Quem tem medo da reforma agrária
Foto: Igor Sperotto
Na história brasileira, a posse da terra sempre foi um instrumento de poder. E um poder de natureza econômica. Porque é ela, a terra, a base tanto para a produção agropecuária, quanto para a extração mineral. Assim, a sua posse também é um poder de natureza política, que interfere na vida de todas as pessoas. Se observarmos o Brasil, desde os tempos da escravidão – mesmo depois da abolição, já com o trabalho livre –, sempre foi vedado, impedido e dificultado às populações pobres o acesso à terra. Com essa síntese, o estudioso e pesquisador da reforma agrária Adalberto Floriano Greco Martins introduz um breve histórico das contradições brasileiras na disputa pela terra desde a colonização até os dias de hoje
Vivemos no Brasil e na América Latina uma contrarreforma agrária estimulada pelos mercados financeiros, destaca o agrônomo e doutor em Geografia Adalberto Martins.
Ao contrário do que muitos pensam e divulgam, a reforma agrária não é coisa de “comunistas”, contrapõe. Entre os países capitalistas cujo desenvolvimento econômico está diretamente ligado aos diferentes modelos de reforma agrária adotados, estão Estados Unidos, Coreia do Sul, Japão, Israel, Alemanha, Espanha, França, Itália, Inglaterra, Irlanda, países escandinavos, entre outros.
Para o jornalista pós-graduado em Geografia Humana Alceu Castilho, do observatório De Olho Nos Ruralistas, também é importante ressaltar que a reforma agrária “é uma invenção capitalista”, que no Brasil foi usada para derrubar o presidente João Goulart, por exemplo – no Golpe de 1964 – como parte dos medos atribuídos ao comunismo. Castilho é autor do livro Partido da Terra – como os políticos conquistam o território brasileiro (Contexto, 2012).
NESTA REPORTAGEM
“E até hoje é assim. Esta é a lógica do medo. Existe um trabalho midiático, inclusive do conservadorismo, de demonizar os que defendem a reforma agrária, de demonizar os sem-terra, os camponeses – mesmo sendo a reforma agrária uma alternativa dentro do próprio capitalismo e sustentável do ponto de vista ambiental e econômico”, argumenta.
Questão cultural
Foto: Bárbara Vida/MST/Divulgação
Adalberto Martins aborda com autoridade a questão agrária. Ele tem graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, é Mestre em Ciências Sociais, pela PUC-SP e especialista em agroecologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Em 2017, concluiu o doutorado no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs). Na década de 1990, Martins contribuiu com a Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária no Brasil (Concrab) e atualmente colabora com a Cooperativa Central dos Assentamentos de Reforma Agrária no Rio Grande do Sul (Coceargs) e com a Cooperativa de Serviços Técnicos (Coptec), todas ligadas ao Movimento Sem Terra.
Autor de A produção ecológica de arroz e a reforma agrária popular (Expressão Popular, 2019) e A história do Brasil na ótica dos regimes fundiários: a questão agrária da Colônia à contemporaneidade, entre outros livros, ele conta que, antes mesmo do descobrimento, na Europa lusitana, a classe dominante aristocrática rural, via como “degradante” o trabalho manual, o que inclui o trabalho na terra.
Essa lógica veio para o Brasil junto com os colonizadores portugueses. Para eles, por ser um trabalho degradante, devia ser feito pelo “outro”. Além disso, havia – e ainda há – uma mentalidade predatória, a de extrair tudo o mais rápido possível para adquirir riqueza e um título de nobreza (status social) para então voltar a Portugal.
Inicialmente, não havia o propósito de povoar, mas de promover uma colonização de exploração, com o objetivo de extrair da natureza e dos trabalhadores o máximo possível, no caso, trabalhadores escravizados, conquistando a partir daí um ganho econômico e um título de nobreza, a fim de retornar à Europa.
“Este traço marcaria a mentalidade da classe dominante brasileira até os dias de hoje. Podemos verificar, numa discussão de profundidade da nossa formação socioeconômica, que nós podemos ver uma certa continuidade na formação cultural da classe dominante brasileira, desde o mercantilismo e das navegações até a fase da industrialização e financeirização, que sempre esteve muito ligada aos interesses externos”, esclarece Martins.
Expansionismo e racismo
Foto: Igor Sperotto
“Vivemos em um país em que são demonizadas as concessões, as migalhas, aos mais pobres. Existe algo de muito concreto nessa luta pela terra e por reforma agrária, que é vista como perigo pelo agronegócio. Trata-se de uma questão de disputa de territórios. Isso é importante, no meu posto de vista, porque eu vejo o governo Bolsonaro, por exemplo, como um governo que afirma determinados traços expansionistas e racistas que estão presentes nessa matriz ruralista, que é econômica e política desde antes dele”, contextualiza Alceu.
