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“Alguns juízes não estão gostando da imprensa botando o dedo na ferida deles”

Leandro Demori, editor do The Intercept Brasil, analisa a enxurrada de processos abertos contra jornalistas: “querem calar vozes dissonantes”
Por Gilson Camargo / Publicado em 1 de abril de 2021
Demori: "o caso Lula é emblemático de coisas que estão voando abaixo do radar"

Imagem: Youtube/ Reprodução

Demori: “o caso Lula é emblemático de coisas que estão voando abaixo do radar”

Imagem: Youtube/ Reprodução

Painelista da live Jornalismo em tempos de polarização e fake news, realizada na noite de quarta-feira, 31, na programação dos 25 anos do jornal Extra Classe, o jornalista Leandro Demori, editor do portal The Intercept Brasil, contextualizou as dificuldades enfrentadas pelos jornalistas desde antes da pandemia, a violência e o lawfare das quais os profissionais da imprensa alternativa vêm sendo alvo. Participaram do debate também o coordenador de comunicação do Observatório do Clima, Claudio Angelo, e a jornalista Cynara Menezes, editora do site Socialista Morena. Assista à íntegra do debate.

“Estamos num momento ruim de grana, a pandemia veio em cima ainda de uma classe que já estava passando por várias demissões coletivas, achatamento de salário, no ano passado, e com a pandemia teve muita gente demitida, teve corte de salários em grandes redações, corte de 30% do salário da Folha, por exemplo”, observou Demori.

O jornalista é um dos editores do The Intercept Brasil, portal de jornalismo que divulgou em primeira mão as trocas de mensagens entre o ex-juiz Sergio Moro e procuradores da Lava Jato que recentemente levaram o STF a anular os processos de Curitiba que levaram o ex-presidente Lula à prisão e o retiraram das eleições de 2018.

Alvo de processos e de ameaças de morte que o obrigaram a andar com seguranças, Demori aponta uma “mudança de humores do judiciário em relação ao trabalho da imprensa”. “Está muito mais fácil ser processado, porque processo virou mato, eu vivo dizendo isso em relação ao caso do Lula que é emblemático de lawfare, porque é um nome global, um ex-chefe de Estado. Mas ele é um emblema de coisas que estão voando abaixo do radar”, repara.

Sem chance de defesa

Ele lembra que a maioria dos processos que visam a calar jornalistas são abertos em juizados de pequenas causas, o que reduz a capacidade de defesa do acusado, porque essa instância do judiciário só oferece uma câmara recursal, ou seja, nega o amplo direito de defesa e atropela a Constituição.

Quem perde não consegue recorrer aos tribunais estaduais ou ao STF, uma estratégia que no seu entendimento começa a minar o jornalismo por dentro, diz. “Estamos falando de cláusula pétrea da Constituição sendo julgada por juiz leigo, em que o processo não pode subir pra TJ ou STF para discutir lá na ponta a liberdade de imprensa, artigo 5º da Constituição. Isso está sendo julgado por juiz leigo, muitas vezes no interior do país, em comarcas minúsculas”.

Além disso, o editor avalia que o jornalismo enfrenta outros problemas. “De financiamento, por exemplo. Como é difícil levantar dinheiro pra fazer reportagem, como é difícil você ter diversidade nas redações, o que acaba enviesando a cobertura só pra quem tem bagagem cultural de classe média, branca, do Sul Sudeste, o que inviabiliza a cobertura de vários assuntos, o contexto da pandemia, o governo de extrema-direita que elegeu o jornalismo como inimigo. E tem as ameaças físicas também”.

O ataque jurídico contra o jornalismo, enfatiza Demori, se tornou a principal barreira para o exercício da profissão, porque é um ataque indiscriminado que fragiliza o jornalista de várias maneiras.

A cabeça dos juízes está virando, são reacionários

“Se o Lula foi preso num caso de trucagem jurídica, numa farsa completa do início ao fim, nada garante que não vai acontecer o mesmo com jornalistas que não têm uma imagem pública que os proteja. O jornalismo brasileiro é feito no interior em rádio AM ainda e lá o bicho pega, gente que não tem proteção nenhuma e nem vai ter, não tem institucionalidade, não tem Ministério Público nas cidades e muitas vezes são ameaçados pelo delegado, pelo capitão da Polícia Militar, pelo soldado da PM, porque mexem com essa gente”, compara.

A maioria dos processos acaba em condenação porque alguns juízes veem o jornalista como uma ameaça. Demori, por exemplo, está sendo processado por uma juíza na própria comarca em que ela é titular.

“A cabeça dos juízes está virando. Assim como o Ministério Público, estão rasgando a fantasia e mostrando que em boa parte são reacionários, que concordam com o sistema que a gente está vendo no Brasil hoje, que concordam com o governo, que querem manter os seus privilégios e que não estão gostando da imprensa botando o dedo na ferida deles. Porque a imprensa está investigando e cutucando o judiciário como nunca fez na história do país”.

O MP nunca apanhou tanto da imprensa, merecidamente, deveria ter apanhado antes e mais – no sentido figurado, ressalva. “A minha maior preocupação hoje enquanto jornalista é a guerra jurídica contra jornalistas, lawfare. É muito injusto, custa muito dinheiro, é muito perigoso no contexto que a gente tá vivendo aqui e tem um único objetivo: calar vozes dissonantes”, alerta.

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