MOVIMENTO

A explosão da blogosfera

Por Marco Aurélio Weissheimer / Publicado em 22 de novembro de 2006

Um novo mundo dentro de um velho mundo. A blogosfera expande-se pela internet, articulando um número cada vez mais crescente de comunidades e interações – e buscando novas formas de linguagem. O potencial desse novo mundo já é visível no debate político, mas não se limita a ele. Os blogueiros estão em busca de uma nova forma para exercer a prosa do mundo.

Uma das possíveis maneiras de se descrever o ano de 2006 é dizer que foi o ano em que a blogosfera viveu seu big bang. Explodiu e se esparramou pela internet com uma velocidade avassaladora. A proliferação de blogs de todos os tipos imagináveis, tratando sobre todos temas possíveis, abriu um novo, rico e inovador espaço de comunicação. Um espaço que ainda não foi dimensionado e bem entendido. O que se sabe, sem sombra de dúvida, é que ele não pára de crescer. A disputa eleitoral de 2006, por exemplo, está sendo travada na internet como nunca foi antes. Não se trata mais apenas de mensagens enviadas por e-mail ou publicação em sites. A novidade é a articulação de uma rede de blogs, fotoblogs e sites que trocam informações e opiniões de modo quase instantâneo. A velocidade da palavra acelerou-se de um modo frenético.

Mas não se trata apenas de maior velocidade. Esse é um aspecto técnico que anda de mãos dadas com uma busca frenética por novas formas de linguagem. O que é a blogosfera afinal?

Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), César Schirmer é um ativo agente da blogosfera gaúcha (se é que se pode utilizar adjetivos geográficos para falar desse terreno). Em “O Incrível Exército Blogoleone” (http://blogoleone.blogspot.com), um blogcoletivo do qual participa, ele tenta definir a natureza desse novo fenômeno.

“O que é a blogosfera? Inútil buscar a resposta em enciclopédias e fontes de perguntar ao oráculo, o Google. Escrevo “define: blogosfera” no campo de busca. O oráculo diz: “ Espaço virtual onde ficam todos os blogs; mundo dos bloggers”. A fonte da informação é um “Pequeno Glossário da Blogosfera”. A Wikipédia (enciclopédia livre virtual, construída coletivamente e que, desde sua fundação, em 2001, já reúne mais de 5 milhões de artigos em 229 línguas diferentes) traz no artigo sobre a blogosfera:

“Blogosfera é o termo coletivo que compreende todos weblogs (ou blogs) como uma comunidade ou rede social. Muitos blogs estão densamente interconectados; blogueiros lêem os blogs uns dos outros, criam enlaces para os mesmos, referem-se a eles na sua própria escrita e postam comentários nos blogs uns dos outros. […] O conceito de blogosfera é importante para a compreensão dos blogs. Os blogs, eles mesmos, são, essencialmente, apenas o texto publicado dos pensamentos de um autor, enquanto a blogosfera é um fenômeno social.”

A blogosfera como mundo do pensamento

César Schirmer acrescenta: “A blogosfera caracteriza-se por conter páginas da internet feitas por pessoas que manifestam seus gostos e opiniões sobre o que lhes interessa. Os blogueiros alimentam seus blogs com fotos e relatos do cotidiano e também com material de sítios da internet, principalmente de outros blogs. Eis o aspecto social da blogosfera. Em sentido amplo, a blogosfera é o mero agregado de blogs. Em sentido estrito, a blogosfera é mais do que um agregado, pois é uma comunidade na qual opiniões e contribuições de um blogueiro são ecoadas pelos outros”.

O termo “blogosfera”, observa ainda Schirmer, foi cunhado em 10 de setembro de 1999 por Brad L. Graham como uma piada. “Ele foi recunhado em 2002 por William Quick e foi rapidamente adotado e propagado pela comunidade de blogs sobre guerras em curso (warblogs). Muitos continuaram a tratar o termo como uma piada. Todavia, a mídia estadunidense – o programa Morning Edition da National Public Radio, Day To Day, All Things Considered e outros – começaram a usar o termo várias vezes para discutir opinião pública.

Acidentalmente ou não, o termo tem similaridade com a palavra mais antiga “logosfera”. “Logo” significa muitas coisas, principalmente “palavra”, e “esfera” pode ser interpretado como “mundo”, resultando em “o mundo das palavras”, o universo do discurso. O termo também aproxima-se na pronúncia e no significado do termo “noosfera”, “o mundo do pensamento”.

