MOVIMENTO

Alca: livre comércio para quem?

Jéferson Assumção / Publicado em 4 de maio de 2001

Mesmo tendo de fechar as janelas para não ouvir o barulho dos manifestantes, a 6ª Reunião de Ministros de Comércio do Hemisfério, que durou seis dias em Buenos Aires, acabou definindo o 31 de dezembro de 2005 como data de início da Alca.

E se a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) não foi adiantada para 2003, como queriam os Estados Unidos, o que ocorreu foi sua consolidação. Não adiantaram os protestos, os pedidos de transparência e democracia no tratamento da Alca: os governos democraticamente eleitos das Américas e seus representantes estiveram na capital platina para dizer sim aos EUA.
Os movimentos sociais acusam: a Alca é uma zona de livre comércio que só beneficiará os países ricos e as transnacionais. Mais: trata-se, na verdade, de uma extensão do Nafta, o acordo da América do Norte entre EUA, México e Canadá, que teve um impacto desastroso na economia mais fraca daquele bloco: a mexicana. O que isso significa é que o “efeito tequila” pode estar de volta amanhã, em 2005, para o bem das multinacionais e o mal das indústrias e populações locais. Na Comunidade Européia, um acordo semelhante foi feito, mas com profundas diferenças. Primeiro, houve um plebiscito em todos os países para decidir a adoção do Euro. Aqui, o deputado Henrique Fontana está com projeto na Câmara propondo o mesmo plebiscito para os brasileiros decidirem se querem ou não entrar na Alca.

Na Europa, há pelo menos cinco fundos para equilibrar as diferenças de desenvolvimento entre os países, com França e Alemanha destinando dinheiro aos mais pobres, como Portugal e Irlanda. No caso da Alca, não: Brasil e outros ainda mais pobres vão competir de igual para igual com Estados Unidos e Canadá, sem nenhum benefício social. Foi contra isso que mais de 20 mil pessoas estiveram nos protestos de Buenos Aires dia 6 de abril. Vindas de vários cantos das Américas, foram para a rua contra a falta de diálogo, para exigir a participação da sociedade civil em um assunto que não interessa apenas aos capitalistas, mas a toda a população latino-americana. Promessa de bons negócios para as empresas mais fortes, a Alca significa também a deterioração das relações de trabalho, desemprego, salários mais baixos, mais horas trabalhadas, menos folga, mais destruição do meio ambiente. Foi este o tom de representantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Partido dos Trabalhadores (PT), Confederação Nacional dos Trabalhadores Argentinos (CTA) e muitas outras organizações presentes nos protestos.

Um estudo recente, da canadense Maude Barlow, – que é presidente nacional do Conselho de Canadenses, o maior grupo público em defesa dos cidadãos no Canadá e presidente do Fórum Nacional para a Globalização, em seu país – e divulgado na internet, mostra que a Alca deverá se constituir o maior e mais liberal acordo entre países do mundo. Não há mais presença de estado em praticamente todas as instâncias e inclusive setores como cultura e educação passam a não ser mais “monopólio” estatal. É o ideal de comércio neoliberal posto em prática no quintal latino-americano dos Estados Unidos, reclamam os sindicalistas e estudantes. A falta de democracia é um dos fatores que mais preocupa os trabalhadores neste período pré-implantação da Alca. O acordo está sendo gestado em sigilo, longe dos olhos da população, que será a mais duramente atingida pelo que for deliberado entre os 34 países envolvidos. Um exemplo disso é a tentativa de deixar a sociedade organizada longe dos encontros preparatórios. Dia 5 de abril, 24 ônibus com manifestantes brasileiros foram impedidos de entrar na Argentina, sob a alegação de que não mostravam “solvência econômica” suficiente para permanecer no país vizinho. Houve manifestações e invasão do consulado argentino em Paysandú, no Uruguai, na divisa com a cidade argentina de Colón, por cerca de 600 brasileiros. As centenas de pessoas portavam faixas, cartazes e bandeiras, que tomaram conta da paisagem às margens do rio Paraná. Os manifestantes ficaram por cerca de seis horas no local, onde gritaram palavras de ordem em frente à guarda da ponte. “Não tem democracia, o Mercosul é só pra burguesia”, “É na Colômbia, é na Argentina, é contra a Alca em toda a América Latina”, “Fora já, fora daqui, a Alca, Cavallo e o FMI”, “Brasil, Argentina, América Central. A luta operária é internacional”, “Chega de rapina, fora Alca da América Latina”, bradavam os trabalhadores e estudantes. Em Uruguaiana, onde outro grupo foi barrado, o grito era “O povo argentino é meu amigo. Mexeu com ele, mexeu comigo”. Foi mais uma das muitas manifestações que devem pipocar pelo mundo contra a Alca. Na cidade de Quebec, Canadá, prevendo-se mais manifestações de ruidosos rebeldes anti-Alca, um muro chegou a ser construído.

A Cúpula das Américas, dia 21, mostrou novamente que as democracias latino-americanas estão evitando como podem o debate público, o contato com a população, em prol de garantir interesses econômicos dos que, segundo os trabalhadores latino-americanos, serão os únicos beneficiados pela Alca: os grandes grupos privados.

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