MOVIMENTO

Avanço da mineração no entorno dos assentamentos é tema de encontro do MST no RS

A conjuntura nunca foi tão desfavorável para o movimento, que enfrenta desmonte das políticas da reforma agrária e todo tipo de ameaças aos assentamentos
Por Gilson Camargo / Publicado em 16 de dezembro de 2019
Mina de carvão da Copelmi em Arroio dos Ratos: rastros de miséria e destruição

Foto: Igor Sperotto

Mina de carvão da Copelmi em Arroio dos Ratos: rastros de miséria e destruição

Foto: Igor Sperotto

A conjuntura econômica e política, os retrocessos na reforma agrária no estado e no país, os projetos de mineração que rondam os assentamentos, a violência contra lideranças rurais no país sob Bolsonaro, bem como os desafios da organização em relação à questão agrária, à produção de alimentos saudáveis nas áreas de assentamentos e a luta pela terra serão temas do 19º Encontro Estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que a coordenação estadual do movimento promove no Assentamento Capela, em Nova Santa Rita, região metropolitana de Porto Alegre, de 18 a 20 de dezembro.

Uma das atividades ameaçadas pelos projetos de mineração no estado é o ciclo do arroz orgânico: os assentamentos dominam toda a cadeia produtiva, do cultivo das sementes sem depender de multinacionais, da colheita à silagem e beneficiamento para abastecer o mercado interno e as exportações. Os sem-terra são os maiores produtores de arroz agroecológico da América Latina, com 16 mil toneladas colhidas na safra de 2018/2019. Atividade envolve 363 famílias em 15 assentamentos e 13 municípios gaúchos

O encontro será restrito aos sem-terra, com janelas para a cobertura da imprensa e entrevistas com lideranças. São esperados cerca de 600 assentados e lideranças. Uma das maiores referências dos sem-terra na luta por reforma agrária, o ex-deputado Adão Pretto, falecido aos 63 anos em 2009, será homenageado. Na quinta-feira, 19, a partir das 18h30, no ginásio da Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan), ocorre o Encontro dos Amigos. O MST convidou mais de 200 parceiros, que incluem deputados, prefeitos, sindicalistas e representantes de organizações que apoiam a reforma agrária. Entre os convidados, a ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-governador Olívio Dutra e a ex-deputada federal Manuela D’Avila.

REFLORESTAMENTO – No último dia do encontro será lançada a Campanha Nacional de Reflorestamento do MST, que tem como lema “Plantar árvores, produzir alimentos saudáveis”. De acordo com a coordenação estadual, “a iniciativa surgiu de uma reflexão coletiva a respeito da crise ambiental no Brasil, que envolve desde a liberação em massa de agrotóxicos até as queimadas criminosas na Amazônia”. A meta do movimento é plantar 100 milhões de mudas de árvores nativas e frutíferas nos próximos 10 anos em todo o país, em um mutirão que contempla áreas de reforma agrária, praças, parques e periferias dos municípios onde o MST tem sua base social. Também serão recuperadas nascentes e áreas degradadas, evolvendo nesse trabalho associações, cooperativas, escolas do campo, centro de formações e grupos coletivos do MST. No RS, a ideia é buscar parcerias com setores públicos e empresas que precisam fazer compensação ambiental.

Representante do agronegócio à frente do Incra

Os sem-terra são os maiores produtores de arroz agroecológico da América Latina: 16 mil toneladas em 2019

Foto: Igor Sperotto

Os sem-terra são os maiores produtores de arroz agroecológico da América Latina: 16 mil toneladas em 2019

Foto: Igor Sperotto

A negociação com as mineradoras tem que ser feita por meio do Incra, que detém a propriedade das terras. No RS, o superintendente do Incra é um representante do agronegócio

As políticas de reforma agrária no estado estão paralisadas desde a gestão Temer. No governo Bolsonaro, “ganharam um requinte de crueldade: se transformaram, na verdade, em políticas de anti-Reforma Agrária”, define o jornalista Marco Weissheimer, colunista do Extra Classe. No processo de desmonte, a “cereja no bolo” desse processo de retrocessos foi a indicação do médico-veterinário Tarso Teixeira para dirigir a Superintendência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma  Agrária (Incra) no RS. Diretor da Federação da Agricultura (Farsul) e ex-presidente do Sindicato Rural de São Gabriel, Teixeira é um adversário histórico das políticas de Reforma Agrária no estado. Segundo ele, os ruralistas nunca engoliram a expansão dos assentamentos do MST no estado – ocupam cerca de 294 mil hectares em 98 municípios.

