“Temos muito a aprender com o movimento negro do Brasil”, diz Angela Davis
Foto: Marcelo Menna Bareto
Foto: Marcelo Menna Bareto
“Eu não me vejo como um indivíduo, como alguém que mereça essa atenção”, disse nessa segunda-feira, 21, a filósofa norte-americana Angela Davis horas antes de realizar uma conferência gratuita, sem inscrições prévias, para um público estimado de quinze mil pessoas na parte aberta do Auditório Ibirapuera, em São Paulo. Em uma concorrida coletiva de imprensa, a ativista mundialmente famosa por ter sido a protagonista de um dos mais polêmicos e famosos julgamentos criminais da história dos Estados Unidos discorreu sobre os mais variados temas que envolvem as questões feministas, de gênero e de raça, mas fez questão de frisar que “a internacionalização é a chave” na luta por um mundo mais justo e democrático.
Integrante nos anos 1970 do movimento do Partido dos Panteras Negras (Black Panther Party ou BPP), Angela disse que busca sempre inspiração para o seu trabalho fora do seu país. “Nos Estados Unidos, temos muito a aprender com o movimento negro do Brasil”, afirmou ao citar o exemplo das trabalhadoras domésticas organizadas no país governado por Jair Bolsonaro. “Elas têm muito a nos oferecer em estratégias e táticas na luta do feminismo negro”, registra.
Bolsonaro e Donald Trump, aliás, apesar de estarem em muitas inquietações apresentadas à filósofa desde que chegou ao país, não tiveram em nenhum momento seus nomes citados. O motivo, a própria Angela Davis deixa claro: “Na tradição africana, dizer o nome é conceder poder a uma pessoa”, explica.
Uma mulher sem rótulos
Na ocasião, a mulher negra que foi alvo de uma das maiores caçadas humanas dos Estados Unidos em 1970, revelou que das diversas facetas que lhe atribuem, como antirracista, feminista, anticapitalista, entre outras, ela prefere não escolher uma rubrica única. “Posso ser antiguerra e antimilitarista”, reflete ao dizer que também tenta oferecer apoio aos movimentos de pessoas com deficiência.
Concretamente, Angela Davis reafirma sua crença na importância das conexões e interrelações. “Não posso participar de um movimento antirracismo sem reconhecer a existência do patriarcado”, cita como exemplo.
Revelando mais uma vez a importância do que chama conexões, a ativista revela ter aprendido muito com “a luta Palestina” e colocou presente a causa curda. Ao lembrar que tempos atrás as mulheres curdas foram presas por “desafiarem a importação de prisões estilo americanas para a Turquia”, Angela disse que é importante ter presente que, no momento, o povo Curdo tem sido atacado.
Referindo-se as mulheres curdas, que no combate foram determinantes para o refluxo dos fundamentalistas do Estado Islâmico, Angela Davis fulmina: “Não pode haver liberdade e democracia sem que as mulheres estejam no centro do processo. Temos que aprender com o povo Curdo”.
Transexuais negras são alvos constantes de violência
Angela ainda revelou que teve contato recente com a Transexual Erica Malunguinho (PSol), deputada estadual de São Paulo. Segundo a filósofa, em seu conhecimento, “não há um país no mundo que tenha eleito uma mulher negra trans para o parlamento”. Isto, para Angela é um marco, pois as transexuais negras são os alvos mais consistentes da violência.
“Acho que tem que haver foco na luta dessas mulheres. Se elas forem livres, o mundo será livre”, conclui.
Angela Davis veio ao Brasil para realizar três conferências sob a iniciativa da Editora Boitempo com o apoio da Fundação Rosa Luxemburgo. A primeira aconteceu no dia 19, encerrando o Seminário Internacional Democracia em Colapso. Nessa noite, a partir das 19 horas, ocorre a conferência gratuita no parque do Ibirapuera. O ciclo se encerra no dia 23 no Rio de Janeiro, onde no Cine Odeon, a filósofa terá outra atividade gratuita.