MOVIMENTO

Mercado, Dívida e “Crime”

Angelo Dal Cin / Publicado em 10 de setembro de 2000

Cada bebê nascido neste instante deve só para os grandes banqueiros internacionais mais de R$ 2.700,00. Isto sem contar a dívida interna. Qual a culpa de nascer inadimplente? É verdade, ao chegarem os portugueses, fomos obrigados a entregar o pau-brasil, sem nenhuma nota promissória ou cheque assinado. Mas de lá para cá, as coisas pioraram. O golpe de 1964, que poderia ter ocorrido em 1954 ou em 1961, organizado com o pretexto de defender a “Ideologia da Segurança Nacional”, na verdade, inicia um ciclo de economia dependente instaurando um processo de crescimento econômico altamente concentrador de renda.

De 1980 a 1988, o Brasil desembolsou US$ 118 bilhões para os credores internacionais. Antes de FHC assumir, em 1994, a dívida externa era de US$ 148 bilhões. De 1994 a 1999, foram pagos US$ 251,7 bilhões de juros e amortizações. Em julho de 2000, a dívida é US$ 240 bilhões de dólares. A dívida interna antes de FHC era de R$ 60 bilhões. Em julho de 2000 é de R$ 540 bilhões. Todos os juros e amortizações das dívidas, externa e interna, poderiam ser revertidos em investimentos na saúde, na educação, na reforma agrária, na criação de indústrias, na construção de moradias, postos de saúde, etc., melhorando a qualidade de vida e não promovendo a Qualidade Total, que não é total para ninguém. Qual o destino de todos esses recursos? Quais as conseqüências desses desequilíbrios?

Enquanto alguns se destroem pelo excesso, muitos se matam por um tênis ou um trago de cachaça. Enquanto uma minoria esbanja no consumismo, a grande maioria suplica por uma migalha. Esta é a lei do mercado, a mão invisível que, para alguns, é a única capaz de regular preços, desenvolver um país e atender às necessidades individuais. Assim se destroem empresas, indivíduos e nações inteiras. A selvageria da globalização, via competição, entrega o controle da humanidade à meia dúzia de grandes empresários e banqueiros, capitaneados por governos de países ditos desenvolvidos, desencadeando, por meio do consumismo e da concentração de riquezas, a destruição do meio ambiente e a exclusão de cerca de 80% da população dos países mais pobres. Essa mão invisível, “o mercado”, esconde os verdadeiros responsáveis pelas chacinas, a miséria e a barbárie existentes hoje.

Não há Ética e nem Moral a ser aplicada quando autores desses crimes se escondem no anonimato das leis que regem as propostas do neoliberalismo. Assim, preservar a vida de milhões de brasileiros, cessando a sangria de divisas destinadas ao pagamento de juros da amortização das dívidas externa e interna, é a única e fundamental atitude ética. É fundamentalmente ético e moral lutarmos pela vida antes de pagar a dívida. O direito à vida, prescrito em todas as constituições democráticas, está acima de qualquer lei do mercado.

* Sociólogo, professor da Unisinos e diretor di Sinpro/RS

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