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Nova polêmica em torno do tabaco

Setor produtivo resiste às restrições propostas pela Anvisa ao uso de aditivos nos cigarros e definição ficará para o segundo semestre de 2011. Encolhimento do mercado é tendência mundial
Por Jacira Cabral da Silveira / Publicado em 6 de maio de 2011

Ficou para o segundo semestre a definição das novas restrições para o comércio dos derivados do fumo no Brasil, encaminhadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) através de duas consultas públicas, que tratam da restrição da forma de venda de cigarro e a proibição da adição de ingredientes que modifiquem o sabor do produto. As mais de 220 manifestações, contrárias às mudanças encaminhadas pela Câmara Setorial do Tabaco, órgão que congrega diferentes ministérios, suscitou polêmica dentro e fora da Câmara.

Alegando diminuição dos postos de trabalho, que atualmente chegam a 2.5 milhões, o presidente do SindiTabaco, Iro Schünke, defende que a implantação das propostas “deve gerar gravíssimos impactos sociais e econômicos em toda a cadeia produtiva do tabaco. Representa um perda de renda no campo para mais de 222 mil pequenos produtores de tabaco (foram R$ 4,6 bilhões em 2010), afetando mais de 1.048 milhão de pessoas no meio rural do Brasil”.

“Trata-se de uma ameaça real à liderança brasileira no mercado mundial de tabaco, como maior exportador – o que gerou em 2010 divisas da ordem de US$ 2,7 bilhões – e segundo maior produtor,” continua o sindicalista. Ele destaca ainda o perigo da redução de divisas na exportação; a redução na arrecadação atual de R$ 8,5 bilhões em impostos. Na avaliação do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Candelária, Juares Cândido da Rosa, as duas consultas da Anvisa afetariam a cadeia produtiva, assim como as anteriores já têm repercutido negativamente junto ao produtor. Mas ele assegura que a Anvisa já assumiu o compromisso de suspender e reanalisar a questão: “Até porque o setor não foi chamado para discutir antes das consultas”, critica.

Indústria pesquisa sabores mais atraentes para crianças e adolescentes

Foto: Igor Sperotto

Indústria pesquisa sabores mais atraentes para crianças e adolescentes

Foto: Igor Sperotto

O dirigente reconhece que essa mudança de atitude por parte do governo e da própria Anvisa só ocorreu pela forte pressão por parte das entidades, dos prefeitos, vereadores e deputados, apresentando justificativas de fundo econômico e social. “Para a nossa região – ilustra Juares – é uma questão social que envolve muitas famílias que hoje não teriam como viabilizar outras alternativas, até porque implica custos altos. O poder público teria que investir muito para viabilizar essas alternativas”.

Juares, entretanto, afirma que a Fetag concorda com algumas restrições previstas nas consultas como a adição de produtos que não são do próprio fumo com o objetivo de torná-lo mais atraente: “A Fetag não defende as demais misturas que a indústria venha a pôr no produto para torná-lo mais atrativo ao fumante”. Por outro lado, a federação é favorável à reposição do açúcar no fumo burlei, por avaliar que ao fazer isso o produtor só está recuperando uma substância que a planta já teria naturalmente, mas que perde em função do sistema de secagem.

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Foto: Igor Sperotto

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CONVENÇÃO QUADRO– Em 2005, quando o Congresso Nacional aprovou o texto da Convenção-Quadro sobre Controle do Uso do Tabaco, adotada pelos países membros da Organização Mundial de Saúde em 2003, o Brasil assumiu o teor da Convenção como política de saúde. Essa é a interpretação da médica Tânia Cavalcante, coordenadora da secretaria executiva da Comissão Nacional para Implementação da Convenção Quadro (Conic), organismo especialmente criado para estudar a regulação do acordo internacional em solo brasileiro. Neste sentido, ela considera que as duas últimas consultas públicas promovidas pela Anvisa vêm apenas cumprir o que consta nos Artigos 9 e 10 da Convenção- Quadro que dizem respeito às regulamentações do conteúdo dos produtos de tabaco e da divulgação das informações sobre esses produtos, respectivamente.

De acordo com a secretária, a Conferência das Partes, ocorrida em novembro do ano passado, na qual compareceram representantes dos países que adotaram a Convenção-Quadro, uma das diretrizes mais debatidas foi a necessidade de proibir aditivos nos cigarros, para reduzir a sedução dos primeiros fumantes: “Os próprios documentos das indústrias mostram como eles pesquisam os sabores mais atraentes para crianças e adolescentes”.

