 anos do Descobrimento do Brasil. Mostramos que, apesar da repressão, o povo gritou, soltou suas palavras de descontentamento, vaiou o show oficial – montado para as autoridades – desde o seu início. Mostramos, também, como eles tentaram abafar – com a Polícia de Choque – as vaias e os gritos de um povo sofrido que não agüenta mais o caos imposto pelos governantes desse imenso país chamado Brasil.
*Diretora do Sinpro/RS **Presidente do CPF (Centro dos Professores e Funcionários da Escola Mesquita/POA)