2020 foi um ano trágico para os povos indígenas do Brasil
Chico Batata/Greenpeace
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) lançou nesta quinta-feira, 28, o Relatório de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2020. Desde a primeira edição da iniciativa em 2003, este é o maior já produzido pela entidade, segundo a antropóloga Lucia Rangel, assessora antropológica do Cimi. E a hostilidade do governo Bolsonaro, destaca, foi o que mais contribuiu para isso. “É a banalização da crueldade, da truculência e da morte”, frisa Lucia.
Segundo o Cimi, o relatório de 2020 apresenta “o retrato de um ano trágico para os povos originários no país”. Mesmo diante da pandemia Covid-19, grileiros, garimpeiros, madeireiros e outros invasores intensificaram suas ações sobre os territórios indígenas. O documento registra, no segundo ano do mandato do presidente Jair Bolsonaro, a nocividade da “omissão do governo federal em estabelecer um plano coordenado de proteção às comunidades indígenas”. Por isso, o Cimi diz que 2020 ficou marcado pelo alto número de mortes decorridas do que considera “má-gestão do enfrentamento à pandemia no Brasil”.
O novo coronavírus, que chegou às aldeias e provocou mortes, segundo o Relatório, foi levado em muitos casos por invasores que seguiram atuando ilegalmente “livres das ações de fiscalização e proteção que são atribuições constitucionais e deveriam ter sido efetivadas pelo poder Executivo”. Concretamente, denuncia o Cimi, as invasões de territórios para a exploração ilegal dos recursos naturais se intensificaram mais no ano passado.
Em relação a 2018, houve um acréscimo de 137%. Se no último ano do governo Temer foram computados pelo Cimi 111 ocorrências, os dois últimos relatórios do Conselho Indigenista demonstram claramente a intensificação que passou a ocorrer sob o comando de Bolsonaro. Em 2019, 256 casos registrados; em 2020, 263.
A denúncia ainda aponta que, no ano passado, “pelo menos” 201 terras indígenas, de 145 povos, em 19 estados foram atingidas. A antropóloga Lúcia chega a falar em uma “gana” para essa prática que, segundo ela, apesar de atingir o ápice com Bolsonaro e sua indisposição contra os povos originários, também se verificou em outras épocas no Brasil.
Foto: Acervo Pankararu
O passe da boiada
Referindo a célebre frase do então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que era preciso aproveitar a pandemia para “passar a boiada” da desregulamentação, o Cimi identificou que o padrão do primeiro ano de Bolsonaro na presidência se repetiu em 2020.
As invasões e casos de exploração de recursos naturais e os danos causados ao patrimônio nacional foram protagonizados por madeireiros, garimpeiros, caçadores e pescadores ilegais, fazendeiros e grileiros, coincidentemente base de apoio do presidente.
Além das invasões de territórios, o Cimi registra que, em muitos casos, “os invasores dividem a terra em ‘lotes’ que são comercializados ilegalmente, inclusive em terras indígenas habitadas por povos isolados”.
Extermínio e perda cultural
Para o Cimi, a estreita relação entre a atitude dos invasores, a omissão do Estado e o agravamento da crise sanitária nas aldeias é sintetizada no caso dos povos Yanomami, Ye’kwana e Munduruku.
Entre esses povos foi estimada a presença ilegal de 20 mil garimpeiros. Esses invasores, de acordo com o relatório, até mesmo no meio de povos com isolamento voluntário, devastaram territórios, provocaram conflitos, atos de violência contra os indígenas e atuaram como vetores da coronavírus.
“Em muitas aldeias, a pandemia levou as vidas de anciões e anciãs que eram verdadeiros guardiões da cultura, da história e dos saberes de seus povos”, lamenta o documento que ressalta “uma perda cultural inestimável – não só́ para os povos indígenas diretamente afetados, mas para toda a humanidade”.
Apresentando dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o relatório relata que mais de 43 mil indígenas foram contaminados pela Covid-19. Desses, cerca de 900 morreram por complicações da enfermidade no ano de 2020.
Violência e assassinatos
Fotos: CEDPH-MT e FDHT-MT
O Cimi chama a atenção para o “considerável aumento dos assassinatos de indígenas no Brasil”. Em 2020, o número de casos foi 61% maior do que o registrado em 2019. Ao todo, 182 indígenas foram assassinados no ano passado, ante os 113 assassinatos em 2019.
No cômputo geral das categorias “violência contra a pessoa” e “violência contra o patrimônio indígena”, 2020 foi o ano que mais apresentou ocorrências entre os últimos cinco.
No mesmo período, os casos de “violência por omissão do poder publico” registrados em 2020 só foram menores que os de 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro.
Discurso predatório
O Relatório do Cimi conclui que as violências praticadas contra os povos indígenas e seus territórios “são condizentes com o discurso e as práticas de um governo que tem como projeto a abertura das terras indígenas à exploração predatória, atuando no sentido de disponibilizar essas áreas para a apropriação privada e favorecendo os interesses de grandes empresas do agronegócio, da mineração e de outros grandes grupos econômicos”.
Para o Cimi, é uma opção política do governo federal que é evidenciada pelos inúmeros discursos do próprio presidente da República e por medidas práticas como o Projeto de Lei (PL) 191 que propõe a mineração em terras indígenas, apresentado pelo governo ao Congresso Nacional em fevereiro de 2020. A Instrução Normativa (IN) 09 da Fundação Nacional do Índio (Funai) que buscava a flexibilização das regras para que propriedades privadas se sobreponham a áreas indígenas ainda em processo de reconhecimento ou demarcação também foi lembrada no Relatório.