Foto: Igor Sperotto
Empresa que terceiriza mão de obra em limpeza e conservação e não possui qualquer vínculo com a educação é responsável pelas relações de trabalho dos professores nas creches da Ufrgs. Em um exemplo de precarização das relações de trabalho por meio da terceirização, atrasos de salários, descumprimentos de obrigações trabalhistas e assédio são denunciados pelos professores, que paralisaram as atividades em novembro.
Professores terceirizados que atuam na creche Francesca Zaccaro Faraco, da Ufrgs, paralisaram suas atividades de 9 a 11 de novembro e se mantiveram em estado de greve, devido ao não pagamento de salários e descumprimentos. Não é a primeira vez que os educadores da creche fazem greve. Desde 2009, a Multiágil, empresa de terceirização de serviços especializada em limpeza e conservação, é utilizada para contratar educadores para as duas creches da Universidade. Na extensa lista de serviços ofertados pela empresa terceirizada, como mão de obra em geral, zeladoria e portaria, não há qualquer referência a serviços de educação. Ao longo desses sete anos, a relação da Multiágil com a Ufrgs vem sendo marcada por irregularidades trabalhistas e protestos dos docentes. Além de atrasos de salários, a empresa descumpre prazos ou paga sob ajuizamento benefícios trabalhistas como vale-transporte, férias ou décimo terceiro salário.
Os professores relatam os transtornos provocados pelo atraso salarial e denunciam a precarização do ambiente e das relações de trabalho intermediadas pela terceirizada. Suas identidades foram preservadas. “Fiquei cinco dias bancando as passagens do meu bolso, sem saber que a empresa não ressarce”, diz uma professora. No dia 11 de novembro, os professores se reuniram em frente à creche, localizada atrás do estacionamento da Faculdade de Farmácia. Eles portavam cartazes que denunciavam as dificuldades enfrentadas no exercício da função para a qual são formados. “Já é uma humilhação não termos nossos salários pagos, enquanto precisamos dar conta de aluguel, luz, água e supermercado”, argumenta outra docente. “Mas ainda sofremos todo tipo de assédio”, completa. O assédio, de acordo com eles, parte não só da empresa, que enviou um representante para acompanhar o movimento dos professores, mas também da própria Universidade e da direção da creche. Como estão paralisados, os professores foram impedidos de usar as dependências da creche e nem mesmo ao banheiro ou à copa têm acesso. “Não existe valorização nem reconhecimento. Até de vagabundos nos chamaram”, exemplifica um dos docentes.
De acordo com a Convenção Coletiva firmada entre o Sinpro/RS e o Sindicreches (Sindicato patronal da educação infantil), os salários dos professores devem ser pagos até o dia 5 do mês subsequente ao trabalhado. Mas a Multiágil, que nada tem a ver com educação, paga a todos os trabalhadores terceirizados do mesmo jeito, até o quinto dia útil. Por conta dessas questões, é grande a rotatividade de profissionais da Educação nas creches da Ufrgs, como é o caso da creche Brinquedoteca, que fica no campus do Vale.
Foto: Igor Sperotto
No Judiciário trabalhista acumulam-se processos individuais e coletivos por conta de não pagamento de salários e demais benefícios, bem como por assédio. Andrea Padilha da Silva trabalhou na creche de outubro de 2015 a junho de 2016. “O pagamento nunca foi feito de forma correta e, em função disso, houve várias paralisações. Nunca era o que o piso salarial indicava e nem eram consideradas as horas de planejamento, uma conquista dos professores para pensar suas práticas”. Para ela, é uma grande contradição uma instituição de ensino como a Ufrgs contratar professores de suas creches via Multiágil, uma empresa que já oferecia outros serviços terceirizados para a federal. “A Universidade não faz concurso para esta área desde a década de 1990. Então a Multiágil ‘encaixou’ mais este serviço”, relata. Andrea sente-se triste com o fato de a creche ser uma das mais antigas do país, com 40 anos de existência e, apesar de sua história, não ter o tratamento que merece pela própria Universidade. “Não há reconhecimento e acredito que nem intenção de mantê-la aberta, pois volta e meia entra em pauta seu fechamento para aumentar o estacionamento da Faculdade de Farmácia”. Ela ainda denuncia que, enquanto cerca de 70% dos professores são terceirizados, os demais estão em desvio de função: são auxiliares administrativos, porteiros, faxineiros.
