Sem terra colhem 16 mil toneladas de arroz orgânico
Foto: Alex Garcia/ Divulgação
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) do Rio Grande do Sul comemora os resultados da cadeia produtiva de arroz orgânico com a Festa da Colheita do Arroz Agroeocológico, que reúne famílias assentadas de todo o estado, lideranças políticas e populares, além de amigos e apoiadores da Reforma Agrária. A 16ª edição será nesta sexta-feira, 15, a partir das 8h30, no Assentamento Santa Rita de Cássia II, em Nova Santa Rita, na região Metropolitana de Porto Alegre.
Os sem-terra são os maiores produtores de arroz agroecológico da América Latina, atividade que envolve 363 famílias em 15 assentamentos e 13 municípios – Charqueadas, Capela de Santana, Eldorado do Sul, São Jerônimo, Canguçu, Manoel Viana, Tapes, Arambaré, Nova Santa Rita, Viamão, Capivari do Sul, Guaíba e Santa Margarida do Sul. A área plantada na safra 2018-2019 é de 3.433 hectares, e a estimativa de colheita é de aproximadamente 16 mil toneladas.
Além da colheita simbólica na lavoura, o evento terá estudo sobre a reforma da Previdência, feira de produtos ecológicos e lançamento de livro sobre a produção de arroz orgânico e a Reforma Agrária Popular. Ao todo, cerca de mil pessoas são esperadas, entre elas representantes de prefeituras dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, que adquirem arroz do MST por meio de programas institucionais, e o crítico gastronômico Julio Bernardo, do Boteco do JB.
Foto: Alex Garcia/ Divulgação
O assentamento que sediará o evento se destaca pela produção de alimentos livres de agrotóxicos, pelo trabalho cooperado e pela organização coletiva das famílias assentadas. A ocupação ocorreu em 22 de abril de 2004, durante Jornada Nacional de Luta por Reforma Agrária. Cerca de 400 famílias ligadas ao MST entraram no local, que por estar abandonado já não cumpria a sua função social.
O assentamento tem área total de 1.667,33 hectares. Possui reserva legal averbada, com 332 hectares. A área de preservação permanente corresponde a 4,43% do total, com 73,68 hectares. Cada família ocupa 12 hectares, que estão divididas em área de moradia e área baixa, destinada à produção. Lá também há cinco barragens, que auxiliam no cultivo de arroz irrigado.
Após uma década produzindo arroz orgânico, José Carlos de Almeida, residente no Assentamento Santa Rita de Cássia II, em Nova Santa Rita, na região Metropolitana de Porto Alegre, se orgulha das conquistas que a luta coletiva propiciou às famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). “Através da produção agroecológica, nós somos reconhecidos, respeitados e temos força. Hoje somos os maiores produtores de arroz orgânico da América Latina”, destaca. Essa posição de liderança é confirmada pelo Instituto Riograndense de Arroz (Irga).
A primeira experiência do MST na produção de arroz de base agroecológica ocorreu há 20 anos, em pequenas áreas no entorno da capital gaúcha. Sustentadas em uma rede de cooperação e de ajuda mútua, as famílias se organizavam inicialmente por meio da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap), no Assentamento Integração Gaúcha, em Eldorado do Sul; da Cooperativa de Produção Agropecuária dos Assentados de Tapes (Coopat), no Assentamento Lagoa do Junco, em Tapes; e da Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan), no Assentamento Capela, em Nova Santa Rita.
Foto: MST/ Divulgação
Conforme o assentado Emerson Giacomelli, contrapor o modelo do agronegócio e apostar em novo jeito de produzir, com respeito à vida, aos ciclos da natureza e ao meio ambiente, fez com que os Sem Terra enfrentassem à época uma série de dificuldades. “Nós não conseguíamos nenhuma assistência técnica, nenhum incentivo ou apoio, nenhuma linha de crédito”, recorda.