Um novo espaço para o debate político…

César Schirmer lembra, por fim, para aqueles que a consideram um fenômeno menor, algo que ocorreu recentemente na política brasileira: a campanha “Xô Sarney!”, promovida pela blogueira Alcinéa Cavalcante (http://alcineacavalcante.blogspot.com), é um exemplo de impacto da blogosfera do debate político. O candidato a senador José Sarney chegou a publicar no blog da Alcinéa um direito de resposta, sob determinação do Tribunal Regional Eleitoral do Amapá.

E é justamente no terreno da política que a blogosfera mostrou todo seu potencial. Nos últimos meses, ficou claro que algo mudou na estrutura midiática brasileira do ponto de vista de sua capacidade de formação de opinião. O jornalista Luís Nassif, ele próprio um blogueiro (http://luisnassif.blig.ig.com.br), disse, em entrevista ao site Vermelho (http://www.vermelho.org.br), que a grande mídia cometeu suicídio editorial nestas eleições. Ele descreve assim a natureza desse suicídio: “No começo do ano passado, alguns colunistas – não-oriundos da imprensa propriamente dita –, intelectuais e pessoas do showbiz, basicamente o (Arnaldo) Jabor e o Jô (Soares), começaram uma crítica mais pesada ao Lula e ao PT. Essa crítica, em um determinado momento, resvalou para uma posição de intolerância e teve eco na classe média. Quando teve eco, aconteceu algo que, para mim, é o mais inacreditável que eu já vi em mais de 30 anos de jornalismo: a Veja entrou na parada e começou a usar aquele estilo escabroso. Foi inédito em termos de grande imprensa – e um suicídio editorial. Agora, aquele estilo acabou batendo aqui, em São Paulo, em alguns círculos do Rio de Janeiro, induzindo a mídia a apostar na queda do Lula. Quando não conseguiu derrubar Lula, a mídia enlouqueceu. E então todos os jornais caminhavam na mesma direção. Isso não existe. Todo mundo endoidou”.

Essa loucura, acrescenta Nassif, encontrou um forte contraponto justamente na blogosfera: “na medida em que se criou essa unanimidade na mídia, você descartou públicos: o público engajado, que tem seu pensamento – a favor do Lula e do Governo – , e que de repente percebeu que não havia nenhum veículo que fosse justo; e o segundo é um público menor, mas muito influente, que é o público dos formadores de opinião bem-informados. Com aquela simplificação com que veio a cobertura, esses setores acabaram desiludindo-se com a imprensa. Tudo isso surgiu em um momento em que a internet já tinha massa crítica aí, com os blogs e tudo, para fazer contraponto. E entre os blogs tem de tudo. Aquela diversidade que os jornais ainda tinham e perderam, o pessoal foi buscar na internet. E uma coisa a gente aprende com os blogs: se houver 20 blogs falando ‘’A’’, basta um blog falando ‘’B’’ de forma consistente, que ele inverte e desmascara. Há a interação entre os blogs e seus leitores. Os blogs emergiram como uma alternativa”.

…e para as tramas do cotidiano

Mas o mundo da blogosfera está longe de se resumir à política. Ele começa a penetrar as mais diversas esferas da sociedade. Um exemplo: “Taxistas são terríveis: reparam em tudo. Alguns, o que é pior, ainda escrevem na internet”. Esse é o texto de apresentação do blog Taxitramas (http://www.taxitramas.blogger.com.br), do taxista porto-alegrense Mauro Castro. Nascido em Viamão, Mauro é taxista há 20 anos em Porto Alegre, além de ser músico e escritor. Em sua coluna semanal no Diário Gaúcho e em seu blog na internet, ele faz uma crônica do cotidiano dos taxistas de Porto Alegre, com um texto ágil e muito bem-humorado. Ele aproveita o verso de panfletos que recebe nas sinaleiras para redigir os textos que depois irão para o blog. O trabalho de Mauro virou um livro, Taxitramas lançado pela Editora Sulina. A linguagem com que narra suas experiências cotidianas é um exemplo do potencial literário da blogosfera:

