Pelo direito de fazer xixi
Foto: Sindicato das Sapateiras e Sapateiros NH/Divulgação
A reforma trabalhista realizada no governo Temer completou quatro anos sem cumprir suas promessas de geração de emprego e renda para a população. Aliás, as reformas dentro da reforma seguiram no governo Bolsonaro, quando as políticas capitaneadas por Paulo Guedes, com a ajuda do Congresso avançaram sobre direitos trabalhistas e flexibilizaram tudo o que puderam durante a pandemia.
Com isso, os Sindicatos, além de buscar a manutenção de empregos e renda dos trabalhadores, lutam também por questões básicas, que beiram o absurdo, como o direito de ir ao banheiro e o de não sofrer humilhações coletivas ao não cumprir metas. Situações que acabam dentro do escopo dos assédios morais na hora de discutir isso na Justiça e muitas vezes obrigando a, inclusive, prever cláusulas em acordos coletivos.
Essas práticas não chegam a ser novidade, porém alguns empregadores tradicionais acham que vivemos um vale-tudo. Empresas renomadas como Dell, Santander e Carrefour estão na lista dos empregadores abusivos.
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Recente condenação da Dell -Computadores do Brasil, braço nacional da maior companhia de distribuição de computadores dos Estados Unidos, chama a atenção, até por já ter sido considerada uma dos melhores empresas para se trabalhar em um passado bastante recente .
Conhecidas como Big Techs, empresas como a Dell integram um setor que muitas vezes é citado como exemplo positivo das “novas relações de trabalho”.
Entenda o caso
A 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4) condenou a Dell, no início de julho, por atos que causaram danos morais coletivos aos seus funcionários em Eldorado do Sul.
Segundo a sentença, a Dell sujeitava trabalhadores e trabalhadoras a assédio moral por parte de superiores hierárquicos. Havia pressão excessiva por metas e exposição pública do desempenho individual (rankings de produtividade), apelidos degradantes e tratamento humilhante.
Até limitações de uso dos sanitários foi confirmado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que instaurou uma investigação em 2014, quando chegaram denúncias sobre as práticas da empresa.
O resultado, conforme informado pelo MPT, resultou em uma a ação civil pública movida pela procuradora do trabalho Juliana Bortoncello Ferreira contra a empresa, já em 2017.
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A condenação, confirmada pela 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), estabelece uma indenização de R$ 10 milhões pela prática de condutas que “causaram danos morais aos empregados da empresa e à sociedade civil como um todo”. Além desse valor, a Dell também deverá adotar medidas que assegurem um bom ambiente de trabalho e respeito aos direitos dos trabalhadores.
Os desembargadores ainda decidiram aumentar para R$ 100 mil a indenização por dano moral nas demissões consideradas discriminatórias por cada trabalhador dispensado no período de um ano após retorno de afastamento por saúde. Em sua investigação, o MPT identificou um número expressivo de casos que fugia a normalidade.
Todo o montante da condenação da empresa deverá ser destinado para uma entidade pública ou filantrópica que deverá ser definida pelo MPT.
Ação do sindicato
Já João Batista Massena, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Porto Alegre (STIMEPA), que representa os empregados da Dell – a entidade também atua em nome dos trabalhadores de equipamentos elétricos e eletrônicos –, entende que a indenização de R$ 100 mil por funcionário demitido pela Dell deve ser revertida para os próprios trabalhadores envolvidos e não para uma entidade filantrópica. “Essa é a visão do nosso jurídico, pois é identificável os que foram demitidos após as licenças médicas”, afirma o sindicalista.
Massena, ainda afirma que a decisão do TRT4 abre uma grande oportunidade para que o sindicato amplie sua atuação na Dell. “É uma empresa que tem um diálogo muito pequeno como sindicato, que discrimina quem se sindicaliza, por exemplo”.
Segundo ele, as medidas determinadas pela Corte para que a empresa cumpra seu papel de “boa empregadora” de fato, não só na propaganda, exige a discussão e o acompanhamento do sindicato.
Contraponto
A Dell informa que vai recorrer da decisão no Tribunal Superior do Trabalho (TST) e, entre seus argumentos, está seu frequente posicionamento no ranking das empresas consideradas como melhor lugar para trabalhar.
Do pleno emprego à precarização
Foto: Foto: Sindicato das Sapateiras e Sapateiros NH/Divulgação
Se antes, de 2010 a 2014, os brasileiros viveram a situação inusitada de serem disputados por empregadores, em uma realidade de pleno emprego, hoje a situação se inverteu. Agora, sindicatos travam batalhas para evitar o aumento da precarização e até situações humilhantes no ambiente de trabalho.