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Foto: Igor Sperotto

Foto: Igor Sperotto

Para o economista rural, Leonardo Xavier, que já realizou pesquisa de mercado para o SindiTabaco, a polêmica atual em torno da indústria fumageira vem na esteira de regras maiores que são orquestradas pelo Ministério da Saúde, tendo total apoio do Instituto Nacional do Câncer (Inca), que ocupa forte espaço no debate e nas decisões relativas ao consumo de cigarro: “Provavelmente esse seja um dos fatores para aumentar a frequência de normatizações restritivas ao consumo e à produção do cigarro”.

Por outro lado, Xavier considera que tanto o Inca como os demais segmentos envolvidos na discussão do fumo, não podem desconsiderar quaisquer encaminhamentos à consulta da Agência, “ainda que estejam visivelmente ligadas ao setor produtivo, eles se constituem em manifestações públicas”, explica, “mas terão que ser relativizadas”, adverte.

Destaque Mundial

O Brasil é líder mundial na exportação de fumo em folha, só perdendo para a China. Em 2008, a cadeia produtiva do fumo gerou 8 bilhões e meio de tributos para o país. No cenário nacional, a Região Sul concentra a produção brasileira, onde o Rio Grande do Sul é responsável por 50%, Santa Catarina por 30% e o Paraná por 15% dessa produção. Exclusivamente caracterizada pela agricultura familiar, a cultura gaúcha do fumo compreende cerca de 100 mil famílias de um total nacional de 223 mil famílias, o que corresponde a 800 mil pessoas envolvidas com o plantio do fumo no estado.

Nos últimos 25 anos, o consumo de fumo no Brasil está relativamente estável, algo em torno de 4 a 5 bilhões de maços/ano. A produção do cigarro corresponde à terceira etapa no ciclo do tabaco, e no Brasil ela está concentrada nos estados do Rio Grande do Sul, Paraná e Rio de Janeiro, onde há mais de cem anos encontra-se a sede da Souza Cruz no país. Líder no mercado mundial, a Souza Cruz é subsidiária da British American Tobacco, empresa britânica que na primeira metade do século 20 começou um processo de expansão de fronteiras, quando compra a Souza Cruz no início da década de 20.

De acordo com Tânia Cavalcante, existe um programa do Ministério da Agricultura, “infelizmente pouco divulgado”, que propõe a diversificação de produção em áreas cultivadas com tabaco. Os Estados Unidos, conforme Xavier, é exemplo neste sentido, pois já desenvolveu programa nacional de apoio aos produtores de fumo para que eles mudassem sua fonte de renda.

Questão de Saúde

O hábito do fumo é modernamente diagnosticado como doença pediátrica porque 90% dos fumantes começa a fumar antes dos 19 anos, e a idade média de iniciação é de 15 anos. De acordo com dados do Inca (Instituto Nacional do Câncer) dos cerca de 1,25 bilhão de fumantes no mundo, mais de 30 milhões são brasileiros. Conforme Tânia Cavalcante, o cigarro é responsável por 90% dos casos de câncer de pulmão e dos seis tipos de câncer com maior índice de mortalidade no Brasil, metade (pulmão, colo de útero e esôfago) tem o cigarro como um de seus fatores de risco.

O Ministério da Saúde, entretanto, divulgou no dia 18 de abril os resultados de pesquisas recentes que comprovam que, nos últimos cinco anos, a proporção de fumantes na população geral caiu de 16,2% para 15,1%, sendo que a redução mais expressiva ocorreu entre os homens. O estudo foi realizado no período de 2006 a 2010. Em 1989, quando o número começou a ser pesquisado, a quantidade de fumantes era equivalente a 34,8% na população.

Deborah Malta, coordenadora-geral do Departamento de Análise da Situação da Saúde do Ministério da Saúde, menciona algumas das medidas que explicam essa redução: “Em 12 anos nós reduzimos isso e atribuímos muito a uma política do governo federal e também da sociedade civil tanto regulando quanto proibindo a propaganda, o que desestimulou muito o fumo junto aos estudantes, como também estabelecendo programas por exemplo de ambientes livres de cigarro, colocando figuras nos maços de cigarro que desestimulam a população. Com isso nossos jovens têm fumado menos”. Para Tânia Cavalcante, entretanto, ainda há muito que ser feito.

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