Acnur revela a luta de mulheres refugiadas pela sobrevivência
Foto: Werema Joshua/ Acnur
A Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) estima que mais de 50 milhões de mulheres vivem em situação de deslocamento em todo o mundo. As mulheres e meninas representam mais da metade do contingente de pessoas forçadas a fugir para outros países devido a conflitos armados, perseguição, catástrofes, fome e outras situações extremas em seus locais de origem.
“Forçadas a abandonar suas casas, as mulheres refugiadas muitas vezes tornam-se pilares de suas comunidades e famílias, mesmo enfrentando mais desafios na jornada em busca de proteção”, destaca a organização.
A discriminação contra as mulheres e meninas é causa e consequência do deslocamento forçado e da apatridia, aponta o organismo da ONU.
Muitas vezes, a situação é agravada por outras circunstâncias, como a origem étnica, deficiências físicas, religião, orientação sexual, identidade de gênero e origem social.
Os caminhos que as mulheres percorrem em busca de refúgio são repletos de riscos.
Elas são expostas à violência sexual, física e psicológica, incluindo a exploração sexual e laboral cometida por grupos criminosos ou até mesmo pessoas de sua comunidade. “Mesmo assim, enfrentam os perigos de longas jornadas para chegar a um lugar onde possam viver sem violência”, ressalta o Acnur.
A agência oferece proteção a mulheres e meninas em todas as etapas do deslocamento forçado com a promoção da integração sustentável e solidária dessas pessoas nas comunidades que as acolhem.
Seca, fome e guerra
Foto: Felipe Irnaldo/ Acnur
Neste 8 de março, o Acnur Brasil publicou depoimentos de mulheres refugiadas “que movem mundos para sobreviver e prosperar”.
Uma delas é Shamsa Amin Ali, de 38 anos, que resistiu até quando pode, mas as secas extremas erradicaram qualquer possibilidade de oferecer alimento para os filhos na Somália, forçando-a a cruzar uma fronteira e buscar proteção no Quênia junto com a mãe, Muslimo Ali Ibeahim, 82 anos.
“A seca é pior do que o conflito em curso na Somália, tornou a vida ainda mais difícil. Imagine não poder alimentar seus filhos e eles dormirem com fome?”, indaga Shamsa.
A falta de comida também esteve presente durante a jornada de oito dias a pé até o campo de refugiados de Dadaab, onde vive atualmente com seus filhos e a mãe. “Nunca passei por esse tipo de seca. Isso me forçou a fugir do meu país em busca de comida”.
“Nem sempre a autoestima de Wiins foi alta. Muito pelo contrário. Ela pode recuperá-la aos poucos após conseguir assumir sua verdadeira identidade de gênero de forma segura”, destaca o texto, referindo-se à venezuelana Wiins Marins. A jovem esteticista atua como voluntária no projeto “Corte Solidário”, em Manaus, uma inciativa organizada pela comunidade de refugiados e migrantes para transmitir mensagens de proteção e fortalecer a autoestima das pessoas assistidas nos espaços de acolhida em Manaus.
“Queremos mais respeito, inclusão, igualdade, tolerância e empatia. É cansativo se reafirmar para a sociedade o tempo todo, mas não podemos desistir”.
No projeto, pessoas refugiadas e brasileiras oferecem gratuitamente cortes de cabelo nos mais diversos estilos a pessoas em situação de vulnerabilidade, independentemente de gênero, origem ou condição. “Se resistirmos, nossa voz soará mais forte que a intolerância”.
Saúde mental e cuidados psicológicos são essenciais para que pessoas refugiadas possam enfrentar os desafios do deslocamento forçado, em especial em situações de guerra, como é o caso da Ucrânia. Como psicóloga, Inna entende isso muito bem. Desde que foi forçada a sair do país, em fevereiro de 2022, ela está ajudando sua comunidade – de crianças a adultos – a lidarem com os efeitos traumáticos da guerra.