A nomeação de um representante do agronegócio para o Incra consolida uma aliança entre a mineração, o agronegócio e seus braços midiáticos. De acordo com um levantamento do Ministério do Meio Ambiente, mais de 100 assentamentos no estado não contam com georreferenciamento, ou seja, é incalculável o número de assentados que serão atingidos por megaprojetos de mineração que miram no RS como uma “nova fronteira mineral”. Os assentamentos não possuem titulação, pois as terras pertencem de fato ao Incra. “Qualquer negociação com as mineradoras tem que ser feita por meio do Incra, que é quem detém a propriedade das terras. Neste processo, o Incra vem sendo aliado das mineradoras porque abriu espaço dos assentamentos para pesquisa pelas empresas do setor, assim como já ocorreu em outras regiões”.

A maioria dos projetos de mineração em andamento no estado – de acordo com um planejamento estratégico elaborado pelo governo do estado para a implantação de um polo energético – está localizada na metade-sul. Os mais avançados são minas de carvão em Eldorado do Sul e Charqueadas (a polêmica Mina Guaíba), de extração de fosfato em Lavras do Sul, titânio em São José do Norte, e cobre e zinco em Caçapava do Sul. Ao todo o estado é alvo de 166 projetos extrativistas. Apenas a mina Guaíba, de extração de carvão, afetaria um número imensurável de pessoas – calculado em mais de 7 milhões –, com impactos que se estenderiam do Delta do Jacuí até o Litoral Norte. O empreendimento é também um dos principais projetos de formação do polo carboquímico no RS, um megaprojeto que aposta na produção de Gás Natural Sintético (GNS) a partir de carvão e pretende atrair R$ 4 bilhões de investimentos com exportação de carvão – especialmente para a China. A mina Guaíba foi concedida à Copelmi Mineradora, que já explora outras seis plantas de mineração no estado.

Extração de carvão versus produção de arroz orgânico

Produção e beneficiamento de arroz orgânico da Copam, em Nova Santa Rita

Foto: Alex Garcia/ MST/ Divulgação

Produção e beneficiamento de arroz orgânico da Copam, em Nova Santa Rita

Foto: Alex Garcia/ MST/ Divulgação

O assentamento Apolônio de Carvalho, segunda maior unidade produtora de arroz orgânico do estado depois de Viamão, envolve 72 famílias de agricultores, em uma área de 700 hectares de lavouras de arroz orgânico e produção de hortaliças. Localizado na zona rural de Eldorado do Sul, o assentamento envolve um projeto de piscicultura em implantação com financiamento do BNDES. É uma das unidades produtivas dos sem-terra que está na mira de empresários e políticos favoráveis ao megaprojeto de mineração que a Copelmi pretende instalar entre Eldorado do Sul e Charqueadas.

A pretexto de gerar empregos na região, a planta com capacidade para extração de 200 milhões de toneladas de carvão e produção de 2 milhões de metros cúbicos diários de gás até o ano de 2042 enfrenta a resistência dos movimentos de defesa do meio ambiente e especialistas de diversas áreas, que vêm alertando para irregularidades no projeto de licenciamento e para o potencial de dano que representa para a população de todo o estado. De acordo com a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Ingá) e a União Pela Vida (UPV), a mineração tem implicações sociais, como impactos à qualidade da água e do ar na região metropolitana e a atividade de interesse social na produção de arroz agroecológico. Além disso, a área está localizada em uma Zona de Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, Parque Estadual do Delta do Jacuí, Área de Proteção Ambiental do Delta do Jacuí, com presença de Mata Atlântica e Áreas de Preservação Permanente com espécies ameaçadas de extinção.

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