No entanto, a produção de arroz em áreas de Reforma Agrária começou de forma convencional. As famílias, através da Cootap, tinham acesso a máquinas agrícolas e assistência técnica para organizar a produção nos assentamentos. Hoje, a cooperativa regional atua na linha de frente da cadeia produtiva de arroz agroecológico, e organiza há 16 anos consecutivos eventos para celebrar a colheita.
Segundo Giacomelli, alguns motivos que levaram os camponeses à transição de cultura, da convencional à ecológica, foi uma profunda crise econômica do setor orizícola, no final dos anos 90, o surgimento de inúmeros problemas de saúde, a poluição nos assentamentos, o manejo inadequado de recursos naturais devido ao uso abusivo de agrotóxicos e a busca de autonomia no plantio, beneficiamento e comercialização.
Celso Alves Silva, coordenador do setor de grãos da Cootap, reforça que a decisão foi técnica e política. “O MST, que durante sua trajetória amadureceu e abraçou a bandeira da conquista da terra, de produção de alimentos saudáveis, distribuição de renda, integração social e econômica entre as famílias assentadas, indicava que era possível produzir alimentos sem veneno em escala e preservando os recursos naturais”, acrescenta.
Atualmente, todo o processo produtivo, industrial e comercial do arroz orgânico é coordenado pela Cootap, que detém a marca comercial Terra Livre. Ela ajuda a organizar a produção das famílias vinculadas ao Grupo Gestor do Arroz Agroecológico, através de associações, grupos informais e cooperativas – Coopan, Coopat, Cooperativa de Produção Agropecuária de Charqueadas (Copac) e Cooperativa dos Produtores Orgânicos da Reforma Agrária de Viamão (Coperav).
O MST possui unidades próprias de agroindústria para recebimento, secagem, armazenagem e embalagem de arroz, além de Unidade de Beneficiamento de Sementes (UBS). As sementes são produzidas em sete assentamentos nos municípios de Eldorado do Sul, Viamão, Nova Santa Rita, Tapes e Guaíba.
O arroz orgânico é certificado desde 2004, em todas as etapas da produção, com base em normas nacionais e internacionais, por meio da certificação participativa (OPAC – Coceargs) e de auditoria (IMO – Ceres).
Segundo o assentado Cleomar Pietroski, responsável pelo Setor de Certificação da Cooperativa Central dos Assentamentos do RS (Coceargs), o arroz é certificado a partir de 12 meses de manejo orgânico na unidade de produção. “Além de agregar valor, a certificação dá a garantia de procedência e de qualidade do produto aos consumidores”, argumenta.
Comercialização institucional e exportação
Foto: Alex Garcia/ Divulgação
A maior parte do arroz orgânico produzido pelo MST é destinada ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Assim, além de abastecer o RS, o alimento chega aos estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Na capital paulista, o MST deve entregar a escolas públicas cerca de 2 milhões de quilos de arroz este ano.
O grão também pode ser adquirido em mais de 40 feiras ecológicas da Região Metropolitana de Porto Alegre, no Mercado Público de Porto Alegre, na Feira Latino-Americana da Economia Solidária, em Santa Maria; na Exposição Internacional de Animais, Máquinas, Implementos e Produtos Agropecuários (Expointer), em Esteio; e na Feira Nacional da Reforma Agrária, em São Paulo.
Além de abastecer o mercado interno, o MST exporta arroz orgânico. A primeira experiência ocorreu em 2008, para os Estados Unidos. Depois, o alimento foi para a União Europeia, Portugal, Holanda, Alemanha, Espanha e Venezuela, tendo como foco o comércio justo e solidário. Atualmente, há busca de novos mercados na Grécia, Portugal, Espanha, Holanda, Argentina, Emirados Árabes, China, Haiti, Jamaica, Costa Rica, Itália, Peru, entre outros países.
* Com reportagem de Catiana de Medeiros e Maiara Rauber.