Chile: mais de um milhão de pessoas retornam às ruas nesta terça, 29
Foto: Reprodução CNN
Apesar do presidente Sebastián Piñera ter se desculpado por sua falta de “sensibilidade” e estar oferecendo um pacote de medidas, além da reformulação do seu ministério, diante da convulsão social que toma conta de seu país há mais de uma semana, o povo chileno não está deixando as ruas. Hoje, 29, o movimento que continua dando sinais de espontaneidade, à exemplo das manifestações de junho de 2013 no Brasil, começa a apresentar uma forte demanda. No final dessa tarde, em frente ao Palácio La Moneda, gritos por uma assembleia nacional constituinte ecoaram fortemente.
Concretamente, a bandeira por uma constituinte foi consolidada no último domingo, 27, no Parque O’Higgins em Santiago onde mais de cem organizações sociais e sindicais se articularam sob a chancela Unidad Social com o objetivo de estabelecer um direcionamento para o fenômeno que até então tomava conta das ruas do Chile há 10 dias.
Além da marcha de hoje, que culminou às 17 horas em La Moneda, reunindo em torno de um milhão de pessoas, o ato realizado no parque O’Higgins convocou ainda uma grande greve nacional para esta quarta-feira, 30.
“Nos cansamos, nos juntamos”, foi a palavra de ordem da convocação para esse 29 de outubro. “Isso não acabou” e “O Chile não desiste”, também foram outras expressões usadas pelos milhares de manifestantes.
Repressão brutal
Além de reivindicar uma nova constituinte, as organizações que integram o Unidad Social exigem o fim das incursões militares nas ruas do país, que já culminaram em uma série de violações dos direitos humanos.
Hoje, a Anistia Internacional iniciou, diante dos relatos, uma investigação. Por volta das 16h20, a CNN Chile registrou os primeiros ataques das forças de segurança na região de La Moneda e teve sua equipe impedida de entrevistar populares pelos Carabineiros (força de segurança pública nacional).
Entidades de defesa dos direitos humanos do país estimam que o número de mortos nos protestos é bem maior do que as divulgações oficiais, assim como o número de desaparecidos, que ultrapassa 100 casos.
Organização de grande credibilidade no país andino, o Colégio Médico, que corresponde ao Conselho Federal de Medicina no Brasil, informou que mais de 100 pessoas teriam perdido um olho durante os conflitos sob disparos de balas de borrachas desferidos pelos Carabineiros e militares.
“Nossa ação continuará até que uma profunda transformação do sistema atual seja alcançada”, diz o documento aprovado na ocasião da organização do ato que culminou em frente a La Moneda. As organizações que assinam o manifesto ainda questionam o “modelo neoliberal abusivo que transforma nossos direitos sociais em oportunidades para negócios lucrativos”.
Foto: Marcelo Menna Barreto
“Milagre chileno” no centro do debate
De fato, o modelo econômico adotado pelo Chile após o golpe militar de 11 de setembro de 1973, sob o comando do general Augusto Pinochet está no centro do debate.
Com a constituição implementada pelos militares chilenos, sob os auspícios dos Chicago Boys – grupo de jovens economistas do país que fizeram suas pós-graduações na Universidade de Chicago – a privatização foi um dos pilares do modelo de Pinochet.
Além da forte privatização em áreas como educação, saúde e previdência social, serviços básicos como eletricidade e saneamento básico passaram a mãos particulares, concentrando fortemente a renda do país.
Segundo o economista Marco Kremerman, pesquisador da Fundación Sol, ouvido por Extra Classe no início deste ano para matéria especial sobre o sistema de capitalização chileno, a síntese do “milagre chileno” é que hoje 80% das pessoas com mais de 18 anos no país estão endividadas. São cerca de 11 milhões de cidadãos, dos quais, 4,5 milhões sem as mínimas condições de saldar suas dívidas.