MOVIMENTO

Conferência da CNBB inicia com Igreja dividida

Cresce tensão entre setores progressistas e conservadores da Igreja Católica no Brasil bem como silêncio alarmante dos bispos moderados diante do aprofundamento da crise política
Por Marcelo Menna Barreto* / Publicado em 11 de abril de 2018
Dom Sérgio esteve na última sexta-feira (6) com o Papa Francisco, em Roma

Foto: Vatican News/Divulgação

Dom Sérgio esteve na última sexta-feira, 6, com o Papa Francisco, em Roma

Foto: Vatican News/Divulgação

Iniciou na manhã de quarta-feira, 11, a 56ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB), no Santuário Nacional de Aparecida, em Aparecida do Norte (SP), com a participação de mais de 400 bispos católicos. O tema central é Diretrizes para a Formação dos Presbíteros da Igreja no Brasil. Mas outros temas estão na pauta também. Nos bastidores, com certeza, será debatida a posição da igreja em relação à questão política do Brasil. O tom do debate foi tensionado com publicações inflamadas nas redes sociais, nesta semana, sobre a participação do bispo emérito de Blumenau (SC) Dom Angélico Sândalo Bernardino no ato ecumênico em homenagem à ex-primeira-dama Marisa Letícia, no último dia 6.

Em uma conjuntura nacional conflagrada, a Igreja Católica está claramente dividida no Brasil. Especialistas apontam que, mesmo historicamente comandada pelos bispos considerados “moderados”, poucas vezes a entidade esteve tão silenciosa diante de fatos como os ocorridos nos últimos meses. Por exemplo, em plena Campanha da Fraternidade deste ano, que objetivou refletir sobre as situações de violência no Brasil, aconteceu o assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro, e, apesar do próprio Papa Francisco ter ligado para a mãe da parlamentar e prestar sua solidariedade, a direção da CNBB ficou em silêncio. Apenas o Cardeal Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Orani Tempesta, que integra os setores conservadores da igreja emitiu uma nota, mesmo assim em tom frio e formal.

Da mesma forma, com a prisão do ex-presidente Lula, a Igreja brasileira encontra-se entre uma postura de solidariedade dos segmentos vinculados à Teologia da Libertação; uma postura agressiva dos setores tradicionalistas e, na opinião de um religioso ouvido por Extra Classe, “um distanciamento acovardado da direção da CNBB”. Questionado se a posição não seria um ato de prudência da entidade, diante da situação nacional, o religioso citou que a mesma postura foi adotada diante da prisão de um integrante do clero, o padre José Amaro Lopes de Souza, considerado sucessor de irmã Dorothy Stang em Anapu (PA), que está preso desde 27 de março numa articulação entre latifundiários e a polícia do Pará. Na prisão do padre Amaro, diversos organismos ligadas à CNBB protestaram, mas a direção sequer emitiu uma nota.

De fato, ao contrário do que tem ocorrido em diferentes órgãos vinculados à CNBB e até mesmo dioceses (cada diocese é considerada uma Igreja Particular e, por isso, em sintonia com o Papa, tem liberdade para se manifestar e agir através do seu bispo), o conjunto do episcopado nacional ainda não se pronunciou, através de sua entidade nacional, neste momento da crise institucional e política brasileira. Segundo Dom Gilberto Pastana de Oliveira, bispo de Crato (CE), o episcopado brasileiro está muito preocupado com o momento que estamos vivendo e certamente agora na assembleia se pronunciará.

Pastorais Sociais se manifestam

As pastorais sociais da Igreja saíram a público para protestar contra a prisão de Lula. O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) divulgou nota em 6 de abril, um dia depois do decreto de prisão pelo juiz Sérgio Moro, afirmando “que tal decisão é parte da estratégia dos grandes conglomerados empresariais, de capital nacional e transnacional, que buscam dar sequência ao processo neocolonialista de rapinagem dos direitos do povo brasileiro e dos bens naturais de nosso país.” No texto, o Cimi ainda adverte: “Hoje é o Lula, amanhã poderá ser qualquer um de nós.”

Na mesma linha, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) emitiu ainda no dia 7, data em que Lula se entregou à Polícia Federal, nota afirmando que a prisão foi “o auge de uma trama de assalto ao poder do Estado e dizimação da frágil democracia brasileira para consolidar a submissão nacional aos interesses ilimitados do capital global”. A CPT afirmou ainda que “de costas para os interesses populares, o que este complexo empresarial-financeiro-midiático faz, com apoio militar velado ou explícito, é nutrir, estrategicamente, o ódio, a intolerância e o preconceito, expressões do fascismo social, em que só vale o indivíduo com seus interesses privados, não mais a sociedade e a partilha coletiva de bens comuns e públicos. O avanço da violência impune no campo e na cidade é sua face mais cruel.”

