Transição energética e trabalho foram tema de seminário internacional
Foto: Rosaura Vicente Ferraz/ Dieese
O Seminário Internacional Trabalho e Meio Ambiente: caminhos para uma transição energética justa no Brasil reuniu lideranças sindicais e de organizações da sociedade civil nesta quinta-feira, 30, em Porto Alegre, para discutir o futuro do trabalho na transição para um modelo energético limpo do ponto de vista da emissão de gases que aumentam o aquecimento global.
O evento foi realizado das 9h30min às 18h, pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), de forma presencial, no Hotel Intercity Porto Alegre, e virtual, pela plataforma zoom.
Pela manhã, participaram do painel de abertura, Trabalho e meio ambiente: é possível conciliar as agendas?, Nora Räthzel, Umeå University, Suécia; Gilmar Mauro, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), Patricia Tropia, da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Em seguida, foram apresentadas experiências internacionais da transição energética, com uma abordagem sobre a exclusão de categorias de trabalhadores, com a participação de Marino Vani, da IndustriALL Global Union, do Uruguai; Montserrat Mir, JTC- Just Transition Centre, de Bruxelas; Vicente Martinez, CCOO-Comissiones Obreras, da Espanha.
À tarde o debate questionou se a transição energética justa no Brasil é de fato um caminho necessário, com a participação de organizações da sociedade civil. Foram painelistas Camila Moreno, do Grupo Carta de Belém, Lidiane Gregorio, da Cooperativa Bionatur de Candiota do MST, e Roberto Kishinami, do Instituto Clima e Sociedade (ICS).
A agroecologista Lidiane Gregorio apresentou um relato sobre as alternativas de geração de emprego e renda na região de Candiota, cuja economia é dominada pelo carvão mineral e monoculturas.
“Nós que vivemos no campo dependemos do carvão e questionamos o que vamos fazer depois que acabar a mineração do carvão”, resumiu.
As alternativas produtivas em Candiota, Hulha Negra e Bagé, destacou, são o trabalho das sementeiras, a agropecuária, que enfrentam problemas de infraestrutura.
“Temos produção de gado de corte e não existe um frigorífico que abata, ao contrário do Uruguai, que é o mesmo bioma. A produção leiteira de 2 mil famílias assentadas não tem recolhimento e não tem indústria”, enumerou.
Energia limpa versus empregos
Luiz Antonio Barbosa, Sindicato dos Trabalhadores de Energia Elétrica do Sul de Santa Catarina, estima que a atividade carvoeira envolve 28 mil empregos diretos e responde por quase um terço da geração de energia no estado. “Não somos alheios à questão ambiental, mas enquanto sindicalistas temos uma questão prioritária que é o emprego, a renda, o bem-estar social”.
De acordo com Hermelindo Trindade Ferreira, do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Extração e Beneficiamento Minerais de Candiota, a região tem as maiores reservas de carvão do estado e 90% desse mineral está em Candiota. São mais de 200 anos de reserva de carvão”, exemplificou ele ao defender “uma transição energética com sustentação econômica da região”.
Genoir José Santos, o Foquinha, da Federação Interestadual de Trabalhadores na Indústria Extrativa do Carvão no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, apresentou um histórico das conquistas dos trabalhadores e da evolução da indústria carbonífera, bem como a contribuição do setor para a economia, que responde por um quarto do PIB da região. “Não somos contra energia renovável, mas lutamos pela manutenção dos nossos empregos, que são prioridade. Para construir uma torre eólica são necessárias 260 toneladas de aço que são produzidas a partir de 170 toneladas de carvão e 300 de ferro. Vem de onde esse carvão?”, indaga.
Modelo de produção em xeque
Foto: CUT/ Divulgação
Para Daniel Gaio, secretário nacional de Meio Ambiente da CUT, essa é mais uma das transições lentas graduais e seguras que tendem a mandar a conta para os trabalhadores, como a libertação dos escravos que forçou os negros a uma autoinserção no mercado de trabalho ou a lei da anistia, “que veio pra salvar os agentes do Estado que produziam as violências em nome do Estado”. “Estamos diante de outra transição que será segura para o capitalismo verde. Quem paga são sempre os trabalhadores, as mulheres, os negros, as periferias, os interiores”, alertou.
Ele defendeu uma agenda de lutas por categorias. “Ao invés de brigar entre nós, vamos organizar um plano de luta coletivo para ter um diagnóstico, intervir nessas transições em busca de respostas e não de falsas soluções que o capitalismo adora. Essa transição interessa a eles, ao ciclo de acumulação que provocou essa avalanche da digitalização e do sequestro das nossas vidas. Nem Gabriel Garcia Marquez conseguiria imaginar uma Macondo como Candiota”, comparou.
Para o secretário de meio ambiente da CUT, a transição justa deve incorporar, antes da descarbonização, uma agenda dos trabalhadores. “Hoje, no Brasil, quanto mais limpa a energia, mais sujas são as condições de trabalho, por aplicativo, sem jornada de trabalho. Numa planta solar, o sindicato dos eletricitários ou dos metalúrgicos não entra”, ilustrou.
Segundo o dirigente, é necessário discutir o atual modelo de produção que está em xeque. “Estamos dentro de uma avalanche neocolonial na sua essência, vamos começar a produzir uma série de coisas que não têm utilidade para a descarbonização dos outros. Óbvio que a questão do aquecimento global é urgente, mas não é economizando no chuveiro ou demitindo os trabalhadores da indústria do carvão que se vai se reduzir a emissão de gases. É discussão de modelo. Queremos discutir o modelo de produção”. Sobre qual seria a resposta dos trabalhadores, ele afirma que é importante produzir menos. “Para que continuar enchendo o mundo de porcarias que a gente não precisa”, provoca.