“Mas por que falar em expansionismo e racismo?”, questiona. “Porque grandes eventos da história do século 20 estiveram diretamente ligados a esses traços. Só que, diferente do que aconteceu no nazifascismo, o expansionismo racista aqui no Brasil não ocorre como disputa entre países. Ele ocorre a partir das fronteiras agropecuárias, das fronteiras do capital”, argumenta o jornalista.
Foto: Antônio Agusto/Agência Câmara
Conforme Castilho, esses povos indígenas, quilombolas descendentes de negros escravizados, descendentes de indígenas, camponeses que habitam esses territórios a serem conquistados são tratados como se fossem pessoas de outra ordem. “E aí a gente chega facilmente na bancada ruralista, que antecedeu em vários anos os discursos do próprio Bolsonaro. Ele incorporou esses discursos.”
Ele recorda o episódio em que o senador Luis Carlos Heinze (Progressistas), hoje pré-candidato ao governo do RS, disse, já em 2014, que “quilombolas, índios, gays, lésbicas” são “tudo que não presta”. No mesmo dia e evento, o deputado federal Alceu Moreira (MDB) fez um pronunciamento ainda pior, incitando os fazendeiros a lutar contra os indígenas “do jeito que for necessário”. Alceu viria a ser presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) no biênio 2019/2020.
O medo plantado e colhido por gerações
Foto: CPDOC/FGV
Nos 350 primeiros anos da colonização, a classe dominante brasileira foi escravagista, aristocrática e agrária. Depois, ela vai se modernizando e se tornando industrial. Mas todas as épocas têm em comum o medo, incutido como uma das formas de dominação. “Primeiro, era o medo dos escravos e a presença do discurso do medo da massa negra escravizada e de que ocorressem revoltas, como a do Haiti, em 1791. Mais tarde, após a abolição, o medo passou a ter foco na classe trabalhadora, que estava num processo de urbanização e industrialização, principalmente depois da virada para o século 20”, registra Martins.
Foto: Memorial da Democracia/Reprodução
Na década de 1950, como a questão agrária não havia sido resolvida nas eras Vargas e JK, esse medo passa a dar atenção especial aos camponeses. E cresce na década de 1960, pois as principais forças populares estavam no campo, com as ligas camponesas e a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (Ultab), que reivindicavam e se insurgiam em prol da reforma agrária, até os idos de 1964, quando muitos desses militantes e lideranças foram reprimidos, presos, mortos e desaparecidos após o golpe militar.
Militares promoveram modernização sem reforma
Foto: Arquivo Nacional/Correio da Manhã/ Reprodução
Com os movimentos sociais reprimidos no campo, a partir do golpe de 1964, deu-se um processo acelerado de concentração dos capitais e de internacionalização, que, aliás, já havia iniciado no governo Juscelino Kubitschek (1956/1961). “Na década de 1970, tivemos a escolha pela modernização da grande fazenda. Já havia dentro do país uma indústria surgida do plano de metas do governo Juscelino Kubitschek e voltada para a agricultura”, destaca Martins.
A modernização dentro da fazenda, por meio da química genética e mecânica, não dependia tanto de importação, porque já existia uma indústria se constituindo para fortalecer essa escolha dos militares de modernizar a grande fazenda de forma subsidiada. Ocorre essa modernização por cima, excluindo os pequenos e subsidiando os grandes. Com isso, bloqueou-se o capital. Porém, no meio da década de 1970, os pequenos também começam a acessar as linhas de crédito rural nos bancos, contextualiza o pesquisador.
Crise econômica e reorganização dos movimentos sociais
Na medida em que no final dos anos 1970 estoura a crise da dívida externa brasileira, começa o fim do governo militar e da ditadura do ponto de vista econômico. Isso gera as grandes greves do ABC, surge Lula como líder sindical e, na sequência, o próprio PT e a CUT. Essa crise obriga os militares a parar de subsidiar a agricultura. É aí que explode o endividamento dos pequenos agricultores e, em 1984/85, já com a Nova República, esse endividamento atinge também os grandes produtores.
Martins reforça que a reforma agrária na história brasileira foi sempre bloqueada. Ele ressalta que não se trata apenas disso, mas de um bloqueio a todas as demandas populares. “Direitos trabalhistas para assalariados do campo só passaram a existir em 1963 com o Estatuto do Trabalhador. Até então, era vetada a sindicalização de trabalhadores do campo.”
