MOVIMENTO

Ecológicos que dão pé

Paulo César Teixeira / Publicado em 20 de novembro de 2001

agricultura

Foto: René Cabrales

Foto: René Cabrales

Os pequenos agricultores da região de Três de Maio, no noroeste do Estado, estão aliando qualidade de vida a bons negócios. Há dois anos, a Cotrimaio – uma das cinco maiores cooperativas gaúchas, com seis mil associados em 12 municípios e faturamento de R$ 100 milhões anuais – estimula produtores a trocarem a soja convencional pelo produto orgânico, de olho na demanda cada vez maior do mercado de alimentos naturais nos países desenvolvidos. A iniciativa está mudando o perfil cultural da região. 131 produtores já aderiram à soja orgânica. 72 deles concluíram o período de conversão das lavouras numa área de 367 hectares e preparam-se para iniciar, este mês, o plantio da primeira safra que será exportada para a Europa, os Estados Unidos e o Japão – os demais agricultores ainda estão na fase de purificação do solo, que dura dois anos. A expectativa é colher, em abril de 2002, cerca de 500 toneladas. “A meta é integrar mil agricultores à proposta num prazo de dois anos”, afirma o presidente da Cotrimaio, Antônio Wünsch.

 

Três de Maio é apenas um dos exemplos de adoção bem-sucedida da agricultura sem a utilização de adubos químicos e pesticidas. Atualmente, 3.370 famílias de agricultores gaúchos desenvolvem culturas a partir de técnicas ecológicas, ocupando área de 13 mil hectares em 162 municípios, de acordo com dados da Emater/RS. Há dois anos, eram pouco mais de mil famílias que plantavam 2,5 mil hectares sem o uso de venenos. Ao mapear a agricultura orgânica no Estado, a Emater constatou que os pólos de produção se pulverizaram, atingindo praticamente todas as regiões.

Ainda incipiente no Brasil, o mercado de alimentos orgânicos está em franca expansão na Europa. Em 1999, o presidente da Cotrimaio viajou para a França e a Inglaterra. “Na Inglaterra, tivemos acesso a uma pesquisa realizada por grandes supermercados, indicando que 20% dos ingleses queriam consumir alimentos acima de qualquer suspeita, mas apenas 3% tinham acesso a eles”, relata Wünsch. O passo seguinte foi garantir a certificação da soja de Três de Maio através da Ecocert – empresa de origem francesa presente em 70 países. A certificadora controla a qualidade do produto do plantio à industrialização. “Além de proibir o uso de pesticidas e adubos químicos, vasculhamos a origem genética das sementes, com testes de DNA nas folhas da planta, e verificamos até se as máquinas usadas para lavrar a terra não estão contaminadas por venenos de outras lavouras”, diz João Augusto de Oliveira, secretário-executivo da Ecocert Brasil.

Antenor Desconsi, 53 anos, dono de uma propriedade de 13 hectares em Três de Maio, há dois anos adotou a agricultura orgânica. “Mudei por uma questão de consciência”, afirma. O conselho, para entrar no novo filão, ele recebeu em casa, de um dos quatro filhos – Cristiano, 22 anos, formado em Agroecologia, em Braga, a 50 km de Três de Maio. No primeiro ano, Desconsi plantou um hectare de soja orgânica. No segundo, ampliou para cinco hectares. O entusiasmo foi tanto que decidiu desenvolver a produção de leite orgânico. “As minhas vaquinhas são todas tratadas à homeopatia”, esclarece. O produtor esfrega os dedos pensando na lucratividade que terá ao exportar a soja orgânica no próximo ano. “Em relação à soja convencional, vou faturar o dobro e mais um pouquinho”, prevê. O agrônomo Onairo Freitas Sanches, gerente da Cotrimaio, é mais cauteloso. “O preço varia conforme as oscilações do mercado internacional. Este ano, a saca de 60 quilos da soja orgânica para consumo humano chegou a valer US$ 20, o dobro do produto convencional. Para 2002, é de se esperar uma diferença de preço menor, de 40% a 50%.”

A experiência de Três de Maio, voltada para o mercado externo, ainda é exceção. A maior parte dos orgânicos produzidos no Estado é comercializada na própria região ou em feiras ecológicas dos principais centros urbanos, que se expandem rapidamente. Em Porto Alegre, por exemplo, o número de feiras que vendem só produtos orgânicos aumentou de duas para dez, em cinco anos. Algumas cooperativas formaram uma rede de distribuição solidária – a Ecovida –, que espalha os alimentos em todas as regiões do Estado e também pelo interior de Santa Catarina e Paraná. “O caminhão chega aqui abarrotado de grãos e retorna ao local de origem carregado de frutas”, exemplifica Paulo Lenhart, diretor da Ecocitrus (Cooperativa de Citricultores Ecológicos do Vale do Caí).

Fundada em 1994, a Ecocitrus capta resíduos de origem vegetal e animal, como cascas da acácia negra, cinza de lenha e gordura e sangue do gado sacrificado em frigoríficos, para transformá-los em biofertilizantes. São 450 famílias de agricultores que faturam R$ 800 mil anuais, produzindo 15 mil toneladas de frutas (o carro-chefe é a bergamota do Caí) em 450 hectares de pomar. “Até 2003, ampliaremos para mil hectares. Em dez anos, esperamos contar com 500 famílias numa área de 3 mil hectares”, planeja Lenhart.

Como está o mercado
Embora tenha aumentado consideravelmente, a área ocupada pela agricultura orgânica ainda é modesta – algo entre 1,5% e 2% do total de área plantada no Estado. A expectativa da Emater é de um crescimento anual de 20%. A ampliação das lavouras ecológicas é motivo de comemoração, mas traz à tona novos problemas. Um deles é o preço elevado pago pelo consumidor. A justificativa é a de que o produto é de melhor qualidade e exige mão-de-obra intensiva no campo. Além disso, na ausência de aditivos químicos, o desenvolvimento das lavouras é 40% mais demorado em relação ao plantio convencional, com perda de 30% da produção.

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