“Quando me arrependi de ter parado o táxi, já era tarde – o gaúcho já havia soltado o poste e se agarrado à porta do meu carro. Só então percebi o estado lamentável em que se encontrava o vivente: duro da cachaça! O gaúcho estava saindo do Acampamento Farroupilha, no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho, pilchado do chapéu às esporas. Usava um pala de lã, encharcado da chuva e cheirando a fumaça, um chapéu quebrado na testa, de beijar santo em parede, e umas botas sujas de barro e esterco. Isso sem falar no bafo ardido de cachaça e cigarro, que exalava quando ele falava. Disse que era trovador e visitante do Piquete Oitavados no Balcão. Mas bah, tchê! A corrida transcorria bem até que o gaúcho puxou uma faca, que trazia atravessada nas costas, e pediu para fumar. Consenti, é claro, não sou louco de contrariar um bêbado armado. Com a faca, então, ele começou a picar um rolo de fumo. Imaginem um borracho, dentro de um carro em movimento, fechando um cigarro de palha. Sobrou fumo picado por todo o táxi. Mas isso não foi o pior.”

“A situação ficou crítica quando o gaudério deixou cair o cigarro, já aceso, entre o banco e a porta. Eu descia a Avenida Silva Só e, bem no momento em que entrava à esquerda, na Ipiranga, o bebum resolveu abrir a porta para pegar o cigarro. Foi um deusnos-acuda. Sem cinto, o gaúcho tastaviou e foi-se indo rumo à rua. Terminei de fazer a curva com uma mão no volante e a outra puxando o gaudério pelo pala. Parei o táxi em seguida e botei o bebum pra fora. Deixei-o agarrado noutro poste, assustado, com a bombacha fedendo uma barbaridade!”

Em busca de novas formas de narrar o mundo

Outro terreno que vem sendo cada vez mais explorado pelos blogueirosé o da poesia. Um dos exemplos mais bem sucedidos no Rio Grande do Sul é o Margarida Inventada (http://margaridainventada.blogspot.com). Nele, é possível começar o dia, por exemplo, lendo um poema de Carlos Drummond de Andrade:

Casas entre bananeiras
Mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.

Um homem vai devagar
Um cachorro vai devagar
Um burro vai devagar

Devagar… as janelas olham

Eta vida besta, meu Deus.

A diversidade narrativa e temática da blogosfera lembra o programa lançado pelo grupo Wu Ming, na década de 1990. Naquela época, na cidade italiana de Bolonha, um grupo de jovens escritores italianos que gostavam de contar histórias decidiram criar uma espécie de autor coletivo. Na primavera de 1994, eles deram um nome ao grupo: Luther Blissett, um bandido virtual imaginário. Na verdade, queriam mais do que contar histórias. Queriam criar uma nova forma de contá-las. Uma forma baseada na produção de mitos e símbolos, a partir do imaginário popular e da história de sua comunidade. Mas não se tratava apenas de um experimentalismo estético. Eles estavam interessados em questionar princípios básicos da indústria cultural contemporânea (como o da propriedade intelectual) e da linguagem política utilizada pela esquerda oficial italiana. A experiência de Luther Blissett foi bem-sucedida e deu origem a um novo projeto, o Wu Ming, um coletivo literário que acredita que o rosto da revolução é o da multidão e sua história vivida. Um coletivo sem um rosto único, mas sim composto por uma enorme multiplicidade de rostos e narrativas.

A blogosfera reatualiza as idéias que deram origem ao Wu Ming. O crescimento do universo dos blogs é alimentado por uma crescente compreensão de que a linguagem midiática corrente está baseada em um modelo fossilizado e ineficaz que, entre outros problemas, não comunica paixões, emoções e sentimentos. Não comunica a idéia de uma comunidade ativa, de uma comunidade que vivencia experiências diárias e que tem uma percepção própria de sua própria identidade como comunidade. Uma percepção que é completamente desprezada pela grande mídia. Como o Wu Ming, a blogosfera aposta na narração aberta, na comunicação contínua das idéias e da experiência.

A explosão da blogosfera confirma a previsão feita pelo grupo italiano, ainda na década de 1990, que, a partir da Internet e do desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação e de compartilhamento de informações, iria constituindo-se uma dimensão produtiva mais comunitária, coletiva, horizontal e não-hierárquica. A centralização da cultura da era industrial começa a ser minada desde baixo. Ainda é impossível dimensionar o tamanho e a natureza das fissuras que estão sendo abertas. O que já é possível dizer é que está disseminando-se uma estrutura informal muito mais horizontalizada.

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