Foto: Diego Pellizari/Cimi/Divulgação
Os assassinatos de pessoas que defendem os direitos humanos no Brasil são uma prática histórica que tende a aumentar nos próximos meses, porque o Programa que devia protegê-los também está em risco. O alerta é de representantes de entidades responsáveis pelo monitoramento e apoio às lutas por direitos de indígenas, populações ribeirinhas, quilombolas e camponeses que ousam contrariar os interesses econômicos e políticos de latifundiários, grileiros, plantadores de soja, exploradores de madeira e outras riquezas. Paralelamente, crescem os casos de criminalização de ativistas sociais por participação em manifestações e protestos.
No dia 11 de outubro de 2016, João Natalício dos Santos Xukuru-Kariri foi assassinado a facadas na porta de sua casa, na aldeia Fazenda Canto, Terra Indígena Xukuru-Kariri, em Alagoas. Ele havia participado no dia anterior da abertura do 2º Seminário Pedagógico: A Caminhada dos Guerreiros e Guerreiras Xukuru-Kariri, que lembrou a luta de Maninha Xukuru-Kariri, primeira mulher a fazer parte da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo. Seu João, como era chamado, defendia os direitos dos povos indígenas do Nordeste. Os tiros disparados contra Luís Alberto Araújo, secretário municipal de Meio Ambiente da cidade de Altamira, no Pará, dois dias depois, conseguiram um espaço um pouco maior nos noticiários, mas foi só. Em Altamira, Araújo lutou pela instalação do saneamento urbano e o licenciamento do aterro sanitário da cidade, e conseguiu implantar o cadastro ambiental para combater o desmatamento.
Ameaças e assassinatos de defensoras e defensores de direitos humanos no país têm sido uma prática recorrente, reforçada pela impunidade destes crimes. Essa situação é ainda mais preocupante quando se sabe que houve cortes de verbas e pessoal do Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH) e que o Decreto Presidencial nº. 6.044/2007 que instituiu a política nacional de proteção aos defensores dos direitos humanos, até outubro de 2016 não foi regulamentado por um marco legal. O PPDDH foi criado em 2004 para funcionar junto à Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República com o objetivo de adotar medidas que garantissem a vida destas pessoas e articular políticas públicas para superar o problema estrutural que gera a vulnerabilidade do defensor ou do movimento social.No dia 11 de outubro de 2016, João Natalício dos Santos Xukuru-Kariri foi assassinado a facadas na porta de sua casa, na aldeia Fazenda Canto, Terra Indígena Xukuru-Kariri, em Alagoas. Ele havia participado no dia anterior da abertura do 2º Seminário Pedagógico: A Caminhada dos Guerreiros e Guerreiras Xukuru-Kariri, que lembrou a luta de Maninha Xukuru-Kariri, primeira mulher a fazer parte da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo. Seu João, como era chamado, defendia os direitos dos povos indígenas do Nordeste. Os tiros disparados contra Luís Alberto Araújo, secretário municipal de Meio Ambiente da cidade de Altamira, no Pará, dois dias depois, conseguiram um espaço um pouco maior nos noticiários, mas foi só. Em Altamira, Araújo lutou pela instalação do saneamento urbano e o licenciamento do aterro sanitário da cidade, e conseguiu implantar o cadastro ambiental para combater o desmatamento.
O Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, formado por 23 organizações da sociedade civil e movimentos sociais, incluindo Artigo 19, Terra de Direitos, Justiça Global, Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e Comissão Pastoral da Terra (CPT), denunciou o risco gerado pelo desmantelamento do Programa e o aumento de ameaças, mortes, intimidações, estigmatização, criminalização, vigilância e assassinatos de defensores/as à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA). E fez um relatório sobre direitos humanos paralelo ao do governo brasileiro, que será apresentado na reunião das Nações Unidas em Genebra, em março de 2017.
Entre outras constatações, o documento elaborado pelo Comitê diz que, no plano legislativo, muitos deputados ligados às bancadas religiosa, de agronegócio, indústria de armas e mercado têm interesses econômicos nestas áreas, e atuam de maneira desfavorável aos direitos humanos. E mais: “Constata-se um abandono do Estado brasileiro a políticas estruturantes de democratização da terra, garantia de territórios de populações tradicionais, gestão dos recursos naturais e promoção de políticas sociais. As decisões políticas seguem a lógica do mercado internacional, produzindo grande pressão sobre as terras e territórios ocupados e/ou reivindicados e sobre bens comuns por povos indígenas, comunidades tradicionais e pelos camponeses sem terra”.
O Comitê está preocupado também com as mortes e ameaças no cenário urbano, em ocupações, contra a população LGBT, profissionais do sexo, juventude negra, lideranças comunitárias, mídia-ativistas de favelas e periferias. O relatório cita ainda o recrudescimento da criminalização e da violência contra os sujeitos sociais, coletivos e indivíduos, defensores e defensoras de direitos humanos, principalmente a partir do projeto de lei aprovado em março de 2016 que tipifica o crime de terrorismo.