Na década de 1970, parte dos pequenos agricultores, principalmente do centro-sul do país, começa a viver um processo de endividamento. Na época, o ministro da Economia era Delfim Neto. Estava em curso o primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), do governo Emílio Médici. A ideia é que esses capitais migrassem para o campo por meio de grandes projetos agropecuários estimulados por isenção fiscal. E foi o que aconteceu, sobretudo em áreas com quilombos, comunidades de posseiros camponeses, terras indígenas. Com isso, o norte do país na década de 1970 se torna explosivo no sentido de conflitos.
“Não é à toa que a Comissão Pastoral da Terra (CPT) surge em 1975 no Bico do Papagaio, divisa do Tocantins, Pará e Maranhão, onde estava conflitado o processo por conta da expansão das fronteiras agrícolas dos militares”, repara Martins.
Na virada dos anos 1970 para 1980, novos movimentos se formam. Por exemplo, nasce o MST, o movimento dos seringueiros extrativistas e explodem as greves e revoltas dos boias-frias nos canaviais.
As contradições e as lutas que resultam dessa crise econômica, da dívida externa e de um modelo econômico que estava se esgotando produziram um ascenso popular, que, por sua vez, gerou instrumentos que estão aí até hoje: PT, CUT e MST. “E a grande liderança dessas forças ainda se dá porque até hoje não surgiram novos ciclos de lutas populares”, constata.
“Ocupação é a única solução”
Foto: Daniel Andrade/Arquivo MST
Adalberto explica o surgimento do MST como resposta à contradição do modelo de desenvolvimento capitalista na agricultura brasileira. O movimento proporcionou aos camponeses a oportunidade de dizer não. “Eu não quero ir para os programas de colonização e quero terra onde eu estou.” E passaram a organizar as ocupações.
O MST possui três grandes matrizes: as lutas localizadas (ocupações de grupos que vão ocorrer no centro-sul do país no final da década de 1970); a matriz sindical (com a formação das oposições sindicais nos sindicatos dos trabalhadores rurais que se tornaram “pelegos”, ou seja, foram cooptados, durante o regime militar), e a presença do trabalho pastoral (uma vez que a repressão era grande e o caminho eram os encontros religiosos das comunidades eclesiais de base).
Essas três matrizes se convergiram no Primeiro Encontro Nacional do MST, em 1984, quando as lideranças desse conjunto de lutas se encontraram. E neste encontro houve um grande debate, que desembocou no Congresso do MST, no ano seguinte, 1985, quando ocorreu a fundação do movimento e foram definidos os três objetivos: Lutar pela terra; Lutar por Reforma Agrária; Lutar por uma sociedade mais justa e fraterna.
A leitura do MST era a de que as elites promoveram a modernização do campo sem precisar passar pela reforma agrária, diferentemente do que aconteceu na Europa, onde a reforma foi necessária para liquidar uma forma política de domínio da terra. A conclusão lógica do MST foi esta: se a burguesia não precisa da reforma agrária, não seria ela quem iria fazê-la. E se o Estado brasileiro é refém das classes dominantes, logo o Estado também não vai fazê-la. Então, quem pode fazer a reforma agrária são os camponeses, que são principais interessados. A partir disso gerou a palavra de ordem: “Ocupação é a única solução”.
Da redemocratização aos assentamentos
No processo de democratização, que compreende os governos José Sarney e Fernando Collor de Mello, planos econômicos fracassaram, o país foi aberto para o capital internacional e transnacional, o setor agrícola quebrou para grandes e pequenos – para dar lastro ao Plano Real. O preço das terras caiu.
Isso permitiu que o então presidente Fernando Henrique Cardoso promovesse, nos dois primeiros mandatos, o maior número de desapropriações e assentamentos da história, seguido de perto pelos dois mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo Adalberto, para sustentar a entrada deste circuito rentista, os governos liberais fizeram um ajuste interno com as elites. A proposta do setor financeiro foi a seguinte: em vez de financiar o Estado a partir dos impostos, o financiamento se dará a partir da compra de títulos públicos.
“Essa foi a jogada econômica que a classe dominante fez com os governos mais comprometidos com ela. Mas o que muda, afinal? Em 1998, FHC vai para o FMI e, em 1999, muda a paridade cambial. Então, aquela farsa do Real forte, que era insustentável, acabou. O próprio Fernando Henrique usou essa expressão: é exportar ou morrer”, resume.
