MOVIMENTO

Ato marca uma semana do assassinado de João Alberto ocorrido no Carrefour em Porto Alegre

Realizado em frente a Igreja de São Jorge, no bairro Partenon, na capital gaúcha, nesta sexta-feira, 27, protesto reuniu cerca de 70 pessoas e lideranças das religiões africanas e católica
Por Flavio Ilha / Publicado em 27 de novembro de 2020

Foto: Igor Sperotto

Foi com a música dos tambores de umbanda, que João Alberto tocava nas festas de terreiro do Iapi, que um grupo de algumas dezenas de pessoas homenageou nesta sexta-feira, 27, o homem negro assassinado por dois seguranças brancos do Carrefour, em Porto Alegre, há uma semana. Um ato ecumênico marcou o protesto, que reuniu lideranças das religiões africanas e representantes da igreja católica.

O ato foi realizado no bairro Partenon, em frente à igreja São Jorge. Cerca de 70 pessoas se concentraram no terminal de ônibus para pedir justiça por João Alberto Silveira Freitas, morto por seguranças na noite de 19 de novembro no supermercado Carrefour da zona norte de Porto Alegre. Com faixas e bandeiras, os manifestantes fizeram uma celebração com muita música e cânticos de matriz africana. Ao contrário dos outros dois atos anteriores, a manifestação desta sexta-feira não registrou confrontos com a Brigada Militar. Após, os manifestantes seguiram em caminhada pela Avenida Bento Gonçalves até filial do Carrefour do bairro, que estava fechado.

Justiça

João Batista Freitas, pai de João Alberto: “que a morte de meu filho não seja em vão

Foto: Igor Sperotto

“Vim aqui pedir aos jovens que continuem levantando essa bandeira para que a morte do meu filho não seja em vão. Queremos igualdade plena de direitos”, disse João Batista Freitas, pai da vítima. A babalorixá Winnie Bueno, do Movimento Negro Unificado, afirmou que não é mais possível aceitar mortes negras sem revolta. “Não vamos mais aceitar quo racismo ceife nossas existências. Estamos aqui para pedir justiça para o João Alberto e para todo e qualquer cidadão negro. Racismo não se investiga, se constata”, discursou.

O frei Luiz Carlos Susin, da Pastoral da Vila Maria da Conceição, disse que foi ao ao prestar solidariedade à família de João Alberto e à casa de religião onde ele “participava ativamente” das celebrações. “Não podemos esquecer para que não volte a acontecer”, afirmou.

Depois da concentração, os manifestantes saíram em caminhada até a loja do Carrefour no bairro Partenon, a cerca de dois quilômetros do local do ato, e acenderam velas em homenagem à vítima. O presidente da CUT-RS, Amarildo Cenci, criticou a afirmação do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, de que não há racismo no país. “Em vez de reconhecer que vivemos num país racista, Mourão botou mais gasolina na fogueira. Este é um governo fundado no ódio, no preconceito e na violência”, enfatizou.

Reações

Carrefour em nota: “responsabilidade das empresas no combate ao racismo institucional e estrutural e, concretamente, sobre a necessidade de evitar a repetição de eventos como esse”.

Foto: Igor Sperotto

O assassinato de João Alberto provocou medidas oficiais de impacto. O Ministério Público Federal (MPF) determinou, na semana passada, que o Carrefour adote medidas concretas, em toda a rede, para introduzir políticas de compliance em direitos humanos e institua, de forma eficiente, programas de capacitação, treinamento e qualificação de seus empregados e agentes terceirizados, “objetivando o combate ao racismo institucional/estrutural e à discriminação racial”. A nota foi elaborada pela Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos.

De acordo com o comunicado, o crime no supermercado de Porto Alegre deve provocar reflexão nacional sobre a “responsabilidade das empresas no combate ao racismo institucional e estrutural e, concretamente, sobre a necessidade de evitar a repetição de eventos como esse”. Também reforça que já existem normas sobre a responsabilidade das empresas em relação à proteção aos direitos humanos – inclusive com compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro.

O Carrefour também reagiu, um dia após o brutal assassinato de João Alberto. “Este dia, que deveria ser marcado pela conscientização da inclusão de negros e negras na sociedade, está sendo o mais triste da história do Carrefour”, posicionou-se, em nota.

Carrefour decide investir em ações antirracistas

Como as reações continuaram intensas, na noite de sábado, 21, o CEO do Carrefour Brasil, Noel Prioux, apareceu no horário nobre em rede nacional de televisão fazendo um pronunciamento. “O que aconteceu na loja do Carrefour foi uma tragédia de dimensões incalculáveis, cuja extensão está além da minha compreensão como homem branco e privilegiado que sou”, disse.

Na quarta-feira, 25, o Carrefour anunciou a criação de um comitê sobre diversidade e inclusão. Segundo a empresa, o comitê irá funcionar “de maneira livre e independente” e será composto por Rachel Maia, Adriana Barbosa, Celso Athayde, Silvio Almeida, Anna Karla da Silva Pereira, Mariana Ferreira dos Santos, Maurício Pestana, Renato Meirelles e Ricardo Sales.

“Este comitê foi formado a partir dos diálogos decorrentes da tragédia de Porto Alegre e é absolutamente independente, não tem qualquer vínculo de subordinação ao Carrefour Brasil. Sua maior motivação é o dever moral de tentar impedir que mais pessoas negras morram, com o objetivo de orientar e embasar um amplo plano de ação de combate ao racismo estrutural no varejo e em toda sociedade”, diz nota do Comitê.

Todo o resultado de vendas do grupo no Brasil nos dias 26 e 27 será revertido para ações orientadas pelo Comitê – o Carrefour já havia destinado R$ 25 milhões para causas raciais e havia destinado o valor das vendas do dia 20 de novembro para medidas de conscientização do seu próprio quadro de funcionários.

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