A Prelazia de São Felix do Araguaia, em manifesto assinado conjuntamente pelo bispo Dom Adriano Ciocca Vasino, pelo bispo emérito Dom Pedro Casaldáliga e agentes de pastoral, assinalou que a prisão de Lula é a “culminância deste processo de violência por parte da mídia, parlamentares e judiciário brasileiro”. No texto, a Prelazia ainda vinculou o encarceramento à dimensão da política econômica: “Nestes tempos temerosos, em que os servidores do sistema neoliberal buscam assombrar o povo por meio da pedagogia do MEDO, lembramos as palavras do Papa Francisco: ‘Esta economia mata!’”

Os franciscanos, por meio do Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia (Sinfrajupe), no domingo, 8, registraram: “Mais uma vez denunciamos o agravamento do Estado de Exceção com o aprofundamento do golpe de 2016, a serviço do grande capital internacional, que quer que o Brasil volte a ser sua senzala.”

56ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB), no Santuário Nacional de Aparecida, Aparecida do Norte (SP)

Foto: Assessoria de Imprensa / CNBB

56ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB), no Santuário Nacional de Aparecida, Aparecida do Norte (SP)

Foto: Assessoria de Imprensa / CNBB

 


Entre a cruz e a espada

Na realidade, analistas apontam a situação paradoxal em que está inserida a CNBB. Não se posicionar nesse momento nacional passaria a ideia de que o episcopado brasileiro seria covarde; por outro lado, qualquer pronunciamento que defenda fortemente a democracia e os direitos dos mais pobres pode levar os setores fundamentalistas a taxar os mesmos bispos como comunistas. Concretamente, o episcopado que se reúne em Aparecida até o próximo dia 20 de abril, composto por mais de 500 prelados, sem levar em conta os bispos eméritos (aposentados) que podem participar da assembleia sem direito a voto, está dividido por este pano de fundo.

Segundo fontes internas da própria CNBB, o presidente da entidade, o Cardeal Dom Sergio da Rocha, arcebispo de Brasília, queixa-se em privado pela divisão da Igreja no país, reclama para interlocutores dos ataques violentos dos tradicionalistas, mas nada faz. Essa é a postura de boa parte dos bispos “moderados” do país.

Acuado diante dos ataques dos fundamentalistas, Dom Sérgio esteve na última sexta-feira, 6, com o Papa Francisco, em Roma. Após sua audiência com o Pontífice, o presidente da CNBB disse ao Vatican News, órgão do sistema de comunicação do Vaticano, que “o Brasil hoje precisa que a Igreja dê esse testemunho de comunhão, de unidade fraterna, de comunhão fraterna. Porque nós queremos superar a violência, a agressividade, a intolerância e queremos fazer isso dando testemunho”. Para quem conhece o linguajar dos “Príncipes da Igreja”, Dom Sergio reconheceu a divisão interna e fez praticamente um clamor pela unidade. “Lembremos sempre que a unidade, que a comunhão, é uma exigência da evangelização.”

Ato ecumênico gera reações

Um momento que tensionou ainda mais a situação da CNBB foi o ato religioso em solidariedade a Lula no dia em que o ex-presidente, após a cerimônia, informou a sua decisão de se apresentar para cumprir o mandato de prisão expedido pelo juiz Sergio Moro. A celebração que aconteceu no dia 7 em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, que era inicialmente para ser uma missa em memória da ex-primeira-dama Marisa Letícia, acabou se transformando em um ato ecumênico, presidido pelo bispo emérito de Blumenau Dom Angélico Sândalo Bernardino (Veja a reportagem Multidão se mantém reunida em apoio a Lula). Vários padres e religiosos leigos e leigas (freiras) foram ao Sindicato. O vigário da Pastoral do Povo da Rua de São Paulo, padre Júlio Lancellotti, e o padre Paulo Sérgio Bezerra, líder do movimento Igreja Povo de Deus em Movimento (IPDM) estavam entre eles.

Foto: Reprodução TVT

Ato ecumênico em homenagem à ex-primeira dama Marisa Letícia

Foto: Reprodução TVT

Segundo Dom Angélico, “se optou por uma Celebração da Palavra por conta do grave momento por que passa o Brasil, vítima de um recente golpe levado adiante por grandes interesses econômicos, com a aprovação do Parlamento e agora com a politização do judiciário. Não se trata de celebração político partidária mas, sim, de súplica pela paz, fruto da verdade, justiça, misericórdia e amor fraterno”.

