Garantia de renda e não violência são prioridades para população LGBTQIA+
Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil
O enfrentamento à violência contra pessoas LGBTQIA+ e a garantia de trabalho digno e geração de renda para essas populações são as ações prioritárias da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, para os próximos três anos de governo.
Após um ano de gestão, a secretária da pasta, Symmy Larrat, faz um balanço do que foi feito em 2023 e falou sobre as expectativas para os próximos anos.
É a primeira vez que o Brasil conta com uma secretaria do governo federal voltada especificamente para desenvolver políticas públicas de enfrentamento ao preconceito e à discriminação e promoção dos direitos das pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queer, intersexo, assexuais e outras.
Sobre as prioridades, Larrat detalha que há dois programas. “Um que a gente vai testar e outro que já começou. Precisamos acolher as pessoas que são vítimas de violência e abandono familiar para que não fiquem em situação de rua, para que não sejam usadas pela exploração sexual, para que não sejam usadas pelo tráfico, para que tenham e mantenham sua dignidade”.
A secretária afirma que é necessário acolher pessoas vítimas de violência e conectá-las a educação, ao trabalho e geração de renda.
“A gente espera criar uma rede que consiga promover essas ações como prioritárias no Brasil”
Segundo ela, o primeiro ano foi de planejamento, promoção de diálogo com as entidades e organizações que já atuam no país em prol da população LGBTQIA+ e também de criação de instâncias como o grupo de trabalho (GT) inédito para documentar violências históricas contra LGBTQIA+.
Entre as ações do GT, está o mapeamento dos locais onde ocorreram as violências.
De acordo com Larrat, esses locais receberão registros, para que quem passe por ali conheça a história.
“Vamos registrar essa memória para que as pessoas saibam o que aconteceu nesses locais e possam, a partir do momento que a gente não deixa as pessoas esquecerem o que aconteceu, saber que é um desafio constante da gente superar”, diz.
Preconceito e mortes violentas
Pesquisas e acontecimentos recentes mostram que a LGBTfobia, ou seja, o preconceito contra pessoas LGBTQIA+, faz parte do cotidiano em todo o país.
De acordo com o Relatório de Mortes Violentas de LGBT+ no Brasil ocorridas em 2021, do Grupo Gay da Bahia, 300 LGBT+ sofreram morte violenta no país em 2021, número que representa 8% a mais do que no ano anterior, sendo 276 homicídios e 24 suicídios. Em 2022, foram 256 mortes.
Larrat ressaltou que um dos principais focos da pasta é a construção da Política Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+.
Trata-se de um conjunto de ações, programas e diretrizes voltados para as principais demandas dessa população. O documento ainda está em discussão no ministério e deverá ser debatido com diversos atores e pesquisadores ligados ao tema.
Uma primeira versão será analisada em conferências municipais, estaduais e nacional e, finalmente, após aprovada, publicada em diário oficial.
“As políticas públicas de proteção e defesa dos direitos humanos para a população LGBT não são diferentes daquelas adotadas para os demais grupos vulneráveis”
A secretaria informa que o Brasil já conta com políticas nacionais, por exemplo, voltadas para mulheres, pessoas em situação de rua e idosos e que as políticas garantem equipamentos como centros especializados direcionados para o atendimento a essas pessoas.
“Todas as outras populações já têm, não estamos fazendo nada diferente do que outras populações vulneráveis já fizeram. Esses lugares demonstram que esses atendimentos específicos têm colaborado muito para a proteção e defesa dos direitos dessas pessoas”, diz.
Entrevista
Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, a secretária avaliou retrocessos como a discussão, no Congresso Nacional, do casamento homoafetivo, um direito já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e autorizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) há mais de dez anos.
“Na verdade, o ódio se tornou muito rentável. As pessoas sabem que é anticonstitucional, sabem que o STF já julgou isso, que isso não vai ajudar. Mas elas fazem isso muito mais para ter o palco para desfilar ódio, para lacrar nas redes socais, para ter seus votos e seus acordos e rentabilizar em cima disso com seus likes do que realmente para pensar políticas públicas. Isso tem mais a ver com esse cotidiano do movimento de ódio do que realmente com uma preocupação real ou questão real. É mais sobre isso”.
Violência
Segundo ela, a Secretaria vai criar modelos de protocolos policiais específicos para o enfrentamento das agressões contra pessoas LGBTQIA+. A decisão é do STF e prevê que esses casos de violência sejam tratados como os de racismo.
“Estamos debatendo a construção de modelos, de protocolos policiais que vão desde o atendimento até o encaminhamento à Justiça, às estruturas que queremos debater. Por exemplo, há a necessidade de uma Vara na Justiça específica? Não sei, estamos estudando. Estamos trabalhando na construção de normativas que nós acreditamos que sejam modelos para a colaboração dessa aplicação real e que tenham impactos na vida das pessoas”, revelou.
Dados estatísticos
“Sem dados, é difícil a execução de políticas públicas. Estamos em diálogo tanto com os órgãos responsáveis pelos sistemas públicos de cadastro, quanto com o IBGE”
A falta de dados oficiais da população LGBTQIA+ no país é outra questão que mobiliza a pasta. Houve avanços, por exemplo nas coletas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que divulgou o primeiro levantamento de homossexuais e bissexuais no país, em 2022, e anunciou a coleta desses dados em outras pesquisas.
“Sem dados, é difícil a execução de políticas públicas. Estamos em diálogo tanto com os órgãos responsáveis pelos sistemas públicos de cadastro, quanto com o IBGE, para reiterar essa identidade. Estamos nesses diálogos constantes. A gente acredita que a cada ano, nós vamos ter novos campos e novas boas notícias para que a gente possa inserir isso em todos os cadastros públicos e privados”, disse Larrat.
Escolas
“A gente pode falar sobre uma sociedade igualitária e respeitosa a qualquer momento da idade educacional”
Ao ser questionada sobre episódios de violência nas escolas não relacionados diretamente a questões LGBTQIA+, mas mostram que falta tolerância e acolhimento nas escolas e na sociedade como um todo, a secretária afirma que “o ambiente escolar é o lugar propício para que se construa uma sociedade mais solidária”.
Para ela, o debate sobre essa temática deve permear todas as áreas e enfrentar as notícias falsas. “A gente pode falar sobre uma sociedade igualitária e respeitosa a qualquer momento da idade educacional. É só a gente falar sobre empatia, sobre respeito, ter uma educação mais solidária e, no momento das maturidades, debater, como se tem que debater, gênero e sexualidade. Eu acho que é possível que a gente traduza o que a gente quer falar com o cuidado devido”, projeta.
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