Foi o que aconteceu recentemente em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. Em um caso que repercutiu na grande mídia e nas redes sociais, tamanho o absurdo. O Sindicato das Sapateiras e Sapateiros da cidade conseguiu fazer a fábrica Zenglein & Cia Ltda assinar um acordo coletivo permitindo que seus trabalhadores possam usar o banheiro quando for necessário.
O que para muitos parece ser algo corriqueiro, não é uma realidade no universo fabril calçadista. Em uma esteira de produção, explica a diretora do sindicato, Jaqueline Erthal, o funcionário só pode ir ao banheiro quando outro, que no jargão dos sapateiros se chama coringa, está à disposição para assumir o posto para que seu colega possa usar o sanitário.
Grávida e humilhada
Não foi o que aconteceu com uma jovem de 19 anos, gestante, que pediu três vezes para ir ao banheiro na Zenglein.
Não conseguindo se segurar, ela acabou fazendo suas necessidades em pleno posto de trabalho. Segundo Jaqueline, somente após circular entre os colegas “toda urinada” e humilhada, os Recursos Humanos da empresa a liberou o uso no toalete.
“Nem uma condução lhe colocaram à disposição, voltou pra casa molhada mesmo”, relata a sindicalista.
Foi o estopim que fez com que a empresa, exposta à opinião pública pelo sindicato, definir com o sindicato o número necessário de “coringas” para que fatos como esses não ocorram mais, registra a diretora.
Dignidade humana
Foto: Carrefour/Divulgação
A situação passada pela jovem gaúcha não é um fato isolado e presente no ambiente fabril. Em 2018, a rede de supermercados Carrefour ouviu da juíza Ivana Meller Santana, da 5ª Vara do Trabalho de Osasco (SP): “proibir que um funcionário vá ao banheiro quando sentir vontade fere os princípios da dignidade da pessoa humana e os direitos da personalidade”.
Foi nesse sentido que a magistrada atendeu a ação civil pública do Sindicato dos Comerciários de Osasco e Região (Secor) que pedia que sete unidades do grupo parassem de restringir o uso dos banheiros pelos funcionários.
O Carrefour adotava então um sistema de fila eletrônica que obriga os operadores de caixa ou telemarketing a registrar seu nome e esperar sua vez de usar o banheiro.
Para o Secor, a restrição ao uso do banheiro tratava-se de “uma forma de controle do corpo do trabalhador em violação à personalidade”.
Foto: Santander/Divulgação
O que já era ruim ficou pior
Foto: Reprodução/CUT-RS
Ricardo Franzoi, supervisor técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socieconômicos (Dieese) no Rio Grande do Sul faz questão de lembrar que atos como esses “não são de agora”, mas se intensificam em uma realidade onde a maior parcela da população se encontra desempregada ou subempregada.
“As pessoas acabam se sujeitando”. Por outro lado, diz, em uma sociedade onde a informação flui com a velocidade atual, também esses abusos acabam tendo mais visibilidade.
Maria Rosani, diretora executiva do Sindicato dos Bancários de São Paulo, corrobora com a opinião de Franzoi.
Segundo ela, a luta para que os bancos não restrinjam horários determinados para o descanso dos trabalhadores de seus call centers, apesar de Normas Regulamentadoras bem claras estabelecidas “existem desde sempre”.
A dirigente sindical ressalta, que paralelo ao esforço de garantir o que já deveria estar garantido, tem se tornado um esforço a mais nas demandas dos sindicatos.
“Tudo vem se agravando cada vez mais. Agora, com Bolsonaro, a situação é mais aguda”, afirma Maria.
Foto:Nilson Hashizumi/Sind Bancários SP/Divulgação
Maria relata que, para burlar as conquistas dos bancários, uma categoria marcada por sindicatos fortes, os bancos têm “constituído empresas para tudo e, assim, terceirizam os trabalhos”, criando um emaranhado que torna difícil chegar aos responsáveis finais. “O Santander, por exemplo, criou uma empresa de telemarketing na Região Sul para atender a rede”.
As corporações criaram call centers, entre outras empresas prestadoras de serviços, chegando até a prospecção de contas. A ideia é dificultar o poder de interlocução dos sindicatos. É o que explica a bancária.
“Infelizmente, eles estão resguardados pela legislação”. Ela ainda aponta um sentimento que cresce entre os dirigentes bancários: “nossos acordos coletivos são bianuais e hoje eles estão com a faca e o queijo na mão. Cremos, inclusive, que se não houver uma mudança de governo, os bancos podem querer não renovar”, completa.