A diretora do Sinpro/RS, Margot Andras, revela já ter acontecido de professores dessas creches irem ao Sindicato para a rescisão e nenhum representante da Multiágil comparecer, sob a alegação de que não há dinheiro para o pagamento. “Servidores e professores da Universidade pensam que seus filhos estão em uma creche da Ufrgs, mas na verdade ela é de uma empresa terceirizada”, explica Margot.
Com isso, além dos professores, que são mal pagos e desvalorizados, toda a comunidade escolar é prejudicada: as crianças atendidas, os pais e a própria instituição. Procurada diversas vezes para se manifestar, a Universidade não deu retorno. Inclusive não recebe a direção do Sinpro/RS sob o pretexto de que a responsabilidade seria da empresa terceirizada. Por sua vez, a diretora da creche se diz impedida de manifestação por ser fiscal do contrato com a Multiágil.
Os professores denunciaram que, antes mesmo da assembleia que realizaram para definir os rumos do movimento, a direção enviou e-mail para os pais para que buscassem seus filhos. Porém, se a estratégia era colocar os usuários da creche contra os professores, não surtiu muito efeito. “Mantenham-se firmes, estamos solidários”, disse um pai ao sair com seu filho no colo. Já no estacionamento, Francisco Batista, que tem dois filhos na creche, disse que é uma situação difícil, pois tem de contar com o apoio de familiares e babá para tomar conta das crianças. “Mas sou solidário, porque não dá para trabalhar sem salário”, resumiu.
Diretora da Associação dos Docentes da Ufrgs (Adufrgs), a professora Daniela Pavani, mãe de uma menina de um ano e oito meses que fica na creche Francesca Faraco, argumenta que a situação é preocupante. “Porque envolve uma das primeiras creches do país (a primeira foi na Universidade de São Paulo), que veio da década de 1970 para dar assistência aos filhos de funcionários públicos, em resposta a uma demanda trabalhista”. Como o último concurso para provimento do cargo de recreacionista – em extinção – foi em 1994, ela aponta que a saída da Universidade foi contratar uma empresa terceirizada. “Essa relação está revestida de todos os problemas que existem na terceirização, ou seja, precarização do trabalho, ganhar menos e trabalhar mais, jornada além de 8 horas, alta rotatividade, entre outros”.
Not available
O gerente-geral do Grupo Multiágil, Fernando Zysko, informa que a empresa ganhou um processo de licitação envolvendo a contratação de professores para as duas creches da Ufrgs. O contrato foi renovado neste ano e expira em 2017. Ele não reconhece que haja atraso no pagamento dos salários e credita as paralisações a uma briga entre a Universidade e o Sindicato da categoria. “Alguns benefícios podem ter atrasado, mas efetuamos os pagamentos”, argumenta.
Fundado em 1999, o Grupo Multiágil se transformou em uma das maiores empresas terceirizadas do mercado. Além da Ufrgs, possui outros clientes de peso, entre eles Banrisul, Prefeitura de Porto Alegre, Tribunal de Justiça, Tribunal Regional Eleitoral, Centro Administrativo Fernando Ferrari, Hospital de Clínicas. Em contrapartida, acumula muitas denúncias.
Em outubro, o Ministério Público do Rio Grande do Sul cumpriu mandado de busca e apreensão na empresa e na Fundação de Assistência Social (Fasc), em Porto Alegre. A ação fez parte de uma investigação sobre prestação de serviços em abrigos da capital. O foco é o contrato de prestação de serviços de enfermeiro e de técnico de enfermagem para os abrigos da Fasc. Esse contrato foi prorrogado pela sétima vez, desde 2012, sem que nova licitação fosse realizada. Também são apuradas possíveis fraudes em licitações anteriores. Conforme o MP, o serviço prestado pela empresa é diferente do contratado, pois o número de terceirizados e as horas trabalhadas seriam menores que o acordado.