Conjuntura internacional na pauta do Fórum Social das Resistências
Foto: Igor Sperotto
Foto: Igor Sperotto
O primeiro dia de debates no Fórum Social das Resistências buscou analisar o contexto internacional e as formas de unificar as ações dos movimentos sociais em um momento de profundas incertezas e atribulações frente à ofensiva ideológica neoliberal.
“Ainda há esperança na disputa de hegemonia de um modelo de mundo mais humanizado em meio a uma crise civilizatória”, afirmou o francês Gustave Massiah, membro do conselho internacional do Fórum Social Mundial (FSM) e do Centro de Pesquisa e de Informação para o Desenvolvimento (Crid/França). Ele participou da conferência sobre conjuntura internacional na manhã desta quarta-feira, 18, no Auditório Araújo Vianna, ao lado da presidenta do Conselho Mundial da Paz e do Centro Brasileiros de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), Socorro Gomes. “O mundo vive uma transição entre tendências antigas, que estão expirando, e novas formas, que devem ser constituídas”, destacou.
Presente na maioria dos fóruns mundiais, Gustave Massiah disse que ainda não está claro quais os precisos caminhos a tomar e como fazer. “É normal que os movimentos sociais estejam confusos em suas estratégias. Mas o novo mundo já está aqui”, disse, referindo-se ao processo do FSM. “É preciso uma verdadeira vontade de lutar e construir alternativas de forma articulada”. A nova forma da luta de classe, para Gustave, tem a ver com diversidade e enfrentamento à discriminação.
O ativista francês defendeu que o avanço do neoliberalismo não é um triunfo da direita, mas um recuo da esquerda, que precisa se reconstruir. “Um projeto se inscreve no tempo histórico, que combina o longo prazo e as rupturas, entre a maturação demorada das ideias e a aceleração dos períodos revolucionários”, afirmou em seu recente artigo sobre como organizar a resistência.
“É urgente resistir aos valores deletérios, à xenofobia, às discriminações e aos racismos, à degradação social e às desigualdades, à guerra, aos terrorismos e à instrumentalização dos terrorismos, resistir ao desastre ecológico”, expôs em sua análise aprofundada na revista Le Monde Diplomatique de dezembro, onde detalha suas teses.
Na palestra de hoje, afirmou que o mundo vive muito mais que uma crise do capitalismo admitida em 2008, mas uma crise civilizatória dos últimos 500 anos, resultando no crescimento das desigualdades sociais, discriminações e impactos ecológicos, chegando-se pela primeira vez a um impasse real entre o sistema mundial e o ecossistema.
Foto: Igor Sperotto
A necessária ruptura
Para Gustave Masshia há três concepções que se defrontam na construção do futuro: o reforço do neoliberalismo pela financeirização da natureza; a reformulação do capitalismo, fundado sobre a regulamentação pública e a modernização social; e uma ruptura que aponta para uma transição ecológica, social e democrática. “Os movimentos sociais têm de ter claro que esta ruptura é necessária e deve estar baseada no acesso aos direitos para todos e na igualdade dos direitos com práticas que envolvem novas maneiras de produzir e de consumir”.
Nesta reestruturação, segundo o ativista francês, devem estar diretrizes como bens comuns e outras formas de propriedade, luta contra o patriarcado, o controle das finanças, o fim do sistema de dívidas, bem-estar e prosperidade sem crescimento, a justiça climática, recusa do extrativismo, a reinvenção da democracia, as responsabilidades coletivas e diferenciadas, os serviços públicos alicerçados nos direitos e na gratuidade.
Cinco revoluções em construção
Gustave enumerou o que considera as cinco revoluções inacabadas mas que fazem toda a diferença na construção das necessárias rupturas: os direitos das mulheres e tudo o que significa a superação do patriarcado e a importância da diversidade trazida por este movimento; o direito dos povos e a luta pelo fim da descolonização e autodeterminação; a revolução ecológica como uma filosofia que modifica as práticas sobre o meio ambiente; a revolução digital e internet por mudar a forma de trabalho, escrita e linguagem; e a revolução dos povos do planeta, com as migrações, crescimento de refugiados, acompanhada de racismo e xenofobia e a busca das liberdades fundamentais de ir e vir.
Hegemonia cultural construída pela direita
Gustave Masshia destacou que já houve insurreições em 40 países a partir de 2011 por recusa a intensificação das desigualdades e a exasperação dos povos a partir da crise do capitalismo, evidenciada em 2008, com aplicação de políticas de austeridade e ajuste estrutural em inúmeros países. Lembrou que revoluções levam a contrarrevoluções com repressões, guerras e violência atualmente expressas nos racismos e extremismo nacionalista. “Há quatro décadas a direita e a extrema direita lutam pela hegemonia cultural, incutindo a desigualdade como necessária para o progresso inventado por eles e de que só a repressão permite a segurança, restringindo as liberdades. Os povos estão desarmados frente a isso”, lamentou.
Foto: Igor Sperotto
O neoliberalismo e os golpes
A presidenta do Conselho Mundial da Paz e do Centro Brasileiros de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz), Socorro Gomes, afirmou que o golpe no Brasil está inserido no espectro de dominação cultural, referindo ao papel da mídia no processo de deposição da presidenta Dilma Rousseff por meio de um golpe jurídico parlamentar, apoiado pela narrativa dos meios de comunicação. Ela citou também a ofensiva em toda a América Latina, com os golpes em Honduras, Paraguai, no Brasil, e o papel da mídia em derrotar Cristina Kirchner, ou a fragilização dos governos na Venezuela.
“Os avanços no Brasil mesmo com a crise, reduzindo miséria, melhorando a estima e a qualidade de vida colidiram com os interesses do capital, onde o aspecto da corrupção, existente em todos os países, foi usada como pretexto para tomar o poder”, analisou a palestrante paraense. “Os golpistas seguem a cartilha neoliberal e estão a seu serviço”, afirmou apontando o ataque aos direitos com a PEC 55, a proposta de Reforma da Previdência, a entrega do pré-sal à exploração estrangeira e a apropriação da biodiversidade pelas multinacionais. “É preciso ficar na resistência até ter força”, concluiu Socorro Gomes.
Durante o debate, indígenas, negros, mulheres, estudantes, sindicalistas e políticos reforçaram a importância da unidade e solidariedade no fortalecimento das lutas comuns para reconstruir as mobilizações mundiais. A anulação do golpe e o retorno de Dilma Rousseff à presidência, fim dos pactos de governabilidade com campos conservadores, questionamento do papel na maçonaria no golpe brasileiro, nova cultura política com democratização de partidos e entidades para evitar exclusão de participantes, fortalecimento da luta feminista e demarcação de terras indígenas foram temas de manifestações.