Miguel, Floyd e João Pedro foram mortos pelo racismo
Foto: Midia Ninja/Reprodução
Justiça para Miguel foi a palavra de ordem que tomou conta de uma marcha realizada nessa sexta-feira, 5, em Recife. A caminhada de protesto iniciou no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) e culminou na frente das “Torres Gêmeas”, edifício residencial de alto padrão da capital pernambucana de onde caiu no último dia 2 o menino Miguel Otávio Santana da Silva, de apenas 5 anos. Tudo isso, incendeia atos antifascistas que adotam também o antirracismo na pauta, na esteira dos conflitos que assolam os Estados Unidos pelo assassinato do negro George Floyd, por um policial branco, que o sufocou até a morte com o joelho em uma cena que chocou o mundo.
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Para a doutora e pesquisadora em relações raciais, Jussara Santos, Miguel, negro e filho de empregada doméstica, percebeu-se provavelmente em um ambiente hostil a ele. Sentindo necessidade de segurança, afeto, proteção, foi sozinho em busca de sua mãe, Mirtis Renata Souza, que passeava com os cachorros da patroa.
“Não foi com um tiro, como João Pedro. Não foi de Covid-19, como milhares de pessoas negras. Não foi pelo joelho de um policial branco de uma corporação que tem requintes de crueldade, como George Floyd. Mas pelo racismo estrutural que recai sobre a população negra desde a primeiríssima infância”, elabora.
Laércio Portela, co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis, também vê o que chama de exposição sem retoques da brutalidade do racismo por trás das desigualdades no Brasil. “Em plena pandemia de coronavírus, Mirtes e Miguel deveriam estar em sua casa, protegidos e com o salário integral da mãe garantido” fala Portela. Ele ainda destaca: “A patroa era atendida no apartamento por uma manicure e não cuidou de Miguel como Mirtes cuidava dos filhos dela”, ao lembrar que Sari Corte Real deixou a criança entrar no elevador sozinha. “Mais do que isso, apertou no 9o andar e voltou para a casa”, conclui.
Foto: Midia Ninja/Reprodução
A rapper, radialista e educadora social Malu Viana, da Rede Nacional Reconexão Periferia observa critivamente os acontecimentos e traça um paralelo com os protestos que ocorrem nos Estados Unidos pelo assassinato de George Floyd. “Eu tenho 26 anos de ativismo, o que me deixa segura de dizer que, ao ver as hashtags #VidasNegrasImportam, vejo hipocrisia”, lamenta.
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Para Malu, “o que aconteceu com João Pedro, Miguel Otávio e George Floyd geram reflexos de olhares diferentes”. O que Estados Unidos, por exemplo, já é compreendido e reconhecido como racismo estrutural, aqui no Brasil, apesar de denunciado há décadas os negros seguem sendo mortos sistematicamente pelo estado. “A polícia aqui sempre matou negros”, desabafa, ao ressaltar ainda que “aqui a gente está cada vez pior, pior e pior”. Ela cita o paradoxo de ter à frente da Fundação Palmares, um negro que é contra as pautas identitárias do movimento negro.
Com sinceridade, Malu diz esperar que não aconteçam aqui reações como as dos norte-americanos. “Estamos numa ditadura. No conflito, quem vai morrer é gente da periferia. Mais negros”, afirma.
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Atividade essencial e racismo
Em Pernambuco, trabalhadores domésticos e responsáveis pelos cuidados de idosos, crianças e deficientes foram incluídas como serviços essenciais durante a pandemia de Covid-19.
Em recente manifestação, a Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad) denunciou a ação de Pernambuco e outros estados como Pará e Rio Grande do Sul como “expressão do racismo presente na sociedade”. Segundo a entidade, dos 6,4 milhões de trabalhadores domésticos no Brasil, 95% são mulheres e 63,3% negras.
Em nota técnica, o Ministério Público do Trabalho (MPT) orienta a dispensa remunerada das trabalhadoras domésticas. A exceção seriam os casos de cuidadores de idosos e idosas que vivam sozinhos, as responsáveis por pessoas que necessitem acompanhamento permanente e as que cuidam de pessoas dependentes (como crianças) de outros profissionais que prestam serviços essenciais e precisam sair para trabalhar.
Em nenhuma das exceções elencadas pelo MPT estaria incluídas o prefeito e a primeira de Tamandaré que, no início do isolamento social, demandou a permanência de Mirtis em sua residência para o atendimento da família.
Patrão é denunciado por contratação irregular
Sari Corte Real, após a prisão em flagrante por suposta negligência e liberação sob fiança, agora vê seu marido, o prefeito de Tamandaré (PE) Sérgio Hacker Corte Real (PSB), sob acusação de ter colocado a mãe da criança de 5 anos como cargo comissionado em sua administração.
Mirtis Renata disse, no entanto, desconhecer que figurava na lista dos servidores da cidade que fica a 107 Km de Recife, onde é empregada doméstica do casal. A prefeitura de Tamandaré informou que só falará sobre o assunto na semana que vem. Os dados que apontam Mirtis como gerente de divisão lotada na manutenção das atividades de administração da prefeitura estão no portal da transparência do município e informam ainda que o salário do cargo é de R$ 1.093,62.
A notícia envolvendo o prefeito que diz estar em profundo abalo devido a morte da criança veio à tona em meio a grande comoção que tomou conta dos pernambucanos.
Denúncias anônimas que estão sendo repercutidos por movimentos sociais e sites como o Notícia Preta – Portal de Jornalismo Antirracista, alertaram o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) e o Ministério Público (MPPE) que iniciaram investigações nessa sexta-feira,5. A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Pernambuco (OAB-PE) também enviou nesse dia ofício ao MPPE afirmando a urgência das investigações.