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Povos Tradicionais foram a Brasília pedir apoio para manter territórios ameaçados

Grupo protocolou junto ao Ministério Público do Trabalho pedido de apoio ao Kilombo Kédi e à retomada Multiétnica Gãh Ré, em Porto Alegre, com territórios ameaçados
Da Redação / Publicado em 21 de dezembro de 2022
Povos Tradicionais discutiram defesa do Pampa e direitos em Brasília

Foto: Daniela Silva Hubert/Comin

Durante o simpósio, lideranças de povos e comunidades tradicionais do bioma Pampa protocolaram, junto ao Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para Povos e Comunidades Tradicionais, Procurador João Paulo Santos Schoucair, a “Carta dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa – Rio Grande do Sul”

Foto: Daniela Silva Hubert/Comin

Cinquenta representantes de Povos e Comunidades Tradicionais do Rio Grande do Sul (RS) e do bioma Pampa participaram do III Simpósio Nacional e II Internacional “Povos Indígenas, Negros/as, Quilombolas e Religiosos/as De Matriz Africana e Afro-indígena: Decolonialidade e Dívidas históricas do Estado Brasileiro no marco do bicentenário da Independência”, durante os dias 13 a 15 de dezembro, em Brasília (DF).

Realizado na sede do Ministério Público do Trabalho (MPT), o simpósio teve como propósito promover o respeito pela identidade, diversidade e pluralismo de comunidades originárias e tradicionais para prevenir e enfrentar o preconceito, a discriminação, a intolerância, a violência e o racismo.

Contou com ampla participação da sociedade civil representada por lideranças de povos e comunidades tradicionais, além de docentes, procuradoras e procuradores, promovendo interação, trocas de culturas, saberes e ancestralidade. Na caravana do RS, estiveram lideranças dos povos kilombola, indígena, cigano, de terreiro e de religião de matriz africana, pecuaristas familiares e pescadoras e pescadores artesanais.

Para Juliana Soares, kilombola do Kilombo Coxilha Negra, de São Lourenço do Sul (RS), e assessora de projetos de FLD-COMIN-CAPA, esse foi um momento histórico. “Estar nesse simpósio, discutindo sobre o nosso modo de vida, sobre o nosso estar nesse mundo, considerando todo o processo sócio-histórico de escravização e desvalorização dos sujeitos negros, indígenas e povos tradicionais, dentro desse espaço em que tinham pessoas que estão no poder e que decidem sobre as nossas vidas, foi um momento muito importante. Porque a gente conseguiu mostrar que nós estamos aqui e precisamos ser enxergados, ser colocados nesse sistema social como sujeitos de direito”, afirmou.

A organização da caravana foi feita pela Fundação Luterana de Diaconia – Conselho de Missão Entre Povos Indígenas – Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia (FLD-COMIN-CAPA), Instituto de Assessoria às Comunidades Remanescentes de Quilombo (IACOREQ), Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra (CODENE) e Comitê dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa (CPCTP).

Carta dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa – RS

Durante o simpósio, lideranças de povos e comunidades tradicionais do bioma Pampa protocolaram, junto ao Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para Povos e Comunidades Tradicionais, Procurador João Paulo Santos Schoucair, a “Carta dos Povos e Comunidades Tradicionais do Pampa – Rio Grande do Sul”. A carta, que também foi entregue ao MPT e à Organização Internacional do Trabalho (OIT), aponta as diversas ameaças sofridas por esses povos e comunidades tradicionais no atual contexto e o desrespeito aos seus direitos devido ao avanço de projetos minerários, do monocultivo florestal, agronegócio e empreendimentos imobiliários.

O documento reforça que essas ameaças podem levar os campos do bioma Pampa à extinção nas próximas décadas e, por consequência, à destruição dos modos de vida dos povos e comunidades que ali vivem. “Esses projetos do grande capital intensificam a fome e a insegurança alimentar nas comunidades tradicionais e têm aumentado a crise hídrica no Rio Grande do Sul.” Leia a carta na íntegra.

No dia 17 de dezembro, celebrou-se o Dia Nacional do Bioma Pampa. A data é uma homenagem ao nascimento do ambientalista José Antônio Lutzenberger. Reconhecido oficialmente como bioma apenas em 2004, o Pampa ainda aguarda a patrimonialização de seu território junto à Constituição Federal, através da PEC nº 005/2009.

Apoiam a carta a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ), Federação das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio Grande do Sul (FACQ/RS),  CODENE, CPCTP, Conselho Estadual dos Povos Indígenas do RS (CEPI/RS), Conselho Estadual de Direitos Humanos do RS (CEDH/RS), Frente Quilombola do RS (FQ/RS), IACOREQ, Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FONSANPOTMA), Associação Ciganos Itinerantes do Rio Grande do Sul, Pastoral dos Nômades do Brasil,  Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), Movimento Negro Unificado (MNU) e FLD-COMIN-CAPA.