Foto: Tarik Argaz/ Acnur
A psicóloga ucraniana Inna Chapko trabalha em um centro de acolhimento de refugiados ucranianos na Polônia apoiado pelo Acnur e realiza sessões semanais de terapia contra o estresse, cuidados específicos para mulheres, bem como sessões de aconselhamento individual e arteterapia.
“Ninguém está preparado para essas experiências”, afirma Inna sobre o trauma de vivenciar uma guerra. “Mas a maioria dos refugiados que passam por eventos estressantes não pensa em pedir ajuda. Eles continuam vivendo com a ‘mentalidade de sobrevivência’ que desenvolveram durante os tempos de crise, e suas feridas só se aprofundam”.
Mulheres e crianças representam 90% dos refugiados ucranianos atingidos pela guerra.
Filhos, companheiros e parentes das mulheres refugiadas no planeta estão há anos lutando em conflitos armados. Entre as consequências, elas e outras mulheres vêm sofrendo com violência sexual em meio aos ataques a suas comunidades. Até que decidiram agir e, como resposta, se uniram para promover a paz.
Em 2019, criaram a Associação de Mulheres Magwi Payam, um grupo comunitário independente no sudeste do Sudão do Sul, atualmente com 35 mulheres. Muitas foram refugiadas em Uganda e retornaram, e agora procuram proativamente oportunidades para resolver conflitos na área.
Associação de mulheres
Foto: Kamrul Hasan/ Acnur
O Acnur também está trabalhando diretamente com a Associação de Mulheres para fornecer treinamento em habilidades empresariais e capital inicial para alfaiataria e outras atividades de pequenos negócios, com o objetivo de ajudá-las a obter uma renda segura.
Sanam é o único membro de sua família que ganha uma renda desde a morte de seu pai. “Eu estava tão orgulhosa de ser capaz de sustentar minha família como um homem. E minha família também está muito orgulhosa de mim, por poder apoiá-los como uma menina”, disse.
Sua renda mensal já caiu dois terços desde que novas restrições de gênero foram introduzidas no Afeganistão e as existentes, reforçadas. “É difícil ir ao bazar. Não posso ir todos os dias agora e também preciso de um Mahram (guardião masculino, que é parente da família) comigo. Isso significa que é mais difícil comprar materiais para o trabalho e é mais difícil vender meus produtos. Antes, eu ganhava cerca de 7 mil afeganes por mês (US$ 78), mas agora só consigo ganhar cerca de 2 mil (US$ 22)”.
Foto: Felipe Irnaldo/ Acnur
Depois de chegar a Bangladesh, após uma viagem traumática desde Mianmar, Samia, de 14 anos, refugiada rohingya (minoria muçulmana apátrida de Mianmar), ficou consternada ao ver a floresta sendo destruída à medida que as árvores eram derrubadas para dar lugar a abrigos para o campo de refugiados. “Quando cheguei aqui, vi pessoas matando animais, cortando árvores jogando lixo em todos os lugares”.
Samia entrou em um grupo de jovens voluntários treinados pelo Acnur e parceiros com o objetivo de identificar problemas ambientais e apresentar suas próprias soluções para eles. Para ela, foi uma oportunidade de educar sua família, amigos e vizinhos sobre a importância de proteger as árvores e a vida selvagem local que aparece pelo acampamento. Ela e o restante de seu grupo realizam sessões de conscientização com crianças, adultos e líderes locais, como imãs.
Oportunidades de empregabilidade são essenciais para garantir que mulheres refugiadas possam recomeçar em segurança em um novo país, especialmente se elas são chefas de família. Entre a adaptação ao novo lugar e aprendizado do novo idioma, elas também são responsáveis pela integração de seus filhos.
A iniciativa “Mujeres Fuertes”, do Acnur e parceiros, apoia a capacitação profissional de mulheres venezuelanas no estado do Amazonas como uma forma de incentivá-las a buscar autonomia e renda.
“Muitas coisas aprendemos aqui no laboratório. Com o certificado do curso, o próximo passo é conseguir montar meu próprio negócio para conseguir conciliar casa e trabalho com mais tranquilidade”, comenta Yoheli Carolina, 36, uma das participantes que vive no Brasil com seus dois filhos.
*Com informações da Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).