Foto: Laila Menezes/Cimi/Divulgação
Paulo César Moreira Santos, integrante da coordenação nacional da CPT, lembra que, ainda no governo da presidenta Dilma Rousseff, o Decreto nº 8724/2016 instituiu o Programa Nacional de Defensores de Direitos Humanos e criou um Conselho Deliberativo. Porém, restringiu o alcance do PPDDH somente para as pessoas em situação de ameaça e excluiu do Conselho a participação da sociedade civil, mantendo apenas dois membros da SEDH e um membro do Ministério da Justiça. Sendo que, no atual governo, a SEDH foi incorporada ao Ministério da Justiça e, como diz o relatório do Comitê, “notoriamente, não possui uma composição política favorável aos defensores e defensoras de direitos humanos”.
Rio Grande do Sul não renovou convênio
Atualmente, segundo dados do Comitê Brasileiro, seis dos 26 estados possuem programas de proteção. E, destes, apenas quatro estão em funcionamento: Pernambuco, Ceará, Espírito Santo e Minas Gerais. Na Bahia e no Maranhão, há convênios assinados, mas não em funcionamento. O convênio do Estado do Rio Grande do Sul com o governo federal encerrou em 2015 e não foi renovado. Cabe ao Conselho Estadual de Defensores de DH do RS acolher denúncias e fazer encaminhamentos. “O Conselho está se reunindo, mas não há uma iniciativa propositiva para fazer acompanhamentos”, observa Roberto Antonio Liebgott, coordenador do Conselho Indigenista Missionário (CIMI Sul).
O relatório do Comitê salienta que há complicações nos convênios e nos repasses de recursos. Além disso, a Portaria nº 611, de junho de 2016, paralisou o funcionamento de todas as áreas relacionadas a Direitos Humanos por 90 dias, tendo sido renovada até o final de 2016. A Anistia Internacional cobrou uma posição do Ministério da Justiça sobre a paralisação do Programa, que vai na contramão dos tratados internacionais firmados pelo governo brasileiro. Não obteve resposta. O corte de recursos afetou, por exemplo, o acolhimento das pessoas que necessitam de proteção.
Em resposta por e-mail às perguntas do Extra Classe sobre o desmantelamento do PPDDH, a assessoria de Comunicação do Departamento de Divulgação e Promoção da Temática dos Direitos Humanos da SEDH negou o corte de verbas e informou que, em 2016, o orçamento foi de R$ 3.700.000,00 e em 2017 está previsto um orçamento de R$ 4.600.000,00. Acrescentou que os recursos, em sua totalidade, se destinam à execução do Programa Federal e Programas Estaduais. Salientou que o PPDDH tomou conhecimento dos assassinatos ocorridos, “contudo as pessoas assassinadas não estavam incluídas ou demandadas para inclusão nesta política, o que impediu qualquer medida protetiva por este programa”. Atualmente, há 396 defensores e defensoras sob proteção do PPDDH.
Sandra Carvalho, coordenadora geral da ONG Justiça Global, participou de reunião da Comissão Permanente de Defensores/as de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Direitos Humanos com representantes da SEDH em outubro e ouviu resposta semelhante: a SEDH está analisando os convênios. “Está em análise há meses. Enquanto estão analisando, o programa não funciona”, adverte Sandra. E acrescenta: a SEDH pode ter renovado alguns convênios, mas não o principal, de nível nacional, que permite à equipe técnica viajar para os estados onde o Programa não foi implementado, ou ainda retirar defensores/as em situação de emergência e instalar equipamentos de segurança. “Na prática, o que fazem é telefonar para as pessoas em risco e perguntar se estão vivas. Parece piada, mas está acontecendo. Isso não é proteção”, critica.
Mortes podem aumentar
Os levantamentos sobre mortes e agressões de defensoras e defensores de direitos humanos são feitos pelas ONGs, e os números podem variar, já que não há um órgão específico que sistematize estas informações – o trabalho começa a ser feito pelo Comitê nacional. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra, somente em assassinatos no campo, até outubro de 2016, havia o registro de 50 mortes. Um número que tende a superar 2015, que somou 50 mortes em todo o ano passado. Há ainda registros de assassinatos de lideranças comunitárias, comunicadores e LGBTs, totalizando 56 pessoas. A violência se concentra na Amazônia, sendo a maioria dos assassinatos em Rondônia, Pará, Maranhão, Amazonas e Mato Grosso, sem falar nas tentativas de assassinato, ameaças de morte e camponeses presos. “A mineração, as hidrelétricas e as madeireiras se expandem exigindo do poder público a construção de linhões, portos, o asfaltamento e abertura de estradas e de hidrovias, e, consequentemente, a valorização das terras. Está pronto o caldo para o aumento e o acirramento dos conflitos e, sobretudo, para o crescimento da concentração da propriedade latifundiária”, diz o relatório de 2015 da CPT.