Trens a conta gotas
Foto: Igor Sperotto
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Em junho deste ano o Extra Classe denunciou que a Empresa de Trens Urbanos de Porto Alegre (Trensurb) jamais conseguiu colocar a rodar juntos os 15 trens da série 200, comprados em 2013 por quase R$ 245 milhões. Meio ano depois da denúncia, que apontava ainda a suspeita de cartel na licitação ganha pelo consórcio Frota Poa e a canibalização dos trens, com a retirada de peças dos veículos parados para colocação naqueles em serviço, o vexame e a vergonha continuam. Quando do fechamento desta reportagem, apenas oito dos 15 trens estava em operação. A falta de peças, que só existem na Suíça, e o polêmico cronograma de recall dos veículos pelo consórcio, é a justificativa do conta gotas. Enquanto isso, os cavalos de ferro que seguram a operação da Trensurb são os velhos trens da série 100, trabalhando há 33 anos e apelidados no verão de “micro-ondas”, por não terem ar-condicionado. O ônus da acomodação e omissão da estatal em, efetivamente, resolver a questão, se estampam nos mais de R$ 4 milhões em gastos extras em energia elétrica e o desconforto diário a milhares de passageiros.
Micro-ondas pra cozinhar gente
“Sem ar-condicionado não dá. Não adianta abrir janelinha, é um micro-ondas”, desabafa o servente de obras Nairo Augusto da Silva, 45 anos, enquanto seca o suor da testa. Silva é um dos cerca de 50 passageiros que balançam num dos vagões de um trem da série 100 na tarde escaldante de 11 de dezembro de 2018. Dia em que os termômetros ultrapassaram os 38º em Porto Alegre e região metropolitana. O efeito sauna é rotina conhecida há vários verões pelos quase 200 mil passageiros/dia do “metrô de superfície”. Os velhos trens não tem de ar-condicionado e como um picolé ao sol percorrem os 48 quilômetros entre a Estação Mercado, em Porto Alegre, e a Estação Novo Hamburgo, no Vale do Sinos. Somam 16 dos 24 veículos que atuam na linha diariamente. Os demais oito que completam a operação são os “novos”, e que de novos só tem o adjetivo. Adquiridos em 2013, sob argumento de ar-condicionado, TV a bordo e bancos ergonômicos, viraram um exemplo do descaso com o dinheiro público. Dos 15 novos, cinco estão parados. O 14º e 15º findariam seu recall em dezembro, conforme cronograma lerdo entre a Trensurb e o Frota Poa, que reúne a francesa Alstom e a espanhola CAF, ganhador da licitação para a fabricação dos trens. E aqui um parêntese que talvez explique a falta de colhão dos gestores da estatal em “chamar na chincha” a dupla: as multinacionais dominam o setor de trens no País e, na prática, fazem os reparos ao seu tempo, num comprometimento questionável com prazos.
Faltam peças, sobram explicações
Foto: Igor Sperotto Foto: Igor Sperotto
Ação do MPF só em 2019
Se omissão e acomodação explicam o imbróglio na Trensurb, inoperância é um termo que cabe ao Ministério Público Federal (MPF) de Novo Hamburgo, que investiga o caso. Há seis meses o procurador Celso Antônio Tres prometia uma Ação Civil Pública contra a estatal e o consórcio. Mas, ficou no verbo. “Temos uma sobrecarga de trabalho no MPF em Novo Hamburgo. São três Procuradores para 12 Juízes Federais, a maior desproporção do Estado e das maiores do País. Não reclamo, apenas justifico a maior demanda”, diz Tres. Observa, porém, que outros “incidentes” também explicam a sua marcha lenta. “Como a sindicância recentemente instruída pela Trensurb, que concluiu pela responsabilidade de alguns servidores na aquisição dos trens”, destaca. Assegura que já pediu explicações sobre o saldo da sindicância e que apesar da falta de respostas vai apontar culpados. “Pretendo ajuizar a ação no início de 2019.Os danos todos estão consumados. Desde a questão de improbidade na aquisição dos trens, da gestão, do cartel, das pessoas terem ficado privadas dos equipamentos, a questão da energia elétrica, que a empresa gastou a mais”, enumera Tres, pontuando que nos últimos dias a justiça estadual de São Paulo condenou a Alstom e a Caf por cartel na compra dos trens da capital paulista.
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