Governo investe em comunicação para explicar PL aos motoristas de aplicativo
Foto: Lula Marques/Agência Brasil
No Brasil inteiro as Superintendências do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ao lado de entidades representativas de motoristas de transporte de passageiros por aplicativos estão convocando coletivas de imprensa para detalhar e apresentar esclarecimento sobre o Projeto de Lei Complementar (PLP) 12/2024 que cria a categoria do trabalhador autônomo por plataforma. O Projeto de Lei foi alvo de críticas e motivou protestos em várias capitais do país, sendo atacado por lideranças políticas ligadas ao bolsonarismo nas redes sociais e em grupos de WhatsApp frequentados por motoristas de aplicativos.
No Rio Grande do Sul, o encontro será na quinta-feira, 11, e contará com as presenças do Superintendente, Claudir Nespolo, e diretores do Sindicato dos Motoristas de Transporte Individual por Aplicativo do Rio Grande do Sul (Simtrapli).
As coletivas são o pontapé inicial de uma forte campanha contra o que o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho (PT), chama de “uma onda de mentiras” que estão levando a uma interpretação equivocada do projeto, resultado de um processo de intensa negociação entre o governo trabalhadores e representantes das plataformas que atuam no Brasil.
A onda de desinformação é tanta que o ministro viu na semana que passou até parlamentares da base do governo chegar a defender a retirada do caráter de urgência da proposição no parlamento.
“A depender de mim, não retira a urgência”, destaca Marinho. Segundo o ministro que, pondera ser do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a decisão final.
Rede de desinformações
Foto: Valter Campanato
“Estou disposto a conversar com as bancadas”, afirma Marinho ao lembrar que na terça-feira, 9, há reunião com líderes e vice-líderes.
Na opinião do ministro, houve “erro de comunicação” no lançamento do PLP 12/2024 e que muitos deputados da oposição são contra a iniciativa pelo “simples fato” de que o texto foi proposto pelo governo.
Marinho entende ser necessário o que chama “enfrentar a grita”. Registra que a Secretaria de Comunicação (Secom) já está trabalhando em uma campanha para mostrar que o projeto é necessário.
Para a presidente do Simtrapali, Carina Trindade, o combate a desinformação parte do entendimento de que os motoristas de aplicativos integram uma nova categoria que está se formando, a de autônomos com direitos.
Luiz Corrêa, presidente do Sindicato de Motoristas e Entregadores por Aplicativos do Rio de Janeiro (Sindimobi), afirma que não há outro caminho que não seja uma regulamentação federal para se conseguir colocar barreiras no processo de exploração que as plataformas exercem sobre os trabalhadores.
Carina e Luiz integraram o Grupo de Trabalho estabelecido pelo MTE para que trabalhadores, empresários e o Governo Federal buscassem soluções negociadas para a regulação do setor que ainda engloba moto entregadores, segmento que está em impasse até o momento.
Assim como o ministro Marinho, os dois entendem que há uma rede de desinformações e que por causa dela parlamentares de oposição e até da base do governo estão a usando, nas palavras de Corrêa, “para surfar na onda”.
O dirigente sindical carioca registra que ainda acontecerão audiências públicas para tratar o PLP e que os sindicatos de motoristas apresentarão via Federação dos Sindicatos dos Motoristas de Aplicativos 12 emendas à proposição.
“O nosso foco nessas audiências públicas é justamente esclarecer as bancadas, tanto da direita, do centro e da esquerda que a nossa luta é contra a precarização, que a nossa luta é contra a exploração dessas empresas que já dura dez anos”, ressalta.
Situação complexa
A situação fica mais complexa quando tradicionais defensores dos direitos dos trabalhadores como segmentos do Ministério Público do Trabalho (MPT) e da academia também tecem críticas à PLP 12/2024.
É o caso do professor Ricardo Antunes, um dos mais renomados sociólogos do trabalho e autoridade mundial nas discussões sobre os efeitos da chamada Indústria 4.0.
Antunes ataca a iniciativa. “É um grande equívoco do governo, eu não tenho a mais remota dúvida disso”, afirma.
Mesmo ao dizer que entende que a extrema-direita ataca a proposição “porque tudo que vem do Lula, ela bate”, o professor considera ser “inaceitável” que o presidente concorde com que “trabalhadores e trabalhadoras motoristas, que trabalham muitos deles, 10, 12, 14 horas por dia, sejam considerados autônomos, e, portanto, fora da legislação protetora do trabalho”.
A presidente do Simtrapali, Carina, vê a crítica de Antunes por um prisma diferenciado.
“Na realidade, os estudiosos são contra porque sabem que existe vínculo empregatício, entre plataformas e trabalhadores, mas diz isso para uma categoria que nem se sente trabalhadora e tem aversão a CLT. Eu também defendo a CLT, mas diz isso para o próprio STF (Supremo Tribunal Federal)”, lamenta ela.