De imediato, setores fundamentalistas da igreja iniciaram uma campanha de xingamentos e ofensas a Dom Angélico, enquanto comemoravam de forma vibrante a prisão do ex-presidente. O site Fratres in Unum, histórico porta-voz de um segmento tradicionalista católico, declarou que “chegou a hora de nos levantarmos e de extirparmos da nossa Igreja o câncer do socialismo, de retomarmos a nossa religião, de darmos voz aos verdadeiros pastores, de hastearmos nossas bandeiras católicas, de devolvermos à nossa Igreja a glória que um dia lhe pertenceu. Não basta colocarmos Lula na cadeia, precisamos expulsar os seus progenitores dos intestinos das nossas sacristias!”

O Cardeal Dom Odilo Pedro Scherer, arcebispo conservador de São Paulo, apesar de a celebração ter ocorrido em outra diocese, criticou publicamente Dom Angélico. Em nota em seu perfil no Facebook, o cardeal condenou o ato ecumênico, por “instrumentalização política”. Para um padre da arquidiocese de São Paulo que pediu que seu nome fosse preservado, Dom Odilo se irrita quando existe convergência entre política e religião apenas quando se trata da esquerda. “Ele vai às mansões dos ricos com desenvoltura e esteve em Brasília para abençoar a capela do Palácio do Alvorada depois do golpe de Michel Temer”, afirma, registrando ainda que o Cardeal apoiou irrestritamente a proposta de dar “ração” a seres humanos por João Dória, é íntimo de Geraldo Alckmin e manifestou-se mais de uma vez a favor das “reformas do governo golpista”.

Igreja popular defende dom Angélico

Dom Mauro Morelli, bispo emérito de Duque de Caxias (RJ), se manifestou imediatamente sobre os ataques a Dom Angélico: “Dom Angélico, meu colega de seminário em Viamão e companheiro de ordenação episcopal com auxiliares de dom Paulo Evaristo Arns, por 25 anos da Pastoral Operária na Arquidiocese de São Paulo, não coloca sua vida a serviço de ideologias, mas da radicalidade do testemunho do Evangelho”.

“Dom Angélico está do lado certo da História, como esteve Dom Paulo Evaristo Arns na celebração ecumênica, em 1975, na Catedral de São Paulo, quando do assassinato de Vladimir Herzog, nos anos 80, acionando a mídia contra a prisão de Lula”, afirmou a Igreja Povo de Deus em Movimento (IPDM) em nota. O IPDM é uma organização da zona leste de São Paulo surgida exatamente na região onde por anos atuou Dom Angélico, e que foi desmembrada em 1989 da Arquidiocese de São Paulo por iniciativa de João Paulo II com o objetivo de enfraquecer dom Paulo Evaristo Arns.

Campanhas de ódio

Não são de hoje os ataques na web contra Dom Angélico, a outros bispos progressistas e à CNBB. É um fenômeno que tem acontecido com frequência nos últimos anos, protagonizado por grupos ultraconservadores que diante de qualquer declaração episcopal ou evento eclesial como o Intereclesial das Comunidades Eclesiais de Bases (CEBs) contrário a seus pensamentos, procuram desqualificar e insultar a própria CNBB.

O teólogo Fernando Altemeyer da PUC/SP, registrou em seu perfil no Facebook: “Recentemente li em site de grupo reacionário na Internet em que estes pediam explicitamente a morte do bispo secretário da CNBB, Dom Leonardo Ulrich Steiner, que acabara de ter um infarto no miocárdio. Em nome de uma fé mortal propunham a aniquilação dos que pensam com lucidez e de acordo com o Evangelho de Cristo. Fiquei pasmo com tamanha imoralidade, indecência e ódio descarado. (…) Cristianismo é outra coisa. Isso é doença.”

Temas prioritários

Na agenda da 56ª Assembleia Geral da CNBB estão ainda outros nove temas prioritários. Entre eles “a presença da Igreja nas cidades”, que coincide com a reflexão do último Interecleial das Comunidades Eclesiales de Base, acontecido em janeiro passado e outros seis temas chamados ‘diversos’, destacando o atual Ano do Laicado e o Sínodo da Pan-Amazônia. Como a Igreja no Brasil é responsável por 60% do território amazônico, Roma vê que o país terá um papel de destaque.

* Nota do Editor –  Esta matéria contou com fontes e  informações da CNBB, CIMI, CPT, Franciscanos.org, Prelazia de São Felix do Araguaia, Vatican News e do Blog Caminho pra Casa. 

 

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