Território indígena em Porto Alegre na mira da iniciativa privada
Créditos apra Alass Derivas | Deriva Jornalismo
Em Porto Alegre, capital gaúcha, se repetem violências contra indígenas que parecem próprias somente das mais escondidas matas amazônicas. Desde que retomaram território tradicional, em 18 de junho de 2018, na Ponta do Arado, em Belém Novo, famílias Guarani Mbya denunciam ameaças de morte e atentados a tiros constantemente, que dizem ser devidos a conflitos pela terra. Na noite desta quinta-feira, 12, o secretário Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smam), Germano Bremm, realizou uma audiência pública virtual para viabilizar a alteração do regime urbanístico da região no extremo sul da Capital gaúcha, e assim obter condições legais para a criação de um bairro planejado na Fazenda Arado Velho, que abrange a área indígena.
São 426 hectares de ambientes conservados onde habitam espécies da fauna, algumas em risco de extinção, nas margens do Lago Guaíba, com banhados e sítios arqueológicos que atestam o território tradicional indígena, além de ruínas de casarões dos séculos 19 e 20.
Para a conservação da natureza, em 2015 foi criada a campanha Preserva Arado, por moradores do bairro e estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que lutam para a sua transformação em parque natural público. Os empreendedores alegam que vão preservar 228 hectares, mas o loteamento se destina a cerca de 2 mil residências e vai impactar em 70% no crescimento da população local, que hoje é de 10 mil habitantes.
“Esse empreendimento é absolutamente insustentável do ponto de vista ético, moral, jurídico, técnico e científico”, afirmou durante a audiência o advogado especialista em direito agrário e ambiental José Renato Barcelos, conselheiro do Movimento de Justiça de Direitos Humanos e do Conselho Municipal de Meio Ambiente.
Ele criticou a fala do prefeito Sebastião Melo que entrou no evento, por meio do celular, dizendo que “alguém comprou e pagou pelo terreno e a Prefeitura tem que garantir ao investidor a criação do empreendimento”. Melo ainda alegou que “botaram num avião um índio de Santa Catarina para dizer que morava ali”. José Renato Barcelos considerou a postura “racista” e “excludente” e enfatizou o direito ao usufruto das terras tradicionais concedido aos indígenas pela Constituição Federal. Bremm alegou que a audiência era para “tratar de questões urbanísticas e não de propriedade”.
O coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi Sul), Roberto Liebgott, relatou que foi ocupado um auditório no bairro para participação presencial na audiência pública, por meio de telão. Porém ficou vazio, pois exigiu-se inscrição prévia. “Os indígenas não puderam entrar. A audiência foi uma farsa, para assegurar a legitimidade do empreendimento, devastar a natureza, afrontar a territorialidade Mbya Guarani e seus direitos à liberdade e à vida”.