Na mesma linha, Corrêa deixa claro: “a gente sempre defendeu a CLT, só que a gente perdeu essa briga no STF e os próprios motoristas não a querem”.
É daí que surge a terceira via, destacam os dirigentes sindicais, o ramo de atividade para motoristas que prestam serviços para plataformas.
“É isso que a gente precisa entender. A finalidade do projeto é dar direitos para trabalhadores que não tem nenhum. E a gente precisa começar por um ponto de partida”, diz Corrêa que destaca, além de uma remuneração mínima, a garantia de acordos coletivos, um dissídio, que deixa claro que os motoristas não microempreendedores.
“Nós somos trabalhadores. Essa é a nossa situação. Nossa luta é a construção dessa nova classe de trabalhadores e a luta pelo movimento sindical”, destaca Corrêa.
Clemente Ganz Lúcio, sociólogo e coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, entende o PLC 12/2024 como um passo importante porque é resultado de um pacto nacional “com repercussões internacionais, inclusive”.
Segundo ele que foi Diretor Técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) de 2004 a 2019, a questão foi elencada como uma das prioridades das centrais e foi tratada de uma forma inovadora.
Mundo real
“Foram centenas de horas de negociação que duraram quase um ano”, frisa. Um processo que envolveu “um monte de gente que olha o tema do trabalho”, destaca ainda Ganz Lúcio, ao citar, além dos representantes dos trabalhadores e plataformas, o Ministério Público Federal e os ministérios da Fazenda, Trabalho e Emprego e Previdência.
Sobre as críticas de Ricardo Antunes e outros setores, o coordenador do Fórum das Centrais Sindicais é direto e franco.
“Eu tenho 50 anos de vida sindical. Já vivi tudo. E o que eu vejo é que a esquerda é contra qualquer passo que se dê no espaço da negociação todas as vezes. É contra porque, por princípio, ela defende um conjunto de ideias que está lá em um paradigma de modelo de proteção plena que está correto do ponto de vista de projeto. Mas, como é que você traz isso para o mundo real? Bom, como disse, há 50 anos que eu luto contra a informalidade; como tratar a questão de 40, 50 milhões de trabalhadores que estão na informalidade? Nós não conseguimos. Objetivamente, nós não conseguimos”, desabafa Ganz Lúcio.
É no contexto atual, olhando para o que está acontecendo no mundo em relação as mudanças do trabalho, que Ganz Lúcio entende que a PLP 12/2024 é um passo importante.
“Se conseguirmos aprovar (o PLC) – não acho que vai ser fácil – a gente vai se colocar um paradigma de referência que vai dar condição de olhar para várias outras situações de forma diferente. Com um caráter efetivamente protetivo que, hoje, muita gente não têm: cuidadoras, trabalhadores domésticos, diaristas, bom, tem um monte. Vai se criar um paradigma para dizer que é possível dar proteção efetiva a essas pessoas, sem que elas precisem ter a formalização do assalariamento clássico com uma empresa”, explica.
Sair da armadilha
Tanto Lúcio Ganz quanto os representantes dos motoristas, Carina e Corrêa, ressaltam a importância do momento em que se está propondo a regulamentação dos serviços dos transportadores de passageiros.
“Não sei se as pessoas perceberam, mas nós estamos sofrendo derrotas. Nesses últimos tempos, as piores derrotas trabalhistas em 100 anos”, lembra Lúcio Ganz.
Para exemplificar, ele cita que o STF está próximo de dizer que o trabalhado autônomo é uma relação civil. “Se o STF afirmar isso, acabou. Não tem direito trabalhista. É você como um PJ, como uma empresa. Se você contribui ou não contribui, morre e deixa sua família desamparada, você que se vire”, assevera.
É neste contexto que o Fórum das Centrais Sindicais tem priorizado a questão da regulamentação dos motoristas e tele entregadores de aplicativos.
“Se os trabalhadores topam e as empresas topam, por que o STF vai ser mais draconiano?, questiona retoricamente Lúcio Ganz que vê no PLC 12/2024 uma tentativa de sair de uma armadilha.
“É maravilhoso? Dá para a gente sair comemorando e fazer a festa do ano? Não, não dá. É um passo”, reflete.
Nessa situação, “coloquem 300 votos a nosso favor no Congresso Nacional. Não vão colocar. Nenhum desses intelectuais colocam um voto objetivamente. Agora, do ponto de vista teórico, eles têm razão de que nós estamos sendo destruídos. Tem toda razão. É isso mesmo. Nós estamos sendo derrotados. Derrotados pelos próprios trabalhadores que estão reproduzindo esse ideário vamos chamar, bolsonarista, fascista, religioso, para qual não há racionalidade”, provoca Lúcio Ganz os detratores da iniciativa à esquerda.
Para ele, o PLC que está sendo proposto é um “aviltamento” na concepção de quem prega contra sindicatos e negociações coletivas.
“Esse tipo de coisa que o projeto está apresentando é um escândalo. Eles querem total desregulamentação”, conclui Lúcio Ganz.