Negacionismo climático, anticiência e a origem das fake news
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No painel de abertura da live Jornalismo em tempos de polarização e fake news, realizada na noite de quarta-feira, 31, como parte da programação comemorativa dos 25 anos do jornal Extra Classe, Claudio Angelo, coordenador de Comunicação do Observatório do Clima abordou o jornalismo feito no Brasil sob o governo populista de direita de Jair Bolsonaro e contextualizou o surgimento das notícias falsas como estratégia de comunicação. A informação, disse, é a única arma contra as fake news. O debate contou ainda com a participação dos jornalistas Leandro Demori, do The Intercept Brasil, e Cynara Menezes, do Socialista Morena. Assista à íntegra do debate.
“Antes de Osmar Terra, vacina chinesa com chip que vai controlar as pessoas, ‘gripezinha’ e todo esse negacionismo que está matando pessoas aos milhares por dia no Brasil, havia o negacionismo climático, que antecedeu o movimento anticiência, obscurantista, que acabou sendo convertido em arma pela comunicação da extrema-direita e deu no que estamos vendo agora”, exlicou Claudio Angelo.
O negacionismo da mudança do clima começa na década de 1980, quando grupos de interesses empresariais dos Estados Unidos adotaram as estratégias de comunicação da indústria do tabaco que, em 1953, contratara uma agência de relações públicas para apresentar uma estratégia de comunicação para desacreditar as denúncias de que o cigarro causava câncer.
“O que esses caras bolaram foi uma coisa sinistra, mas genial. Diziam: “nosso produto é a dúvida”. Introduzir a dúvida no público a respeito dos males do cigarro, conseguiriam criar uma porta de saída pra indústria do tabaco continuar ganhando dinheiro”. Esse mesmo manual foi replicado pela indústria fóssil a partir da década de 1980 pra questionar evidências que depois viraram consenso científico de que a mudança do clima estava acontecendo, contextualizou.
“O negacionismo sempre explora os fios desencapados da realidade pra criar um mundo ficcional. Em clima, você faz recorte parcial de dados, explora as incertezas que são inerentes a qualquer atividade científica ou até diz assim: “tá bom, eu acredito, mas isso é muito caro, não vamos trabalhar na solução desse negócio”. E a imprensa caiu nessa história. Existe essa coisa de ouvir o outro lado, um dogma da prática do jornalismo, que acabou vazando para essas questões científicas. O jornalista passou a submeter o consenso científico a um dogma de precisamos apresentar os dois lados, como se fossem verdades equivalentes e o leitor que tire suas conclusões”.
Jogo de versões e evidência científica
Ele cita diretor de jornalismo da TV Cultura, Leão Serva, que cravou o termo “jornalismo Rashomon” para identificar o jornalismo de versões contra as evidências. É uma referência ao filme Rashômon, de Akira Kurosawa, de 1950, cujo enredo é a descrição de um estupro e assassinato através dos relatos amplamente divergentes de quatro testemunhas, incluindo o criminoso e, com a ajuda de médium, a própria vítima. “O New York Times passou dez anos ouvindo os negacionistas do clima. Quando eles pararam de fazer isso, a Folha começou. Isso hoje está relativamente superado, mas a Folha e outros jornais tiveram um atraso na tomada de consciência dessa questão da crise climática”.
Antes da era digital, disse, botar uma informação na rua tinha custo. Com a internet, esse custo acabou. “Quando esse filtro desaparece, quem gritar mais alto ganha, entra a polarização, as fake news, todo esse discurso que é mais vendável do que, por exemplo, o consenso científico”.
Para piorar, temos líderes políticos que aprenderam a transformar desinformação em arma e criar guerras culturais. “Alguns atores no Brasil são vanguarda das fake News. A bancada ruralista já trabalha com isso desde antes de ganhar esse nome. Vimos que havia a necessidade de checar o discurso dessas pessoas”.
Quando a bancada ruralista passou a falar sobre licenciamento ambiental com base em dados distorcidos ou falsos, relatou Angelo, o Observatório do Clima passou a publicar agromitômetros, tentando desmontar as falácias. “Em 2019, o Ricardo Salles, mestre da falácia, foi fazer uma viagem pra Europa e o Greenpeace pediu pra gente fazer uma planilha com as mentiras mais frequentes do Ricardo Salles. Virou um livro de 35 páginas. Em 2020, resolvemos sistematizar esses esforços e criar o Fakebook, a primeira plataforma brasileira de combate à desinformação ambiental”. Na sua avaliação, estratégias como essa são pouco eficazes, considerando a capilaridade que os propagadores de notícias falsas têm em comunicação digital. “Mas a única arma da qual o jornalismo dispõe é a informação”, concluiu.