Apoio ao Kilombo Kédi contra a especulação imobiliária

Povos Tradicionais discutiram defesa do Pampa e direitos em Brasília

Foto: Daniela Silva Hubert/Comin

O Kilombo Kédi, localizado no bairro Boa Vista, em Porto Alegre (RS) vem sofrendo com a especulação imobiliária e a negociação da área da comunidade pela Prefeitura Municipal

Foto: Daniela Silva Hubert/Comin

Em Brasília, o grupo também fez a defesa do Kilombo Kédi, localizado no bairro Boa Vista, em Porto Alegre (RS), que vem sofrendo com a especulação imobiliária e a negociação da área da comunidade pela Prefeitura Municipal. Julia da Costa Silva, educadora kilombola, e Cristiana Rosângela Dutra, liderança comunitária, ambas moradoras do kilombo, protocolaram denúncia das ameaças ao território junto ao MPT, pedindo providências à situação.

O Kilombo Kédi, constituído há cerca de 120 anos por José Dutra, abriga atualmente 150 famílias que vivem em um território comprimido por prédios comerciais e residenciais. Desde 2014, a comunidade luta para se manter no local, pois há uma ordem de remoção de remanescentes via decisão judicial.

Na última quinta-feira (15), a Prefeitura e o Departamento Municipal de Habitação (Demhab) reuniram-se com as famílias do kilombo, na Escola Estadual de Ensino Fundamental Bahia. A reunião, no entanto, foi finalizada por ação do Ministério Público Federal e do Ministério Público do RS, pois as famílias estavam sendo coagidas a aceitarem a remoção em troca de bônus moradia. “Eles sentiram a pressão da comunidade e foi uma vitória histórica. Nesse dia, foi reforçado e reiterado que esse território é kilombola e ele não está à venda e nunca estará”, ressaltou Julia. Além dos assédios, a educadora denuncia a situação atual do local: “Ocorreu, como forma de estrangulamento, a destruição do esgoto da comunidade e a degradação do solo.”

Na manhã de sábado (17), ao chegar na capital gaúcha, o grupo que participou do simpósio em Brasília foi ao kilombo para conhecer e realizar ato de solidariedade à comunidade.

Retomada Gãh Ré

Durante o simpósio, Moisés Kaingang, vice-cacique da aldeia Fág Nhin, e Fernando Aristimunho, assessor de projetos de FLD-COMIN-CAPA, também estiveram com procuradoras do MPT para pedir apoio para a Retomada Multiétnica Gãh Ré, localizada no Morro Santana, em Porto Alegre (RS). Desde outubro, povos indígenas Kaingang e Laklãnõ-Xokleng ocupam a área, que é território ancestral Kaingang.

No último dia 5, a juíza da 9ª Vara Federal do município, Clarides Rahmeier, concedeu liminar de reintegração da área, pedindo a saída imediata das pessoas indígenas. Moisés denunciou a situação às procuradoras, que se comprometeram a intervir no caso.

Sobre o simpósio

A abertura do simpósio, realizada dia 13, foi marcada com o Toré dos Povos Originários, um ritual ancestral praticado por povos indígenas da região Nordeste. Nos demais dias, o evento contou com oficinas temáticas, mesas de debate e escutas sociais com diálogo intercultural, além da Capacitação Nacional “Resoluções No 230/2021 CNMP E No 454/2022 CNJ: Atuação do Ministério Público e do Judiciário junto aos povos originários e comunidades tradicionais”. Houve ainda apresentações e exposições artísticas, a Feira Negríndia e exposição da Livraria Àwúre. O simpósio foi transmitido ao vivo pelo Canal Àwúre.

Algumas temáticas das oficinas foram: Educação, infância e juventude; O impacto das grandes obras, da mineração, do garimpo e do extrativismo ilegal sobre os territórios originários e tradicionais; Patrimônio histórico e cultural dos povos originários e comunidades tradicionais; Liberdade de credo, crença e culto. Liberdade de expressão. Discurso de ódio. Racismo religioso; Sexismo, racismo e intolerância religiosa no mundo do trabalho; Sistemas de garantias de direitos nacional e internacional e as violações de direitos dos povos originários; Migrações: trabalho, direitos e cidadania no Brasil; Garantia do direito à saúde dos povos originários e comunidades tradicionais; Políticas de ações afirmativas na educação e no trabalho. Preconceito, racismo, sexismo e intolerâncias.

III Simpósio Nacional e II Internacional “Povos Indígenas, Negros/as, Quilombolas e Religiosos/as de Matriz Africana e Afro-indígena” foi uma realização do MPT/ Coordenadoria de Combate ao Trabalho Escravo e ao Tráfico de Pessoas – CONAETE/Grupo de Trabalho “Povos originários, Comunidades Tradicionais e Periféricas”,  do CNJ, da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU), da Escola Nacional de Aperfeiçoamento da Magistratura Trabalhista (ENAMAT), OIT e do Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF.

As atividades inseriram-se no marco das diretrizes das Resoluções 230, de 8.6.2021, do Conselho Nacional do Ministério Público (art. 2o c/c art.9o, parágrafo único), e 454, de 22 de abril de 2022, do Conselho Nacional de Justiça (arts. 23 e 24); e do Projeto Àwúre.

*Foi mantida a grafia de “kilombo” e “kilombola” com “k” para dar protagonismo aos idiomas originários das palavras, nesse caso dos povos africanos.

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