Foto: Raylton Alves/Agência ANA/Divulgação
A era Lula e o agro
Em 2002, Lula vence as eleições e nomeia para seu ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, ex-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). Isso já era reflexo de que Lula, na famosa Carta aos Brasileiros, quando defendia “valorizar o agronegócio e a agricultura familiar”, também firmava um compromisso de não quebrar os contratos do governo com os rentistas, financistas e manter a agricultura brasileira “bombando”, diante de um mercado internacional que estava superaquecido.
Mais poderosa do que o latifúndio
Há uma mudança profunda no modelo macroeconômico, porque, atrás dessas grandes empresas capitalistas e das transnacionais que dominam vários setores da agricultura brasileira, há uma nova força mais poderosa do que o latifúndio, o capital financeiro. É o que explica Adalberto.
Por trás de vários desses investimentos, existem fundos de pensão e fundos de investimentos. Isso é importante para se entender que o volume de dinheiro à disposição desses setores é muito grande. Trata-se de uma massa imensa de capital que antes não estava direcionada para a agricultura. Além de toda a parte financeira dos títulos, começa a existir a comoditização.
“Muitos vão dizer que o governo Lula se acadelou porque foi cooptado quando virou governo. Mas é preciso observar a base material do que aconteceu. O preço da terra voltou a explodir. As margens de ganho na década de 2000 foram extraordinárias. Houve o boom da soja. A China comprava tudo que era agrário: mineral, óleo, grãos e polpa de celulose”, relativiza.
O governo Lula não fez reforma agrária. Tentou, mas não conseguiu. Porque havia, além de uma decisão política, o compromisso de não quebrar nem romper com o capital financeiro. Portanto, o ‘agro’ era necessário para manter as reservas cambiais. Mas também não havia condições, porque esse setor, o do agronegócio, se tornara uma força política imensa lastreada pelos fundos de investidores.
Modelos de agricultura e capital financeiro
Foto: MST Alagoas/Divulgalção
Essa mudança inviabilizou a conquista de áreas e a mobilização no campo. “Quando não se tem conquistas, se tem dificuldades para mobilizar as pessoas. E, por outro lado, se você olhar toda a política social, que foi muito importante, por conta da geração de empregos, que é real e existiu, se constata um esvaziamento daquele público que queria lutar por terra”, esclarece Martins.
A partir das análises feitas pelo MST em 2007 e em 2014, em seus 4º e 5º Congressos, respectivamente, sobre o que significa a Reforma Agrária Popular, o movimento concluiu que mudara a correlação de forças, mudara o ‘inimigo’, e que já não seria mais simplesmente o latifúndio, mas o agronegócio e o capital financeiro.
“O agronegócio é a expressão do modelo de agricultura do capital financeiro.” Então, para fazer o contraponto, tornou-se necessário um arco de alianças muito mais forte. Isso obrigou o MST a concentrar forças na qualificação da produção.
“Na reforma agrária popular, ainda é importante a cooperação agrícola, a organização dos fatores produtivos – discussões lá dos anos 1990 –, mas é fundamental, também, discutir a função social dessa terra libertada. Essa terra tem de produzir alimentos. E não pode ser qualquer alimento. Tem de ser alimento de qualidade. Portanto, a agroecologia nessa virada veio a se somar. E esse amadurecimento do MST também desenvolveu e coincidiu com esse giro do modelo macroeconômico. A convivência na Via Campesina nos permitiu entender melhor a necessidade de adotar uma agricultura ecológica”, argumenta Adalberto.
Mas qual o sentido da reforma agrária, hoje?, indaga. “Geração de empregos, não apenas do ponto de vista da produção de alimentos. Não apenas do ponto de vista do combate à desigualdade. É, também, do ponto de vista de uma condição de democracia e de diminuir a força deste setor empresarial da agricultura. Mas é também um objeto de sustentabilidade, de produção de saúde, de um meio ambiente sadio”, justifica Adalberto.
“Não à toa, o MST lançou a campanha Plantando árvores e produzindo alimentos saudáveis, porque é isso que conecta os camponeses à modernidade. A função social dos camponeses é a produção de alimentos saudáveis e recuperação dos bens naturais que estão nos nossos territórios. E essa função é revolucionária. Lutar por isso e defender isso permite alianças e permite, também, avançar com um projeto de humanidade frente a este colapso ecológico, ambiental e destrutivo imposto pelo grande capital”, resume.
