Iuri tem 11 anos e na escola, ao contrário de muitas crianças da sua idade, adora matemática. “Tenho a melhor nota da turma”, orgulha-se. O menino, morador do assentamento 16 de Março, localizado no município gaúcho de Pontão, é um dos cerca de 8.000 alunos das escolas de assentamentos e acampamentos mantidas, desde 1985, pelo Movimento Sem Terra, no Rio Grande do Sul. As boas notas e o gosto de Iuri pela matemática podem ser explicados principalmente pela forma como a disciplina é abordada em sala de aula: baseada no método Paulo Freire, traz problemas reais, conectados com a vida das crianças e de suas famílias. Desta forma, não só a matemática, mas todas as disciplinas e conceitos trabalhados na escola extrapolam suas fronteiras e estabelecem uma relação de troca constante com a comunidade, revertendo em benefícios para o assentamento, sejam eles intelectuais, de organização ou economia.
Conforme a pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Unisinos, Gelsa Knijnik, em muitas escolas é realizado um trabalho em que os conhecimentos da comunidade, do mundo fora da escola, são tomados como objeto de estudo das disciplinas e os conhecimentos produzidos são partilhados também pela comunidade, num duplo movimento: comunidade-escola e escola-comunidade. A professora, que há 11 anos realiza pesquisas junto ao movimento, conta que na Matemática, assim como nas demais disciplinas, são estabelecidas outras formas de aprender e ensinar. “Na educação Matemática, principalmente na perspectiva da Etnomatemática, procuramos entender a produção de saberes ligados à cultura, com os modos de viver e significar o mundo dos grupos com os quais trabalhamos”.
Gelsa relembra o exemplo do trabalho realizado na Escola Nova Sociedade, no assentamento Itapuí, em Nova Santa Rita, que tomou como objeto de estudo os financiamentos agrícolas, que o governo oferece aos assentados. “O projeto envolvia a análise do perfil da dívida de cada grupo de assentados e ao mesmo tempo em que os jovens estavam aprendendo matemática iam conhecendo melhor a sua própria realidade. Ao discutirem com a comunidade os resultados preliminares do trabalho, houve um grande interesse dos assentados em problematizar as questões apresentadas e buscar soluções para melhor se organizarem para pagar as dívidas. O envolvimento dos jovens no processo teve repercussões do ponto de vista estritamente escolar, com a introdução de conteúdos de Matemática não tradicionalmente incluídos no currículo, relacionados com contabilidade e contratos de empréstimos bancários. Ao final eles não aprenderam apenas mais um algorítmo matemático, mas sim ensinamentos que vão fazer diferença na vida deles” diz Gelsa.
Para a professora da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, Marlene Ribeiro, as escolas mantidas pelo MST unem trabalho e formação, e se articulam com a produção, o meio ambiente e o mercado, se constituindo num pólo cultural. “É um espaço integrado e integrador de experiências, de aprendizados, de participação, de produção de novos conhecimentos, de constituição de identidades, pessoais e coletivas na luta por direitos e contra a discriminação, é uma escola estratégica para desenvolver o campo na perspectiva de uma agricultura ecológica e sustentável”, completa.
Seguindo esse raciocínio, Gelsa relata o projeto desenvolvido sobre a produção de melão. “Acompanhamos durante um ano, com alunos da pré-escola a oitava série, o processo de produção da fruta, desde seu planejamento, definindo a área que iriam plantar, como iriam plantar, estudando os modos de produzir o melão. Não se tratava de ensinar aos alunos os procedimentos do cultivo, pois isso eles aprendem com os pais, no seu cotidiano. Junto com o agrônomo problematizávamos diversas questões, como o uso de agrotóxicos, já que o movimento está muito interessado na produção ecológica. As discussões que nós fazíamos na escola eram partilhadas com a comunidade”.