Fórum debate resistência e formação política para uma educação libertadora
Foto: Stela Pastore
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Os desafios da educação universal, democrática e libertadora frente a uma conjuntura de ultra-neoliberalismo e fascismo foi o tema de duas mesas na manhã desta quarta-feira, 22 de janeiro, integrando a programação do Fórum Social das Resistências.
Conceitos como diálogo, resistência, unidade e democracia, que perpassam toda a obra do educador Paulo Freire, costuraram as diferentes falas do debate, que seguiu até às 13h, no auditório do Simpa, reunindo educadores do Brasil e América Latina.
Retomada da formação política em diferentes espaços para despertar a cidadania em tempos de obscurantismo no pós-golpe de 2016 e recuperar a escola pública como escola democrática foram consenso no encontro.
“O tempo histórico é muito mais exigente de quem trabalha com educação. Nós precisamos abrir espaço em nós e nos coletivos para favorecer o diálogo amoroso no sentido freireano, tocar o que é mais humano que é ser sujeito da própria história”, aponta a educadora popular Raimunda de Oliveira Silva, da Escola Nacional de Formação da Contag.
Ela destaca que novos desafios exigem atualizar os conteúdos. “Não se faz formação politica sem discutir gênero, masculinidade tóxica, a questão LGBT, racismo, direitos humanos e tantos outros temas”, exemplificou. Para a educadora é preciso trazer para o fazer pedagógico o exercício da racionalidade política com a política dos afetos e se jogar no mundo com todas as suas complexidades.
“É preciso recriar sobre a atualidade do pensamento de Paulo Freire para saber como lidar com a atual realidade em que predomina a cultura do ódio que quer nos exterminar”, resume Liana Borges, doutora em educação. Integrante do movimento Café com Paulo Freire, ela vê como novo e esperançoso a juventude conhecer e reconhecer a filosofia freireana. “Quanto mais os governos batem, mais ele é reconhecido. Hoje Paulo Freire não é uma pessoa, uma teoria, é uma causa”, conclui.
Foto: Stela Pastore
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Defesa legal e filosófica
Foto: Stela Pastore
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A deputada federal Maria do Rosário (PT) entende que é preciso uma nova postura diante dos ataques à democracia no Brasil. Fortalecer a unidade entre os diferentes movimentos e atuar em todos os espaços é determinante, convocou. “Compreender que devemos não apenas almejar o retorno a um período anterior, mas ampliar a consciência para uma nova etapa da democracia de caráter popular no Brasil”, resumiu.
A parlamentar gaúcha apontou como fundamental a defesa do Plano Nacional de Educação (PNE). “Esse ministro não é apenas um bobo caminhando de guarda chuva. O plano do governo federal é o desmonte do sistema público de educação. Devemos debater filosoficamente também, mas temos de pegar o PNE com as metas, abordar a educação como direito, como lei, como Constituição, não apenas subjetiva, mas de forma positivada”. É uma conquista estarmos aqui no FSR e compreender que cada lugar que ocupamos é uma trincheira da luta do povo, saudou. “Educar é um ato político e se tentam fazer a destruição como política, nós fazemos como despertar da esperança. Por isso estamos aqui resistindo”.
Mobilização contra os desmontes
“Falar da educação transformadora evolui e emancipa a sociedade. O lado de lá sabe disso e por isso falam em balburdia e que professor é vagabundo”, ilustrou a dirigente estudantil Gabriela Oliveira. Ela listou o conjunto de ataques sofridos pela educação, como o corte de verbas na universidade, onde se produz o pensamento crítico e a pesquisa, trocas de ministros e coordenadores de programas, erros no Enem, site do Sisu fora do ar, erros básicos de português e matemática cometidos por ministros, além de apologia ao nazismo, defesa de teses como de que a terra é plana e ser contrário a vacinas.
“Se o governo nos ataca, a gente contra ataca com direito, com diálogo, com ciência. Poucos não defendem a educação. As grandes marchas como o 15M e os tsunamis da educação mostram isso. O governo sabe que resistiremos e vamos incomodar muito mais.”
O governador gaúcho foi lembrado como adversário da educação pública de qualidade. “Eduardo Leite fecha escolas, parcela salários dos professores, corta direitos. Esse primeiro ano foi um grande desastre mas um grande ano de resistência”, reforçou a integrante da União Nacional dos Estudantes.
Formação para novos desafios
Professores manifestaram o grande desafio de dialogar no ambiente escolar frente ao avanço do pensamento conservador de cunho fascista, ao pentecostalismo e à violência.
“A questão da formação é fundamental. A universidade tem que romper seus muros e parar com os tabus e preconceitos com tipos de conhecimento que não seja o que ela acredita. Não é possível criar dicotomia entre academia e educação popular, porque é uma construção de conhecimento vinda da universidade”, completa Salete Valesan, do Conselho Latino Americano de Ciências Sociais (Clacso).
“Como a educação pode ser libertadora e democrática no capitalismo que professa a meritocracia e valores hetero-normativos? Grande parte dos nossos jovens da periferia não tem herança cultural e enfrentam o espaço escolar padronizado que reproduz esses valores. É preciso fazer educação popular, e pais de alunos analfabetos precisam ter acesso a educação para entender a importância da educação popular. Temos o desafio de ir para a rua, para a praça”, entende o professor Claudio Noronha, de Foz do Iguaçu.
O Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro/RS) foi saudado pela iniciativa de fazer formação de professores no atual cenário, projeto detalhado pela diretora Margot Andras. Aberto a professores da rede pública e privada para estudar educação democrática, o grupo reunirá todas as primeiras e terceiras quintas-feiras do mês, das 18 às 20h. A primeira aula pública será em 5 de março. “É um sindicato de professores que atuam em escola privada que defende a escola pública”, acentuou a dirigente do Sinpro/RS, sob aplausos.
Da escola à universidade
Os debates da segunda mesa trataram ainda do equívoco de tentar reduzir a idade para cinco anos para acesso ao ensino fundamental, destacado pela especialista em educação infantil, Carmem Craidy. A fragilização da universidade pública com a escassez de investimento foi detalhada a partir da experiência da Uergs, pela Coordenadora de Qualificação Acadêmica, Percila Silveira de Almeida.
A experiência do movimento Mães e Pais pela Democracia foi apresentada pela presidente Aline Kerber e ressaltada como uma iniciativa exemplar e exitosa do envolvimento da sociedade com a educação democrática.
Ativista de cursinhos populares, o professor Bernardo de Carli defendeu a necessária reforma curricular e pedagógica para constituir a escola em espaço radicalmente democrático. Alejandro Guerrero, da Ubes, apontou a interrupção do conjunto de avanços na área da educação no golpe, e a importância de coesionar as diferentes etapas do ensino como fator social capaz de transformar a sociedade.