Conflito moderno
Foto: Fernando Augusto/Ibama/Divulgação
Adalberto teoriza: “O conflito da terra se modificou. Se a gente olhar os últimos 15 anos, perceberemos uma diminuição do número de ocupações. Por outro lado, os conflitos aumentam. Isso ocorre porque os setores financeiros estão se apropriando das terras públicas na lógica da comoditização da agricultura brasileira. Isso tudo se transforma em títulos financeiros e ações da Bolsa de Valores.”
A crise de 2008 transformou a terra em um espaço de reserva de valor muito importante. Muitos fundos abandonam os títulos podres (títulos de dívidas públicas e privadas de alto risco e alta rentabilidade) e passam a comprar títulos de terras.
Mais recentemente, não por acaso, são justamente essas as iniciativas da Frente Agropecuária, que é um conjunto de leis para a regularização fundiária. Eles argumentam que é muito importante a regularização para os pequenos produtores, mas por trás está a legalização de uma tremenda grilagem de terras.
“E é por isso que acelerou o desmatamento, as queimadas, porque o que está em curso é um grande processo de apropriação de terras públicas no Brasil inteiro, não apenas na Amazônia. Vale também para o Cerrado, para o Pampa, para o Pantanal. Isso explica por que aumentaram os conflitos por terras. As populações estão resistindo às ocupações do capital e isso gera tensão e violência.”
Quem banca a Frente Parlamentar da Agropecuária
Foto: Agência Brasil/ Divulgação
“A presença política da grande fazenda é histórica desde o Império, na República Velha, na Nova República, com a sociedade mais democratizada. As articulações setoriais sempre existiram. A novidade é que há um setor que é mais amplo do que a fazenda em si ou o fazendeiro. “Trata-se de holdings que estão por trás de um empreendimento para cumprir expectativas de um conjunto de investidores”, afirma Adalberto Martins.
Essa comunhão da grande fazenda com o capital financeiro lastreia ainda mais a necessidade de financiarem seus candidatos. “Tanto é que cresceu a bancada ruralista. Se olharmos de Ronaldo Caiado para cá, vão mudando os nomes. Basta ver quem são ou foram os ministros da Agricultura: Roberto Rodrigues (Lula), Kátia Abreu (Dilma), Blairo Maggi (Temer), Tereza Cristina, a rainha do veneno (Bolsonaro). Todos ligados ao agronegócio. Isso é a expressão dessa força econômica e política, que está lastreado na Câmara dos Deputados, no Senado e no Judiciário”, revela Adalberto.
A antiga bancada ruralista, repaginada para Frente Parlamentar da Agropecuária, existe desde 1995 e se consolida como um dos segmentos mais poderosos no Congresso brasileiro. É responsável, por exemplo, por mais da metade dos votos pró-impeachment de Dilma Rousseff e ajudou a enterrar, com igual número de votos, duas denúncias de corrupção contra o ex-presidente Michel Temer, em 2017. Praticamente 40% da Câmara Federal e um terço do Senado. São parlamentares cujo apoio é disputado por presidentes eleitos ou que pretendam vir a ser. Ali, são costurados cargos e distribuição de cargos em todos os governos.
Foto: FPA / Divulgação
A MANSÃO – Congressistas e lobistas se reúnem semanalmente em uma mansão no Lago Sul, área nobre de Brasília, a fim de definir estratégias para aprovações de leis que beneficiam o setor e os interesses dos investidores.
As despesas com aluguéis, funcionários, almoços, infraestrutura, água, luz e telefones são mantidas pelo Instituto Pensar Agropecuária (IPA), think tank que arrecada dinheiro de mais de 40 associações do segmento e de empresas multinacionais e transacionais como Bayer, BRF, JBS, Bunge, Nestlé e Cargill.
“A frente agropecuária é financiada, por empresas nacionais e multinacionais a partir de associações como Aprosoja, Sociedade Rural Brasileira, Fiesp, etc, por multinacionais, inclusive, que posam de defensoras do planeta e do clima”, denuncia Alceu Castilho.
Foto: FPA/Divulgação
“São eles que financiam a boiada a partir da Frente Parlamentar da Agropecuária, que é quem coloca no Congresso os projetos de Lei que retiram os direitos dos camponeses, indígenas e quilombolas; que retiram os direitos ambientais, que promovem o uso de agrotóxicos sem limites. E assim por diante. De forma sintética, dá para dizer que o capital nacional e internacional banca a FPA, que é a expressão mais organizada da bancada ruralista. Eles bancam a boiada, apesar dos seus discursos em torno do greenwash, como se fossem defensores do ambiente e do clima. Isso é essencial para entender o Brasil”.
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